sexta-feira, 6 de junho de 2014

Ainda as eleições europeias


O resultado das eleições europeias tem sido objeto de diversas análises e teve mesmo já impacto em termos partidários; ainda assim, a generalidade das análises tem remetido para o caso português, comparando e muito bem a abstenção e os resultados eleitoraisface a eleições homólogas anteriores. E passou-se á frente, que todos os dias nos confrontamos com novas questões de relevância e complexidade ou mesmo com casos do quotidiano que nos surpreendem.
Perdoar-me-ão que, no entanto, volte á questão das eleições europeias, e ao grau de incerteza que me parece hoje reforçado na União Europeia. Na Inglaterra, o Partido da Independência (UKIP) obteve 27% dos votos, ganhando as eleições; a sua campanha baseou-se em larga medida na saída da U.E., bem como na necessidade de limitar tanto a
livre circulação de pessoas como a imigração. Na Finlândia, um partido que se intitula de “Verdadeiros Finlandeses” (Finns Party), e que se situa na extrema-direita, conseguiu 13% dos votos; na Holanda, o Partido Holandês para a Liberdade rondou os 12%; na Grécia, o Golden Dawn ficou em terceiro lugar com mais de 9%; no caso da Hungria, o Movimento para uma Melhor Hungria (Jobbik) conseguiu cerca de 15% dos votos; o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) obteve 20,5%. Em França e na Dinamarca, partidos da extrema direita ganharam claramente as eleições - a Frente Nacional de Marine Le Pen com 25% dos votos, e o Partido do Povo Dinamarquês (DF) com 26,7%. Na generalidade dos casos, mais ou menos nuances, a retórica foi no sentido da contestação á União Europeia, um reforço dos nacionalismos e uma forte oposição á imigração. 
A experiência que temos vivido na prática nos últimos 50 anos teve sempre uma base voluntarista, radicada na 
visão estratégica e na determinação de uns quantos dirigentes excecionais. Ao longo de décadas, a experiência foi-se alargando, captando um número crescente de aderentes num processo que tem sido designado por alguns de “dominó”, mais ou mos no estilo “se é bom e tu estás, eu também quero”; o período entre 1950 e 1973 ficou conhecido como a “Idade de Ouro” do crescimento económico europeu, e ao longo das décadas de 80 e 90, os rendimentos per capita europeus tenderam rapidamente a aproximar-se dos EUA. O alargamento do processo criou dificuldades acrescidas, tanto mais que veio comprovar e revelar aprofunda heterogeneidade dos estados membros; de qualquer forma, um estudo muito recente (Campos e outros, 2014) veio mostrar que os países ganh aram com a integração. O que os autores fazem é comparar a evolução tendencial de cada país em termos do PIB per capita e a produtividade do trabalho antes e depois da integração e concluem que os resultados, mesmo com a crise, são positivos para Portugal, bem como para a generalidade dos países embora com graus diferentes. É curioso que só a Grécia é um caso á parte, revelando um desempenho francamente dececionante. 
No entanto, o resultado das eleições manifesta um claro descontentamento. O euro tem responsabilidades, sem dúvida, não por causa do projeto em si, mas
devido á forma como foi montado sem a rede que necessariamente teria que ter. Pensou-se provavelmente que, a par do que aconteceu nos anos 50 com a construção da CEE, criavam-se primeiro as instituições económicas que as instituições políticas logo se adaptariam. Na altura a coisa até correu bem, mas agora com um único poder monetário, supranacional (o Banco Centra Europeu) e múltiplos poderes fiscais nacionais a poderem remar em direções diferentes e no contexto de uma crise financeira mundial, a história foi outra. Ainda assim, a explicação é insuficiente para perceber países como a Dinamarca, onde o impacto da crise foi apesar de tudo menor, e não estão na zona euro. 
Historicamente a 
questão da imigração tem demonstrado ter capacidade para gerar reações emocionais, independentemente dos países e das culturas. Os economistas têm demonstrado que as atitudes face á imigração refletem as condições do mercado de trabalho e os mecanismos fiscais de redistribuição de rendimentos (existem diversos estudos sobre este tema, a maior parte dos quais muito recente, como por exemplo o de Otto e Steinhardt). Isto é, os trabalhadores de cada país que podem porventura, dadas as suas ocupações profissionais e competências, ser substituídos por imigrantes, têm a expetativa de que os salários tenderão a baixar por essa razão e portanto opõem-se á imigração. No caso dos países que recebem na sua maior percentagem trabalhadores não qualificados, o sistema fiscal acaba por os beneficiar, o que pode contribuir para uma atitude negativa de muitos. Ora a União Europeia confronta-se atualmente com cerca de dezanove milhões de desempregados com um grau de mobilidade já relativamente elevado no mercado de trabalho europeu, a par de uma pressão imigratória contínua de fora da Europa. E sobre isso há explicações de caráter sociológico, as identidades nacionais, a cultura, os percursos históricos, a opinião pública - e o racismo enquanto agregador. 


Margarida Proença
Correio do Minho

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