segunda-feira, 9 de junho de 2014

PENTECOSTES E MIGRAÇÃO

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Três coisas chamam a atenção na liturgia da Solenidade do Pentecostes: o própro relato do Livro dos Atos dos Apóstolos (At 2,1-11), o paralelo com o episódio da Torre de Babel (Gn 1,1-9) e a conexão com a imagem da Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 8,22-27).
Barulho, vento forte e fogo. Em várias partes das Sagradas Escrituras, a teofania (manifestação de Deus) vem associada às imagens do silêncio, da brisa suave ou da luz. No relato do Livro dos Atos dos Apóstolos, porém, o autor sublinha o fragor ou barulho, o vento forte e as línguas de fogo. De fato, o grupo embrionário da Igreja, após o medo, o fracasso, a frustação e a impotência diante do fim trágico na cruz, fecha-se hermeticamente sobre si mesmo. No episódio dos discípulos de Emaús assistimos à tristeza e à fuga. Aqui vemos a “comunidade” cerrada a qualquer contato. O barulho, o vento forte e o fogo parecem indicar que o Espírito de Deus vem sacudir o torpor dos seguidores de Jesus, restituir-lhes a coragem para que abram as portas e se ponham a caminho. O mesmo faz o Espírito, por exemplo, no Concílio Ecumênico Vaticano II, na Assembleia dos bispos da América Latina e Caribe, em Aparecida. Em síntese, sempre que a sociedade e a Igreja ameaçam parar no tempo, congelar-se em fórmulas e instituições rígidas e fixas, fossilizar-se – o Espírito de Deus irrompe para quebrar as cadeias, as fortalezas, as alianças espúrias e resgatar a fluidez viva e dinâmica do tempo. Vemos isso no fluxo e refluxo dos migrantes que, com teimosia e tenacidade, buscam alternativas de vida?
Torre de Babel e Pentecostes. Em nosso imaginário, torre remete a riqueza, domínio e poder. No caso do Livro do Gênesis representa também a cidade em contraste com o compo, este sendo obrigado a manter aquela atrvés de pesados impostos. A imagem nos diz que o egoísmo de uma minoria prevalece sobre a responsabilidade de buscar o bem comum de toda a população. Daí que, embora falem a mesma língua, a comunicação torna-se impossível. Os interesses são diferentes, opostos e até conraditórios. Quanto mais alta a torre, ou quanto maior a distância entre a base e o topo da pirâmide social na sociedade moderna e urbanizada, mais difícil o entendimento. É nítido o contraste com o relato do Pentecostes nos Atos dos Apóstolos. Neste caso, com a vinda do Espírito, respira-se o clima alegre e caloroso da Boa Nova de Jesus Cristo. Embora provenientes de regiões, povos e línguas distintas, todos os presentes entendem a comunicação dos Apóstolos, pois estes falam a linguagem do amor. A essa fraternidade ou cidadania universal nos convidam os migrantes, com seus desafios ao encontro e ao interculturalismo!
A criação geme e sofre de dores de parto. O Espírito de vida sobrepõe-se ao espírito de morte. Cada pessoa, juntamente com toda a criação, é convidada a renascer. Nascimento e renascimento pressupõem dor, sofrimento, perda, renúncia – em vista de uma vida com horizontes infinitivamente mais amplos. Por isso é que “os sofrimentos do momento presente não se comparam com a glória futura que deverá ser relelada em nós”, afirma o apóstolo Paulo. Aqui também a irrupção de Deus surpreende a história. Enquanto esta tende à inércia e a uma acomodação petrificada, o Espírito subverte seus alicerces para revelar o dinamismo de uma criação que continua a evoluir. O tempo de Deus (kairós) toma o lugar do tempo dos tiranos e tiranias. O curso da trajetória humano-divina ou divino-humana permanece aberto a alternativas inovadoras. Os migrantes em movimento reabrem fronteiras cerradas e põem em marcha a própria história!

Roma, Itália, 8 de junho de 2014, Solenidade de Pentecostes

Nenhum comentário:

Postar um comentário