Duramente
criticado pelo Ministério Público Federal e organizações de defesa dos direitos
humanos por acolher imigrantes haitianos em condições degradantes, o governo do
Acre decidiu fechar o abrigo mantido com apoio do governo federal em Brasiléia,
município que tem o Rio Acre como limite da fronteira do Brasil com Cobija,
capital do departamento de Pando, na Bolívia. A ONG Conectas denunciou a
situação dos imigrantes ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na
Suiça, no final do mês passado.
O governo estadual se mobiliza para improvisar um novo acampamento para os haitianos no Parque de Exposições, em Rio Branco, a capital, onde realiza anualmente a Feira Agropecuária, o maior evento cultural, artístico e de negócios do Acre.
Será o sétimo endereço para receber haitianos, dominicanos e senagaleses que já formam o maior fluxo de estrangeiros para o País. Os precários acampamentos mantidos na fronteira se revelaram com espaço insuficiente para para acomodar o crescente contingente de imigrantes recebidos ao longo dos últimos quatro anos.
- Vamos encerrar o refúgio em Brasiléia porque a cidade está exausta. Se não fizéssemos isso, passaríamos a correr o risco de acontecer hostilidade envolvendo imigrantes e a população da cidade. Vamos construir um abrigo em Rio Branco, que estará associado a outro abrigo que o governo federal vai construir em Sao Paulo, provavelmente em Guarulhos. Temos que agradecer ao povo de Brasiléia tanta compreensão e solidariedade – disse ao Blog da Amazônia o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre (Sejudh), Nilson Mourão.
O acampamento de Brasiléia mede 200 m² cobertos com um teto baixo de zinco. Lonas plásticas servem como cortinas e a temperatura ambiente chega a 40C°. Com esgoto a céu aberto, o mau cheiro toma conta. Apesar de bastante criticada, a parceria dos governos federal e estadual assegura aos imigrantes água, três refeições diárias e serviço de saúde. Amontoados no chão, colchões velhos, enfileirados, em contato direto com o piso, expostos a todo tipo de sujeira, restos de comida, poeira, acúmulo de água, baratas, ratos, moscas e outros insetos.
Em Rio Branco, o governo estadual pretende atuar no novo abrigo com no máximo 200 imigrantes, fazendo um rodízio de permanência de até 10 dias, segundo o secretário Mourão. No acampamento atual, a permanência diária gira em torno de 500 e 1000 imigrantes, mas a capacidade é para apenas 200 ou no máximo 300 pessoas.
O Acre é a principal porta de entrada dos imigrantes haitianos no País. Os primeiros registros do trânsito de haitianos em Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândianas, cidades acreanas na fronteira com Peru e Bolívia, são de dezembro de 2010.
Segundo a Sejudh, cerca de 21 mil haitianos chegaram ao Brasil após o terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010, sendo que 18 mil teriam ingressado pela região até março deste ano. Em média, de 30 a 50 imigrantes, entre homens, mulheres e crianças, permanecem chegando diariamente pela rodovia Interoceânica, responsável pela conexão do Brasil ao Peru.
Capital e trabalho
A imigração haitiana não parece ter suas raízes em uma decisão voluntária e individual e daqueles que decidem sair de seu país e recomeçar a vida no Brasil, eegundo as pesquisadoras Eurenice Oliveira de Lima e Letícia Mamed, da Universidade Federal do Acre. Elas, que estudam o movimento dos imigrantes haitianos na Amazônia Ocidental, dizem que, pelas condições históricas e estruturais que apresenta e pela maneira como se realiza, o fluxo de haitianos sugere uma conexão direta com a conjuntura do sistema capitalista de produção e distribuição de riquezas.
- No caso do Haiti, país de capitalismo dependente, criou-se um imenso excedente, que, por não encontrar possibilidade de reprodução social digna de sua existência, é impelido a emigrar, sob o espectro da miséria e da fome – afirmam as pesquisadoras.
As empresas que mais recrutaram haitianos foram as da construção civil, metalúrgicas, têxteis, hoteleiras e, principalmente, da agroindústria da carne, estabelecidas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos últimos seis meses, empresas dos estados de Goiás e Mato Grosso também reforçaram contratações.
Letícia Mamed, doutoranda na Unicamp sobre trabalho e migração, estuda o recrutamento de haitianos na Amazônia pela agroindústria da carne do centro-sul brasileiro. A professora investiga sobre como se estabelece a inserção deles nos processos de trabalho no Brasil, a trajetória e a experiência dos imigrantes empregados em larga escala nos abatedouros industriais de carne.
Chapecó (SC) é um dos principais destinos de imigrantes recrutados no Acre. A cidade é o berço de um dos maiores grupos empresariais do setor, a Brasil Foods, conglomerado do ramo de produtos alimentícios e proteínas animais, surgida em 2009, da fusão da Sadia com a Perdigão.
No caso dos senegaleses, segundo a pesquisadora, existe um movimento significativo de recrutamento também pela agroindústria da carne, mas em um segmento muito específico, que é o de frigoríficos com abate diferenciado, conhecido como “halal”, cuja produção se destina à exportação para o Oriente Médio, com o necessário cumprimento de rituais islâmicos no processo de abate.
- A contratação de senegaleses nesse processo de trabalho considera a sua condição religiosa de muçulmanos, pois nesses frigoríficos todos os procedimentos com o abate de animais devem ser realizados por muçulmanos praticantes. Na Acre, está configurado um campo de refugiados próprio ao Brasil, que concretamente assume a face de um verdadeiro mercado de força de trabalho, pobre, negra e barata, com limitadas possibilidades de resistência às formas de exploração, opressão e violência que o trabalho precário estabelece. Se esses imigrantes fugiram do Haiti sob o espectro da fome, no Brasil passam a conviver sob o espectro do trabalho escravo contemporâneo, demarcado por jornadas exaustivas, condições laborais e de moradia degradantes, o que inclui a retenção por dívida – acrescentou Letícia Mamed.
O governo estadual se mobiliza para improvisar um novo acampamento para os haitianos no Parque de Exposições, em Rio Branco, a capital, onde realiza anualmente a Feira Agropecuária, o maior evento cultural, artístico e de negócios do Acre.
Será o sétimo endereço para receber haitianos, dominicanos e senagaleses que já formam o maior fluxo de estrangeiros para o País. Os precários acampamentos mantidos na fronteira se revelaram com espaço insuficiente para para acomodar o crescente contingente de imigrantes recebidos ao longo dos últimos quatro anos.
- Vamos encerrar o refúgio em Brasiléia porque a cidade está exausta. Se não fizéssemos isso, passaríamos a correr o risco de acontecer hostilidade envolvendo imigrantes e a população da cidade. Vamos construir um abrigo em Rio Branco, que estará associado a outro abrigo que o governo federal vai construir em Sao Paulo, provavelmente em Guarulhos. Temos que agradecer ao povo de Brasiléia tanta compreensão e solidariedade – disse ao Blog da Amazônia o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre (Sejudh), Nilson Mourão.
O acampamento de Brasiléia mede 200 m² cobertos com um teto baixo de zinco. Lonas plásticas servem como cortinas e a temperatura ambiente chega a 40C°. Com esgoto a céu aberto, o mau cheiro toma conta. Apesar de bastante criticada, a parceria dos governos federal e estadual assegura aos imigrantes água, três refeições diárias e serviço de saúde. Amontoados no chão, colchões velhos, enfileirados, em contato direto com o piso, expostos a todo tipo de sujeira, restos de comida, poeira, acúmulo de água, baratas, ratos, moscas e outros insetos.
Em Rio Branco, o governo estadual pretende atuar no novo abrigo com no máximo 200 imigrantes, fazendo um rodízio de permanência de até 10 dias, segundo o secretário Mourão. No acampamento atual, a permanência diária gira em torno de 500 e 1000 imigrantes, mas a capacidade é para apenas 200 ou no máximo 300 pessoas.
O Acre é a principal porta de entrada dos imigrantes haitianos no País. Os primeiros registros do trânsito de haitianos em Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândianas, cidades acreanas na fronteira com Peru e Bolívia, são de dezembro de 2010.
Segundo a Sejudh, cerca de 21 mil haitianos chegaram ao Brasil após o terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010, sendo que 18 mil teriam ingressado pela região até março deste ano. Em média, de 30 a 50 imigrantes, entre homens, mulheres e crianças, permanecem chegando diariamente pela rodovia Interoceânica, responsável pela conexão do Brasil ao Peru.
Capital e trabalho
A imigração haitiana não parece ter suas raízes em uma decisão voluntária e individual e daqueles que decidem sair de seu país e recomeçar a vida no Brasil, eegundo as pesquisadoras Eurenice Oliveira de Lima e Letícia Mamed, da Universidade Federal do Acre. Elas, que estudam o movimento dos imigrantes haitianos na Amazônia Ocidental, dizem que, pelas condições históricas e estruturais que apresenta e pela maneira como se realiza, o fluxo de haitianos sugere uma conexão direta com a conjuntura do sistema capitalista de produção e distribuição de riquezas.
- No caso do Haiti, país de capitalismo dependente, criou-se um imenso excedente, que, por não encontrar possibilidade de reprodução social digna de sua existência, é impelido a emigrar, sob o espectro da miséria e da fome – afirmam as pesquisadoras.
As empresas que mais recrutaram haitianos foram as da construção civil, metalúrgicas, têxteis, hoteleiras e, principalmente, da agroindústria da carne, estabelecidas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos últimos seis meses, empresas dos estados de Goiás e Mato Grosso também reforçaram contratações.
Letícia Mamed, doutoranda na Unicamp sobre trabalho e migração, estuda o recrutamento de haitianos na Amazônia pela agroindústria da carne do centro-sul brasileiro. A professora investiga sobre como se estabelece a inserção deles nos processos de trabalho no Brasil, a trajetória e a experiência dos imigrantes empregados em larga escala nos abatedouros industriais de carne.
Chapecó (SC) é um dos principais destinos de imigrantes recrutados no Acre. A cidade é o berço de um dos maiores grupos empresariais do setor, a Brasil Foods, conglomerado do ramo de produtos alimentícios e proteínas animais, surgida em 2009, da fusão da Sadia com a Perdigão.
No caso dos senegaleses, segundo a pesquisadora, existe um movimento significativo de recrutamento também pela agroindústria da carne, mas em um segmento muito específico, que é o de frigoríficos com abate diferenciado, conhecido como “halal”, cuja produção se destina à exportação para o Oriente Médio, com o necessário cumprimento de rituais islâmicos no processo de abate.
- A contratação de senegaleses nesse processo de trabalho considera a sua condição religiosa de muçulmanos, pois nesses frigoríficos todos os procedimentos com o abate de animais devem ser realizados por muçulmanos praticantes. Na Acre, está configurado um campo de refugiados próprio ao Brasil, que concretamente assume a face de um verdadeiro mercado de força de trabalho, pobre, negra e barata, com limitadas possibilidades de resistência às formas de exploração, opressão e violência que o trabalho precário estabelece. Se esses imigrantes fugiram do Haiti sob o espectro da fome, no Brasil passam a conviver sob o espectro do trabalho escravo contemporâneo, demarcado por jornadas exaustivas, condições laborais e de moradia degradantes, o que inclui a retenção por dívida – acrescentou Letícia Mamed.
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