Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Três coisas chamam a atenção na liturgia da Solenidade do Pentecostes: o
própro relato do Livro dos Atos dos Apóstolos (At 2,1-11), o paralelo com o
episódio da Torre de Babel (Gn 1,1-9) e a conexão com a imagem da Carta de São
Paulo aos Romanos (Rm 8,22-27).
Barulho, vento forte e fogo. Em várias partes das Sagradas Escrituras, a teofania (manifestação de
Deus) vem associada às imagens do silêncio, da brisa suave ou da luz. No relato
do Livro dos Atos dos Apóstolos, porém, o autor sublinha o fragor ou barulho, o
vento forte e as línguas de fogo. De fato, o grupo embrionário da Igreja, após
o medo, o fracasso, a frustação e a impotência diante do fim trágico na cruz,
fecha-se hermeticamente sobre si mesmo. No episódio dos discípulos de Emaús
assistimos à tristeza e à fuga. Aqui vemos a “comunidade” cerrada a qualquer
contato. O barulho, o vento forte e o fogo parecem indicar que o Espírito de
Deus vem sacudir o torpor dos seguidores de Jesus, restituir-lhes a coragem
para que abram as portas e se ponham a caminho. O mesmo faz o Espírito, por
exemplo, no Concílio Ecumênico Vaticano II, na Assembleia dos bispos da América
Latina e Caribe, em Aparecida. Em síntese, sempre que a sociedade e a Igreja
ameaçam parar no tempo, congelar-se em fórmulas e instituições rígidas e fixas,
fossilizar-se – o Espírito de Deus irrompe para quebrar as cadeias, as
fortalezas, as alianças espúrias e resgatar a fluidez viva e dinâmica do tempo.
Vemos isso no fluxo e refluxo dos migrantes que, com teimosia e tenacidade,
buscam alternativas de vida?
Torre de Babel e Pentecostes. Em nosso imaginário, torre remete a riqueza, domínio e poder. No caso do
Livro do Gênesis representa também a cidade em contraste com o compo, este
sendo obrigado a manter aquela atrvés de pesados impostos. A imagem nos diz que
o egoísmo de uma minoria prevalece sobre a responsabilidade de buscar o bem
comum de toda a população. Daí que, embora falem a mesma língua, a comunicação
torna-se impossível. Os interesses são diferentes, opostos e até conraditórios.
Quanto mais alta a torre, ou quanto maior a distância entre a base e o topo da
pirâmide social na sociedade moderna e urbanizada, mais difícil o entendimento.
É nítido o contraste com o relato do Pentecostes nos Atos dos Apóstolos. Neste
caso, com a vinda do Espírito, respira-se o clima alegre e caloroso da Boa Nova
de Jesus Cristo. Embora provenientes de regiões, povos e línguas distintas,
todos os presentes entendem a comunicação dos Apóstolos, pois estes falam a
linguagem do amor. A essa fraternidade ou cidadania universal nos convidam os
migrantes, com seus desafios ao encontro e ao interculturalismo!
A criação geme e sofre de dores de parto. O Espírito de vida sobrepõe-se ao espírito de morte.
Cada pessoa, juntamente com toda a criação, é convidada a renascer. Nascimento
e renascimento pressupõem dor, sofrimento, perda, renúncia – em vista de uma
vida com horizontes infinitivamente mais amplos. Por isso é que “os sofrimentos
do momento presente não se comparam com a glória futura que deverá ser relelada
em nós”, afirma o apóstolo Paulo. Aqui também a irrupção de Deus surpreende a
história. Enquanto esta tende à inércia e a uma acomodação petrificada, o
Espírito subverte seus alicerces para revelar o dinamismo de uma criação que
continua a evoluir. O tempo de Deus (kairós)
toma o lugar do tempo dos tiranos e tiranias. O curso da trajetória
humano-divina ou divino-humana permanece aberto a alternativas inovadoras. Os
migrantes em movimento reabrem fronteiras cerradas e põem em marcha a própria
história!
Roma,
Itália, 8 de junho de 2014, Solenidade de Pentecostes
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