quarta-feira, 4 de junho de 2014

Na Grécia, os imigrantes podem ser detidos indefinidamente

A evolução de uma política de imigração e de controlo das fronteiras na Grécia, bem como a sua dependência dos fundos da União Europeia (UE), promoveu nesse país uma agendaque foi decidida por cima das leis nacionais, ajustou-se aos interesses do bloco europeu e não teve em conta em conta o sofrimento humano.

Em fevereiro, as autoridades gregas anunciaram que os imigrantes ilegais seriam detidos indefinidamente até a sua repatriação. A medida, baseada numa decisão do Conselho Jurídico do Estado, será aplicada inclusive quando a repatriação não for possível em alguns casos. No final do mês de maio, um tribunal grego considerou que a decisão é contrária à legislação nacional e europeia e pediu a sua revogação. As autoridades ainda não se pronunciaram a esse respeito.
Desde agosto de 2012, quando a polícia implantou uma política de repressão contra os imigrantes ilegais, conhecida como Operação Xenios Zeus, a detenção administrativa foi aplicada em grande escala, frequentemente pelo período máximo de 18 meses vigente na época. Agora, o Conselho Jurídico do Estado considera que a extensão desse prazo não é uma “detenção”, mas uma medida restritiva em benefício dos imigrantes que, se forem libertados, poderiam estar expostos a situações de perigo.
A detenção foi denunciada como ineficaz e desumana por diversas organizações não governamentais, tanto internacionais como gregas. A organização Médicos Sem Fronteiras qualificou a medida de “sinal atroz do duro tratamento que o país dá aos imigrantes”. Num relatório de abril sobre as condições de vida nos campos de detenção gregos, a MSF afirma que a “detenção sistemática e prolongada provoca consequências devastadoras sobre a saúde e a dignidade de migrantes e solicitantes de asilo na Grécia”.
Apesar das fortes críticas, as autoridades gregas não demonstram intenção de flexibilizar as suas duras medidas. Pelo contrário, a tendência para adotar controlos mais rígidos parece estar em linha com as diretrizes e os reordenamentos financeiros da Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia.
Em setembro de 2012, um mês depois de a Grécia colocar em marcha o plano Xenios Zeus, foram modificadas as normas de aplicação do Fundo Europeu para o Retorno e entre as mudanças adotadas está a possibilidade de financiar projetos de infraestrutura, tais como renovação, restauração e construção de centros de detenção. Esse Fundo é a estrutura comunitária que financia a maioria dos projetos de controlo da imigração no continente.
Além disso, em 2013, a Comissão Europeia propôs aumentar em 20% a taxa de cofinanciamento da UE nos projetos relacionados com os controlos imigratórios cobertos tanto por esse Fundo quanto pelo Fundo das Fronteiras Externas, que chegavam a 50% e 75%, respetivamente. A modificação não se traduziria num aumento do financiamento da UE, mas permitiria aos Estados membros reduzir o cofinanciamento nacional obrigatório. No caso da Grécia, o valor seria reduzido dos atuais 25% para 5%. A proposta legislativa foi aprovada na primavera boreal de 2013.
A dependência que a política grega tem do apoio da Comissão Europeia é inquestionável, assegurou à IPS a pesquisadora Danai Angeli, do centro de Estudos Eliamep e diretora do Midas, um projeto de pesquisa sobre a rentabilidade das políticas de controlo imigratório que terminará no final deste ano.
“A prática da detenção sistemática seria impossível sem o apoio dos fundos europeus”, afirmou Angeli. “Sem esses recursos, o foco na Grécia deslocar-se-ia, possivelmente, para soluções alternativas que levariam muito mais em conta um enfoque de rentabilidade e a detenção nunca teria adquirido a condição de prioridade política”, acrescentou.
Apesar do evidente custo em sofrimento humano, a política de detenções em grande escala não é só a opção mais destacada na UE, mas pareceria coincidir com uma agenda de militarização e privatização dos controlos fronteiriços e dos imigrantes ilegais, segundo Martin Lemberg, professor do Centro de Estudos Avançados em Migração, da Universidade de Copenhague.
“Apesar das declarações públicas que condenam a catástrofe humanitária nas fronteiras externas da UE, o bloco nunca deixou de apoiar novos projetos e controlos mais rigorosos nas fronteiras do sudeste europeu”, apontou Lemberg à IPS. “Podemos ver essa dupla moral como uma forma para que a UE se transforme continuamente num espaço político relevante numa Europa onde os partidos contrários aos imigrantes ocupam uma parte cada vez maior dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu”, acrescentou.
Em dezembro de 2013, a Comissão Europeia anunciou a implantação do Eurosul, um projeto que permitirá a vigilância constante do Mar Mediterrâneo. Embora esse órgão o tenha apresentado como “um instrumento novo para salvar as vidas dos imigrantes”, organizações e legisladores europeus, entre eles a representante alemã do Partido Verde Europeu, Ska Keller, criticaram-no por estar “a serviço da batalha contra a imigração ilegal”.
Também em dezembro de 2013, a UE propôs “fixar normas para a vigilância das fronteiras marítimas externas”, e dez dias depois a cúpula anual do Conselho Europeu decidiu as prioridades para melhorar a eficácia da política de defesa e acapacidade operacional do bloco.
“O Eurosul é um excelente exemplo do que podemos chamar de captura reguladora, ou seja, os processos de lobby e governança em múltiplos níveis, nos quais atuam empresas de segurança privada e militares”, criticou Lemberg. “Naturalmente, a própria Comissão Europeia é capaz de transformar as políticas de controlos fronteiriços dos Estados-nação individuais sem ter de lidar diretamente com os seus parlamentos nacionais”, acrescentou.
Em abril, o Ministério de Assuntos Marítimos grego apresentou uma licitação para alugar os serviços de vigilância das suas fronteiras marítimas no Mar Egeu. O projeto prevê uma compensação de 73,8 mil euros por 60 horas de vigilância no período de dois meses, ou seja, uma média de 1,23 mil euros por hora, com 75% do custo coberto pelos fundos europeus e os 25% restantes pelo Estado grego.
Também estabelece a privatização dos serviços de segurança em três dos maiores centros de detenção do país, o que atraiu os principais atores do setor privado, como a G4S, a maior empresa de segurança privada do mundo, criticada pelo tratamento que dá aos detidos nos seus três centros de asilo na Grã-Bretanha. A maior parte dos custos, calculados em cerca de 14 milhões de euros por ano, também será coberta pelos fundos europeus.

Envolverde/IPS

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