O elevado número de
imigrantes que tentam chegar ao Reino Unido pelo Eurotúnel, que ganhou destaque
na imprensa internacional desde a semana passada, voltou a expor a dificuldade
da Europa em lidar com a grave crise migratória. Nos dias de pico, foram
registradas mais de 2 mil tentativas de atravessar o túnel que liga a França ao
território britânico sob o Canal da Mancha.
Do porto da cidade
francesa de Calais, por onde passa o Eurotúnel, é possível avistar, do outro
lado, a britânica Dover. A proximidade com o Reino Unido tem atraído, desde o
fim da década de 1990, grupos de migrantes ilegais que buscam um futuro melhor
em terras britânicas. Muitos têm parentes ou amigos que conseguiram completar a
travessia ilegalmente e se estabelecer na Grã-Bretanha, ampliando a esperança
de quem ainda sonha em chegar do outro lado.
Em 2002, um campo
de refugiados que abrigava quase 2 mil pessoas em Sangatte, na região
administrativa de Pas-de-Calais, foi fechado após violentas manifestações e
tentativas em massa de cruzar a fronteira, chamando a atenção da mídia
internacional.
As medidas de
reforço da segurança, adotadas por autoridades francesas e britânicas na última
década, não foram suficientes para resolver a questão. O aumento do fluxo
migratório para a Europa este ano – mais de 150 mil chegaram ao continente pelo
Mar Mediterrâneo desde janeiro e quase 2 mil morreram durante a travessia,
segundo a Organização Internacional para as Migrações – teve reflexos em
Calais.
Migrantes que
alcançam o continente pelos países do Sul – entre eles, a Itália e a Grécia –
seguem viagem por terra até Calais, acreditando que conseguirão atravessar o
túnel. Muitos são atraídos por traficantes de pessoas que atuam na região. No
acampamento montado nas proximidades do porto de Calais, apelidado de "A
Floresta”, o número de imigrantes não para de crescer. Hoje, no local, vivem
mais de 3 mil pessoas em condições precárias, inclusive mulheres e crianças.
Eles sobrevivem da ajuda que recebem de instituições de caridade e de
voluntários.
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No local, até uma
pequena igreja foi construída, onde Mima, de 29 anos, que veio da Etiópia,
costuma ir para rezar. O jovem, que estudou jornalismo e tecnologia da
informação em seu país de origem, chegou à Europa por meio do Mar Mediterrâneo,
em uma perigosa travessia que levou à morte vários de seus amigos. “Eu agradeço
a Jesus pois salvou nossas vidas. Não estamos mortos. Outras pessoas, nossos
amigos, estão mortos”, conta. Mima é um dos que acredita que conseguirá um dia
chegar ao Reino Unido.
A maioria dos
imigrantes que vivem no acampamento vem da Eritreia, do Sudão, do Afeganistão,
de Serra Leoa e da Etiópia. Todos os dias, eles arriscam a vida tentando furar
o forte esquema de segurança e chegar ao túnel. Quando conseguem, atiram-se nos
trilhos e tentam se agarrar a trens em movimento ou buscam se esconder em algum
veículo e embarcar nos trens de carga. Nos últimos dois meses, nove imigrantes
morreram enquanto tentavam cruzar a fronteira. De acordo com informações do
Eurotúnel, desde janeiro, 37 mil tentativas foram interceptadas.
Os ministros do
Interior da França, Bernard Cazeneuve, e da Grã-Bretanha, Theresa May,
defenderam, nesse domingo (2), em declaração conjunta, ser prioridade acabar com a forte pressão migratória em Calais. Para os
ministros, a resposta perene para o problema está na redução do número de
pessoas que deixam a África fugindo da miséria. Os dois países anunciaram
reforço policial, a construção de mais cercas, o emprego de cães farejadores e
mais 10 milhões de euros para aumentar a segurança ao longo do Eurotúnel.
Na avaliação do
professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo,
Kai Enno Lehmann, não há solução simples para a questão migratória. “Esse
problema dos imigrantes na entrada do túnel que liga a França à Inglaterra é
recorrente e tem muitos anos. O fenômeno tem que ser visto dentro do contexto
de uma onda de migração que vem do Oriente Médio e do Norte da África e que
piorou bastante este ano”, disse.
Para o professor,
existe uma incapacidade de os países europeus em lidar com essa imigração em
massa. “Há uma impotência enorme da Europa para enfrentar essa crise
humanitária. O que estamos testemunhando é o colapso da política europeia de
imigração. Estamos testemunhando também discussões, em um tom até agressivo,
entre os países europeus sobre o que fazer. Quem tem os maiores custos são os
países do Sul da Europa que estão passando por uma crise econômica.”
“A União Europeia
está tentando achar, há algum tempo, um sistema de cotas para distribuição
desses refugiados e não está conseguindo. Enquanto isso, alguns governos estão construindo muros [para barrar imigrantes], como
na Hungria”, acrescentou Lehmann.
A União Europeia
planejava oferecer asilo ainda este ano para 40 mil migrantes, mas em reunião
entre os ministros do Interior e da Justiça dos países-membros do bloco, no
último dia 20, as nações se comprometeram a absorver 32 mil pessoas.
De acordo com o
professor, a reação da França e da Inglaterra de maior repressão policial aos
imigrantes era esperada. “Internamente, em termos políticos, imigração é uma
tema muito complicado. A opinião pública é contra mais imigração,
principalmente de pobres, porque essas pessoas no início vão gerar custos e não
riqueza. O mais humanitário seria tratá-las como refugiados em busca de uma
vida melhor em vez de imigrantes ilegais, criminosos. Mas não existe uma
solução fácil porque não é possível deixar as pessoas morrerem, mas também não
é possível abrigar todo mundo.”
O professor do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Estevão
Rezende Martins acredita que a solução é de longo prazo e a situação pode
começar a mudar com a pacificação dos países de origem dos imigrantes.
Ebc
Edição: Graça Adjuto
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