Num momento em que recebemos diariamente notícias dramáticas de
mortes e sofrimento de pessoas que tentam fugir de conflitos, violência e fome,
enfrentando grandes problemas para entrar em países ricos da Europa, a questão
migratória torna-se cada vez mais premente, e afeta profundamente também o
sistema educacional. Muitos pensadores da área consideram que, com ou sem crise,
estes movimentos continuarão, e as dificuldades de ordem econômica, cultural e
ideológica não devem impedir que migrantes, e suas respectivas famílias, possam
vir a constituir um fator de desenvolvimento, e até de renovação do capital
cultural, nos países ou regiões que os recebem.
Desde sempre, todos os organismos vivos saem de lugares em que os alimentos
tornam-se escassos, o clima inóspito, o espaço insuficiente, ou outras espécies
mais fortes ou agressivas ameaçam sua sobrevivência; o instinto de
autopreservação é fundamental para todos os seres, e inclui esse impulso. Nós
humanos não somos exceção, e adicionamos a isso componentes culturais. Nosso
continente, e mais especificamente nosso país, foi povoado essencialmente por
imigrantes, mesmo os indígenas que aqui estavam quando chegaram os primeiros
europeus não são autóctones, vieram da Ásia em milênios anteriores.
Mas este é um tema conflagrado, em que profundos preconceitos e comportamentos
discriminatórios impedem a distinção entre o estabelecimento efetivo de boas
políticas migratórias, e a simples utilização do assunto como projeto
eleitoreiro em épocas de belos discursos para angariar votos.
A discussão parece centrar-se no migrante qualificado, ou seja, aquele que
exerce funções voltadas à ciência, tecnologia ou empreendimentos de grande
porte, que na maior parte das vezes provem de parcelas mais esclarecidas da
população de origem, recebe melhores salários e tem plena consciência de seus
direitos. Na outra ponta da questão temos aqueles que, muitas vezes refugiados
de imensas catástrofes – pobreza extrema é uma delas -, contribuem no setor de
limpeza, serviços pesados ou indesejados pela comunidade que os recebe
normalmente a contragosto e, no caso de estrangeiros, negando-lhes documentação.
Manter trabalhadores em situação de fragilidade, além de desumano, pode
representar uma forma indevida de enriquecimento para os contratantes, e em
função disso os códigos legislativos costumam, de forma velada e com a desculpa
de preservar os empregos para os “nativos”, manter precária a situação destes
imigrantes, criando um estatuto jurídico e político que os alija das normas e
princípios comuns do Estado de Direito. Essa prática tem, ainda, o agravante de
diminuir as vagas de trabalho, em setores nos quais atuam os estrangeiros
ilegais, para os trabalhadores menos qualificados do país receptor, pois há
empregadores que preferem aqueles sem documentação correta e, portanto, com
menos prerrogativas.
A situação das mulheres nestas circunstâncias é ainda mais aflitiva, pois
expostas à violência sexual além da maior penúria, dado que comprovadamente
mulheres enviam mais dinheiro que os homens às suas respectivas famílias, além
de estarem disponíveis para os trabalhos mais humilhantes. Como na maioria das populações
de baixa renda, as imigrantes assumem ainda os cuidados domésticos, de crianças
ou de doentes, dando às vezes importante suporte para o trabalho da população
masculina, sem qualquer remuneração em função de sua baixa escolaridade, e em
condição de invisibilidade perante as leis do país.
Não faria sentido em um mundo ideal falar em fronteiras ou tratar a imigração
como um problema; como habitamos o mundo real precisamos respeitar os limites
físicos estabelecidos pelos vários estados nacionais e tratar a questão dos
deslocamentos populacionais, individuais ou coletivos, a partir desses limites
e das legislações pertinentes, incluindo aí a garantia de acesso à educação.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo
de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
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