terça-feira, 8 de abril de 2014

São Paulo tem cerca de 500 estrangeiros sem-teto morando em albergues

Com histórias de busca por emprego, uma vida melhor ou fuga do país, imigrantes têm em comum a esperança de se estabilizarem financeiramente para trazer suas familias
O forte sotaque, carregado principalmente nas letras erres, denuncia que o técnico de construção Joseph Sluny, 43 anos, não é brasileiro. Sluny é checo e faz parte dos cerca de 500 estrangeiros que vivem em abrigos da cidade de São Paulo. Ao contrário da maioria, o Brasil não estava nos planos de Sluny. Ele saiu da República Checa com destino ao Peru, mas foi enganado, assaltado e não consegue voltar para casa.

Acostumado a viajar pela Europa em busca de trabalho, Sluny recebeu a proposta de trabalho na América do Sul e encarou a experiência como “mais uma oportunidade de ganhar dinheiro” do outro lado do mundo. No entanto, ao chegar no Peru, o amigo que o indicou para o trabalho sumiu e levou todo o dinheiro que os dois tinham conquistado juntos.
“Eu pensei que ir do Peru a Europa, muito caro. Ir do Peru, Brasil, África, Europa, menos dinheiro”, diz ele ainda sem conseguir conjugar os verbos em português. "A língua ser o mais difícil”, confessa.
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Segundo ele, a passagem de avião do Peru para Europa seria mais cara do que uma viagem em três etapas passando pelo Brasil e pela África. No entanto, quando ele chegou ao aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, diz ter sido assaltado.
Sluny conseguiu manter apenas o passaporte. Em São Paulo desde novembro do ano passado, o visto de turista venceu em fevereiro e ele está irregular, vivendo no Instituto Lygia Jardim, na Bela Vista (região central de São Paulo), que abriga cerca de 60 homens e 40 mulheres, em situação de rua. 
A gerente do instituto, Adriana Rodrigues, diz que vem tentando regularizar a situação do estrangeiro, mas esbarra na burocracia do consulado. “Eles pediram para que a família enviasse dinheiro para ele comprar a passagem de volta para a Republica Checa, mas eles disseram que não tinham condições e ele está aqui esperando. A esperança é a extradição da Policia Federal”, diz.
Apesar de a extradição ser a solução mais viável, segundo Adriana, o checo gostou do Brasil e diz quer ficar. “Gosto do Brasil e por que não ficar aqui? Quero emprego, mas não consigo porque não tenho documento”, diz.
Oportunidade
O checo Joseph Slusny, 43 anos, foi roubado no aeroporto e agora quer ficar no Brasil
Assim como Sluny, muitos estrangeiros vêem no Brasil a oportunidade para ganhar dinheiro e, em muitos casos, melhorar as condições financeiras da família inteira.
É o caso do comerciante haitiano Attis Jean Onild, 38 anos, que deixou a mulher e dois filhos no país vizinho República Dominicana para se aventurar no Brasil. “Estou buscando trabalho para mandar buscar minha mulher e meus filhos”, diz Onild em um “portunhol” improvisado e complementado com gestos para se fazer compreender. O comerciante chegou a São Paulo no dia 6 de março deste ano e desde então está abrigado na igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, região central de São Paulo. Ele tem tido aulas de português enquanto aguarda a liberação do visto, que deve demorar mais 15 dias para ser emitido. Com a documentação em mãos, Onild poderá se candidatar a vagas de empregos no país.
Segundo Onild, que morava na vizinha Republica Dominicana, a situação econômica do Haiti piorou muito depois que o terremoto atingiu o país, em 2010, e muitos haitianos buscam melhores condições de vida no vizinho e no Brasil.
Por causa dessa imigração em massa de haitianos, a República Dominica tem tentado impedir a permanência de haitianos naquela parte da ilha, segundo o compatriota de Onild, o mestre de obras Romain Ulfrene, 40 anos, que viveu por 20 anos na Republica Dominicana antes de decidir tentar a sorte no Brasil.
“Há uma crise na Republica Domenica e nós temos percebido o problema. Os que nascem lá não querem dar documentos para os hatianos. Minha filha mais velha [que tem 14 anos] nasceu na Republica Domenicana e não tem a ata de nascimento porque é filha de haitianos. Ela não existe no Haiti e nem na Republica Dominicana”, diz. Ele deixou a mulher e quatro filhos em Porto Príncipe, capital do país.
Ulfrene diz que tem procurado emprego todos os dias, mas como também não tem o visto, não é chamado para trabalhar. Por enquanto, a família manda dinheiro para ele, que já conseguiu alugar, por R$ 600, um quarto que divide com outros dois compatriotas na Liberdade, também na região central.
A percepção de que o Brasil é a “bola da vez” e o “país do futuro” foi difundida pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, segundo padre Paolo Parise, diretor do Centro de Estudos Migratórios, da Casa do Migrante, onde Onild e Ulfrene estão abrigados.
“Depois do terremoto [que devastou parte do país, em 2010], o Lula [ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva] levou ao Haiti a imagem de que o Brasil é o País das Maravilhas”, diz Parise.
O abrigo fica no terreno na igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, região central de São Paulo, e é endereço conhecido por acolher imigrantes e refugiados. Atualmente, a casa tem 110 estrangeiros, a maior parte deles haitianos e congoleses, segundo o padre. De acordo com o último Censo da População de Rua de São Paulo, publicado em 2012, a cidade tinha 484 estrangeiros vivendo em albergues e 10 nas ruas. Mas de acordo com o padre Parise, é muito dificil estimar quantos estrangeiros vivem na cidade hoje. “Muitos estão em situação irregular”, diz.
O carpinteiro guinéu Conde Aboubaacr, 34 anos, espera arrumar trabalho para ficar no Brasil e mandar trazer a mulher, grávida de nove meses, e os dois filhos. A família vive em Cabo Verde, onde ele morou nos últimos cinco anos e aprendeu o português.
“Eu visitei meu país [Guiné] em 2011 e conheci muitos brasileiros, que estão lá explorando minas de ouro, diamante e fosfato. Eles falaram que as condições eram melhores que da África e que eu poderia melhorar de condições de vida aqui”, disse. “Isso me deu coragem para vir”. Ele diz que conversou com a mulher e os dois decidiram juntos a viagem.
Ele também aguarda a liberação do visto para conseguir emprego aqui no Brasil. “Até fiz testes para trabalhar, mas a empresa pediu a documentação e eu não tinha”, lamenta.
Tortura
Diferentemente da maioria, o único desejo do agricultor colombiano John Rojas, 39 anos, é voltar para casa. No entanto, para salvar a própria vida, ele é obrigado a ficar no Brasil. Ele está no Instituto Lygia Jardim, na Bela Vista.
Segundo Rojas, que é natural de Pereira, capital de Risalrada, a região onde mora é centro de uma disputa entre Forças Revolucionárias da Colombia (Farc), outros grupos de guerrilha e o Exército colombiano.
Franzino, Rojas explica que foi confundido com guerrilheiro e torturado. “A polícia quase me matou. Me prenderam e me torturaram”, diz. Ele afirma já ter perdido um tio, morto por causa de disputas de terra na região. “Matavam as pessoas indiscriminadamente. Não precisava fazer parte de nenhum grupo”, diz.
Segundo ele, que exibe marcas das algemas nos punhos, a violência policial deixou sequelas ainda piores e ele sente dores constantes na região dos olhos e no abdomê, além de um problema na traqueia.
Para reparar o erro, o governo colombiano indenizou Rojas com o equivalente a R$ 25 mil, com o qual ele ajudou a irmã e a mãe, que ficaram na Colômbia, e lhe entregou uma autorização de refugio ao Brasil, onde está desde novembro. “Eu cheguei em Manaus [AM] em novembro e fiquei lá dois meses. Mas fiquei com medo porque é muito perto da fronteira. Preferi São Paulo”, onde diz estar há três meses. Ele define São Paulo como “bonita” e "assustadora". “Mas assusta porque vivi no campo a minha vida inteira.”

Para ele, as maiores dificuldades de continuar aqui são o idioma e a saudade da família. “Espero recuperar minha saúde, me recuperar psicologicamente, e ficar como eu era antes. Sinto saudade da minha família e do campo. Espero que meu país resolva a questão da violência para que eu possa voltar para Colombia”, finaliza.

IG

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