No primeiro discurso de um
papa ao Congresso norte-americano, Franciscodefendeu o tratamento
humano e fraternal a imigrantes e refugiados,condenou o aborto e a pena
de morte, criticou o fundamentalismo religioso, pregou o fim da venda de
armas e pediu aos parlamentares ações para o combate do aquecimento global. Sem
mencionar Cuba de maneira expressa, também elogiou o diálogo entre países para
superação de "diferenças históricas".
Com exceção da crítica ao aborto, do rechaço ao
extremismo e da defesa da família, a maioria dos temas abordados pelo pontífice
coincidem com a agenda do Partido Democrata do presidente Barack Obama, o que
se refletiu na reação dos congressistas que lotaram o plenário da Câmara dos
Deputados. Além dos parlamentares, estavam na plateia o vice-presidente da
República, Joe Biden, quatro ministros da Suprema Corte e vários integrantes do
gabinete de Obama, entre os quais o secretário de Estado, John Kerry.
Prioridade do presidente, a reforma do sistema de
imigração foi barrada por oposição dos conservadores no Congresso. Na atual
campanha eleitoral, a defesa de deportação dos 11 milhões de indocumentados que
vivem no país ajudou a levar Donald Trump à liderança nas pesquisas entre os
pré-candidatos republicanos. Citando Martin Luther King e a luta pelos direitos
civis nos anos 60, Francisco afirmou que os Estados Unidos continuam a ser para
muitos a terra dos "sonhos". Lembrou ainda que o país foi construído
com a ajuda de imigrantes e filhos de imigrantes, como ele próprio e vários dos
congressistas. "Nós, que pertencemos a esse continente, não nos assustamos
com os estrangeiros, porque muitos de nós fomos estrangeiros no passado".
O papa fez referência também à crise de refugiados
na Europa e ao movimento de pessoas que saem da América Latina em direção ao
norte em busca de uma vida melhor para si e seus filhos. "Não devemos nos
intimidar pelos números, mas olhar para as pessoas, seus rostos, escutar suas histórias,
enquanto lutamos para dar a melhor resposta à sua situação. Uma resposta que
sempre será humana, justa e fraterna", disse.
O papa reconheceu que os direitos dos que ocupavam
as Américas antes da chegada dos imigrantes nem sempre foram respeitados e transmitiu
sua "estima" aos povos e nações nativas. "Quando o estrangeiro
nos interpela, não podemos cometer os pecados e os erros do passado".
Segundo Francisco, "aqueles primeiros contatos foram bastante turbulentos
e sangrentos, mas é difícil julgar o passado com os critérios do
presente".
Anteontem, o papa canonizou o primeiro santo latino
dos Estados Unidos, Junípero Serra, um franciscano que fundou nove das 21
missões que deram origem ao Estado da Califórnia. Milhares de indígenas
morreram nos agrupamentos criados em torno das missões, vítimas de doenças
trazidas pelos europeus.
Falando a uma maioria republicana que se opõe a
regulações ambientais estritas, o papa lembrou que fez um chamado a esforços
"corajosos e responsáveis" de combate à mudança climática na
encíclica Laudato Si. "Estou convencido de que podemos fazer a diferença e
não tenho dúvidas de que os Estados Unidos - e este Congresso - têm um papel
importante a desempenhar".
Republicanos rejeitam a noção de que o aquecimento
global é resultado da atividade humana e veem com desconfiança medidas que
limitam emissões de gases poluentes. O combate à mudança climática é uma das
prioridades de Obama, que pretende deixar um legado nessa área quando concluir
seu mandato, no início de 2017.
A reaproximação com Cuba é outro ponto da agenda do
democrata criticado por muitos republicanos e defendido pelo papa. Como
esperado, Francisco não pediu o fim do embargo econômico à ilha, que só pode
ser levantado pelo Congresso, mas elogiou o restabelecimento de relações
diplomáticas. "Quando países que estavam em conflito retomam o caminho do
diálogo - que podia estar interrompido por motivos legítimos - se abrem novos
horizontes para todos", declarou, sem mencionar de maneira expressa Cuba e
os EUA. Também sem citar Obama nominalmente, o papa elogiou de maneira
contundente sua liderança na negociação com Havana, que requereu "coragem
e ousadia", segundo sua avaliação. "Um bom político é aquele que,
tendo em mente os interesses de todos, aproveita o momento com um espírito de
abertura e pragmatismo".
Em outro ponto de divergência com os republicanos,
o papa fez um apelo contundente pela abolição global da pena de morte. Os
Estados Unidos são um dos únicos países desenvolvidos que mantêm a pena
capital, aplicada principalmente em Estados governados por republicanos.
"Cada vida é sagrada, cada pessoa humana é dotada com uma dignidade
inalienável e a sociedade só pode se beneficiar da reabilitação daqueles
condenados pela prática de crimes", disse.
Sua crítica ao fundamentalismo religioso encontrou
eco dos dois lados do espectro político americano. "Nós sabemos que
nenhuma religião é imune a formas de desilusão individual ou extremismo
ideológico. Isso significa que devemos estar especialmente atentos a todo tipo
de fundamentalismo, religioso ou de outro tipo", afirmou Francisco.
"Um equilíbrio delicado é requerido no combate à violência perpetrada em
nome de uma religião, de uma ideologia ou de um sistema econômico, ao mesmo
tempo em que preservamos a liberdade religiosa, a liberdade intelectual e as
liberdades individuais", afirmou o papa.
Epoca
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