sábado, 14 de janeiro de 2012

Eles não são haitianos

País formado pela imigração — forçada ou voluntária —, o Brasil, nos anos 80 do século 20, virou exportador de gente. No fim de 2011, o governo estimou em 3 milhões o número de brasileiros que morava em outros países, pessoas que foram em busca de uma vida melhor. Um dos centros de emissão de brasucas, a cidade mineira de Governador Valadares chegou a ser conhecida como ‘Valadólares’, tamanha a dependência do dinheiro enviado dos Estados Unidos.
Lá pelos anos 90 começamos a, constrangidos, ver na TV e ler nos jornais casos de patrícios barrados em fronteiras; trabalhadores que eram caçados, humilhados, presos, despachados de volta para o Brasil. As histórias vividas por brasileiros — o José, a Maria, o Carlos, a Cristina — eram de cortar o coração. Alguns tiveram fim trágico, como o mineiro Jean, assassinado pela polícia britânica. A nova ordem mundial era clara: apenas o capital poderia circular livremente.

Os tempos mudaram e, apesar de suas indecentes desigualdades, o Brasil cresceu: na sexta economia do mundo há falta de engenheiros e de mão de obra para a construção civil. A boa notícia circulou e, agora, somos surpreendidos pela chegada de haitianos ao Acre, gente que — a exemplo de nossos avós ou bisavós ou como os vizinhos ou parentes que partiram há alguns anos — está em busca de trabalho. Os governos têm ajudado os imigrantes, mas já dá pra ouvir o coro dos que querem o fechamento das fronteiras.

Não é simples acolher tanta gente, mas pior seria não recebê-los. Há até um viés racista na reação negativa aos imigrantes: muitos seriam mais receptivos se os haitianos tivessem cabelos louros. Em 1929, um importante jornal brasileiro subiu nas tamancas diante da chegada de negros americanos ao Pará, todos trazidos pela Ford. O matutino ressalvou não ter “preconceito de cor”, mas afirmou: “Não é desejável a contribuição dos pretos americanos para o caldeamento de raças no Brasil.” Segundo o editorial, “um contingente preto”, naquele momento, seria “mais nocivo do que útil à obra de civilização que estamos empenhados”. O Brasil e suas elites mudaram, mas não duvido se, pelos cantos, muita gente não estiver resmungando palavras parecidas.
Quem está chegando não são haitianos, são apenas pessoas como nós, que tentam uma vida melhor. Têm nomes, pais, filhos, histórias e sonhos. Não são eles — são o Jean, a Marie, o Charles e a Christine. Que sejam felizes por aqui.

Fernando Molica é jornalista e escritor

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