Isto não é novo.
Infelizmente, temos o hábito de ver crises de refugiados por todo o lado num
mundo tomado por instabilidade e guerras. …campos de refugiados, tendas,
pessoas pela estrada fora… coisas aparentemente distantes… O que já não é tão
comum é ver o espancamento de refugiados ou, incendiarem-lhes as casas, em
territórios que estes julgavam já serem seguros. Isto acontece não num sítio
remoto, isto acontece precisamente na Europa. É aqui que vemos os ataques, das
forças de Estado nas fronteiras e dos nazis nas ruas, nesta parte chamada,
ainda por alguns, de primeiro mundo.
Vejamos de onde vêm
atualmente quem por mar e por terra luta desesperadamente pela vida: da Síria,
do Afeganistão, do Paquistão, da Eritreia, da Somália, da Nigéria… além de
outros países com menor expressão.
É interessante que os
nossos media chamem as estas pessoas imigrantes,
quando são refugiados que na verdade vêm sobretudo de zonas de guerra, ou de
elevada conflitualidade. Mas mais ainda, são pessoas… é de pessoas que estamos
a falar. Nenhum problema com os imigrantes, antes pelo contrário, mas há que
chamar as coisas pelos nomes, atribuindo o verdadeiro significado. Até os
migrantes são refugiados, refugiados económicos, que na ausência de
perspetivas, sobretudo provocadas pelos ajustamentos estruturais, impostos
pelas chantagens das dívidas, e pelos acordos de liberalização de comércio,
impostos pelos países ricos (lembram-se das EPA1?),
não conseguem sobreviver em economias destruídas.
Olhemos com mais atenção
à Síria, onde há uma catástrofe que leva à fuga de milhões de pessoas. É um
país tomado e destruído pela guerra, que já tem origem em outras guerras, as
guerras do Bush (apoiado inicialmente pelo Reino Unido, Espanha e Portugal). O
chamado EI é, segundo a Al Jazeera, composto sobretudo por comandantes que
passaram por prisões americanas (lembram-se de Abu Ghraib?) e por jovens
marcados pela guerra ao terror que organizou/organiza assassínios com
bombardeamentos ou drones pilotados à distância, ou ainda de jovens que viveram
nas periferias das nossas cidades, marcados pela discriminação, a injustiça, a
exploração, a violência, o racismo, numa outra guerra latente.
Num mundo cheio de
crises provocadas por um capitalismo avançado, que agoniza com a quebra das
taxas de lucro e crashsconsecutivos nas
bolsas, a guerra espalha-se por todo o lado, esta é-lhe fundamental. Um
instrumento para reequilibrar as coisas, para recuperar terreno. A guerra
precisa-se para conquistar terra e recursos, para absorver gastos públicos (é
uma indústria e tanto) e para destruir nas devidas proporções, pois que o
capitalismo precisa ciclicamente de doses absurdas de destruição para estar de
saúde e boa forma.
Perante uma crise desta
dimensão, e depois de outros países terem já acolhido milhões, a Europa, deixa
cair, novamente, a máscara arrogante de bastião dos direitos humanos e da
civilização que nunca mereceu. O colonialismo e o holocausto seriam motivos
suficientes, mas não são os únicos. Nega a multidões desesperadas em fuga o
acesso a uma embaixada, depois à fronteira, manda bombas, gás, cães, arame
farpado, bastonadas, barcos de guerra, exército, polícia, centros de detenção.
A Merkel dizia há pouco tempo na TV a uma menina palestiniana que teria de ir
embora, “não podem ficar,
pois não?”. Independentemente da Alemanha ser um país que recebe
alguns refugiados, tem habituado sobretudo o povo ao discurso donós ou os outros, nós ou os gregos,
nós ou os imigrantes. A Europa restante vai ganhando eleições,
igualmente, com o nós ou os do rendimento mínimo, nós ou
os malandros dos desempregados, nós ou os muçulmanos, nós ou os imigrantes, nós ou os outros. As imagens que a Europa nos
mostra é da mortandade feita inevitabilidade no Mediterrâneo, da guerra
frontex, dos muros de arame, das negociações intermináveis e sem acordo de
quotas minúsculas de refugiados. Assim, chegámos à vergonha de ter na Alemanha
uma média de dois ataques por dia a estrangeiros, desde apedrejamento a fogo
posto, e movimentos xenófobos a crescer por todo o lado. O terreno é fértil,
muito fértil, com uma população encurralada na exploração da precariedade, no
desemprego, na perda constante, na insegurança, na diminuição de serviços
públicos, educação, cultura. Nada de solidariedades, nós
ou os outros, temos é de pagar as dívidas, sentir-nos culpados por
gastar dinheiro ao Estado, viver acima das nossas possibilidades e não
trabalhar o suficiente.
A Europa cultiva a
extrema direita, fabrica xenofobia, porque os valores que pratica são
essencialmente aqueles que temos visto nas imagens das fronteiras do leste, do
mediterrâneo ou das ruas da Grécia. Esta xenofobia vai crescer, a par dos
refugiados, na medida das crises da finança, da austeridade, do aprofundamento
do capitalismo, da guerra, do clima.
É certo que as
consequências do capitalismo voltam sempre em golfadas devastadoras. Esta
Europa é mais bastião do capitalismo e do colonialismo do que da democracia ou
dos direitos. A sua verdadeira cara é essa e sempre foi. Once again, shame on you Europa!
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