Nos
últimos quatro anos, o Brasil se tornou o principal destino de refugiados
sírios na América Latina. Segundo estatísticas do Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), o país abriga atualmente cerca de 1.600 cidadãos sírios
reconhecidos como refugiados – o maior grupo entre os aproximadamente 7.600
refugiados que vivem no país, de mais de 80 nacionalidades diferentes.
O conflito está entrando no seu quinto ano. Para o Alto
Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, trata-se da
“pior crise humanitária da nossa era”. Segundo dados divulgados ontem pelo
ACNUR, já são 3,9 milhões de refugiados sírios registrados nos países vizinhos
e outros 8 milhões de deslocados dentro da própria Síria.
A busca de refúgio no Brasil por parte dos sírios vem crescendo
regularmente desde 2011, quando o conflito começou. À época, apenas 16 deles
viviam no país como refugiados – incluindo 13 que já estavam aqui antes do
início da guerra.
Com o recrudescimento do conflito, o CONARE adotou, em outubro
de 2013, uma Resolução Normativa (#17) para desburocratizar a emissão de vistos
para cidadãos sírios e outros estrangeiros afetados pela guerra e dispostos a
solicitar refúgio no país. Tal medida aumentou o número de chegadas e impactou
no perfil do refúgio no Brasil, uma vez que o CONARE vem aprovando quase a
totalidade das solicitações de refúgio relacionadas à guerra na Síria.
Como resultado desta tendência, o CONARE registrou em 2014 um
recorde de 1.326 solicitações de refúgio feitas por cidadãos sírios (um aumento
de quase 9.000% em relação ao início da guerra síria). Assim, no ano passado,
os sírios se tornaram o maior grupo entre os refugiados que vivem atualmente no
Brasil.
Para o ACNUR, as perspectivas dos refugiados sírios e dos
deslocados dentro do país são preocupantes, pois as condições de vida estão se
deteriorando em uma escala alarmante. A grande maioria dos 3,9 milhões de
refugiados que se encontram na Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito não
vislumbra a possibilidade de voltar para casa em um futuro próximo e tem poucas
oportunidades de recomeçar a vida em outra parte do mundo.
Dentro da Síria, os quase 8 milhões de deslocados internos
compartilham quartos lotados com outras famílias ou se abrigam em prédios
abandonados. A maioria encontra-se em lugares de difícil acesso – inclusive
áreas sitiadas pelos diferentes grupos armados que integram o conflito.
No Brasil – Sozinhos ou em grupos familiares, os refugiados sírios que
chegam ao Brasil são atendidos por organizações não governamentais, com o apoio
do ACNUR, do Governo do Brasil e do setor privado. Os atendimentos estão
concentrados em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas há casos em vários outros
pontos do país. Após um período de adaptação, os refugiados têm conseguido
reestruturar suas vidas e voltar a fazer planos para o futuro.
É o caso de Dona Yuna*, professora de formação que vive em
Brasília desde 2013. Para sobreviver no Brasil ela teve que adquirir novas
habilidades. Quem vê suas travessas de guloseimas como “baklawa”, “ma’amul”,
“namura” e “warbat bil eshta”, vendidas por seu marido nos shoppings centers da
capital, não imagina a trajetória nada doce desta família refugiada.
“Morávamos em Damasco e não pretendíamos deixar nossa casa”,
relembra Mohammed, marido de Yuna, um engenheiro civil que trabalhava como
funcionário público. “Um dia, minha filha mais velha e eu estávamos no trânsito
e ficamos presos no fogo cruzado. No outro, minha outra menina viu nosso carro
explodir em frente de casa. Por dois anos ela não conseguiu dormir, acordava
várias vezes para checar se as portas e janelas estavam trancadas. Ainda hoje
faz isso”, conta ele.
Em 2013, as filhas do casal já estavam sem escola e Mohammed não
tinha mais emprego. Ele saía de manhã para procurar trabalho sem saber se
voltaria vivo para casa. “Só queríamos sair dali, ir para qualquer outro
lugar”. Ao saber que o Brasil havia facilitado a emissão de vistos, a
família saiu de Damasco para Beirute, no Líbano, em busca da embaixada brasileira.
Um mês depois Yuna, seu marido e três filhas desembarcavam em São Paulo para
uma rápida escala, tendo Brasília como destino final.
As filhas de Yuna e Mohammed têm hoje 13, 11 e 3 anos de idade,
todas dominam o idioma português e frequentam escolas públicas no bairro onde
moram. A mais velha quer ser jornalista. “Você sabe em quanto tempo posso me
naturalizar brasileira?”, pergunta a mãe à reportagem do ACNUR. “O mundo está
difícil para os sírios, por muito tempo nos olharão com desconfiança”, diz ela.
E prossegue “a vida aqui não é fácil, tudo é muito caro e nossos recursos
praticamente acabaram. Mas estamos seguros, nos sentimos acolhidos, isso é o
mais importante”.
Com ajuda do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH),
parceiro do ACNUR no atendimento a refugiados e solicitantes de refúgio no
Distrito Federal, este casal empreendedor tenta agora abrir uma pequena empresa
para ampliar o comércio de doces e acelerar sua autonomia financeira.
Sem nenhuma expectativa de voltar à Síria nem mesmo a passeio,
Yuna investe seus escassos recursos financeiros e energia na fabricação de
“sonho verde”, sua nova especialidade feita com açúcar, farinha, especiarias
árabes e uma dose extra de simpatia para a clientela brasileira.
Por Karin Fusaro, em Brasília
Acnur
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