Se à
crise económica se juntar um desinvestimento no diálogo intercultural estão reunidos "os
ingredientes" para ver crescer a extrema-direita e o discurso racista em
Portugal, alerta a Alta Comissária para as Migrações.
A três
dias de terminar o mandato à frente do agora Alto Comissariado para as
Migrações (antes ACIDI -- Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo
Intercultural), Rosário Farmhouse admitiu, que é real o risco de Portugal poder
vir a perder o rótulo de país com boas práticas de
integração dos imigrantes.
"Temos
os ingredientes para isso. Se, junto de uma crise económica, (...) não
continuarmos a investir no diálogo intercultural e na gestão
da diversidade de uma forma positiva,os ingredientes
estão lá para que possa acontecer como noutros países da União Europeia",
admite.
Afinal de
contas, sublinhou, os partidos da extrema-direita, com "discursos
xenófobos, racistas, em relação às comunidades estrangeiras e também às
comunidades ciganas, que, não sendo estrangeiras, são as mais excluídas",
têm crescido um pouco por toda a Europa.
Portugal
"continua a ser exemplo". Porém, alerta, "aquele racismo e
discriminação que eram tímidos e subtis (...), com a crise, aparecem mais, as pessoas mais facilmente assumem", trazendo "para
a esfera pública pensamentos que tinham mais em privado".
Por isso,
é preciso contrariar a tendência de só "atacar" os
"problemas" quando eles, efectivamente, surgem, defende a comissária.
"Não podemos desinvestir nalgumas áreas", vinca, sustentando que a
quase invisibilidade da extrema-direita em Portugal é "fruto" do
"investimento que se fez nos últimos 20 anos".
Em
Portugal, refere, "o investimento existe", mas "os recursos são
menores, o orçamento também é reduzido" e há "alguns
focos políticos diferentes".
Não se
trata apenas de investimento, a "situação geográfica e económica" de
Portugal é também favorável a uma "pressão migratória menor", reconhece.
Além disso, a"matriz cultural" de Portugal é a de "um país plural",
que "é grande quando se abre e pequeno quando se fecha" e que,
"em tempo de crise", não pode "desperdiçar capital
humano".
Embora
não existam "focos de conflito nem discriminação tão descarada, tão
desavergonhada", quem lida com as questões migratórias tem hoje uma
"grande dificuldade", admite. "Como é que, em tempos de crise,
conseguimos continuar a garantir e a fazer passar a mensagem
de que isto não é dinheiro desperdiçado, mas é um investimento que traz paz e
coesão social", questiona. "Quando não há focos de conflito,
dificilmente se reconhece isso", vinca.
Considerando "muito assustador" que alguns portugueses
emigrantes em França tenham votado no partido de extrema-direita Frente
Nacional, liderado por Marine Le Pen, a alta comissária divide as
"culpas" pela própria comunidade e pelos governos franceses.
"É
uma comunidade portuguesa que nunca se integrou devidamente, muitos deles
ficaram muito fechados dentro de si próprios e agora sentem uma ameaça em quem
vem, acham que lhes vai retirar o seu lugar, porque não sabem bem qual é o seu
lugar", observa.
Farmhouse
recorda como viu cair por terra a ideia de que quem é
discriminado nunca discrimina. "A minha experiência diz-me exactamente o
contrário (...). Se eu fui discriminado, vou discriminar ainda mais, se eu tive
dificuldade em ser integrado, vou dificultar ainda mais os outros, isso é
realmente incrível", desabafa, propondo que se aposte em "mecanismos
para que as pessoas percebam que há lugar para todos".
Agencia Lusa
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