sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Em Lampedusa, imigrantes vivem ‘inferno jurídico’ em busca de asilo


A “Porta da Europa”, erguida na costa sul da ilha de Lampedusa, é um monumento do artista italiano Mimmo Palladino em homenagem aos imigrantes. Inaugurado em 2008, é um emblema àqueles que tentam atravessar o Mar Mediterrâneo em busca da sorte, mas que encontram um inferno ainda pior. Com uma substancial disparidade de tratamento entre os norte-africanos – considerados “imigrantes econômicos”, ou seja, à procura de trabalho – e os subsaarianos, que fogem da guerra e da fome, a busca pelo asilo é como uma prova de obstáculos.

“Em Lampedusa, o centro do bairro de Imbriacola é um CPSA (Centro de Primeiros Socorros e Acolhimento). Aqui, as pessoas devem ficar por 48 horas, no máximo 96, para depois serem transferidas para a Itália. Lampedusa tem capacidade para isso, mas muitas vezes os norte-africanos ficam mais tempo, sem serem notificados sobre qualquer medida. Ficam mais uma vez à deriva”, explica a advogada da ARCI (Associação Recreativa e Cultural Italiana) Carmen Cordaro, encarregada de apresentar os pedidos de asilo de centenas de imigrantes.

A situação contribui para o acirramento das tensões na ilha. Muitos imigrantes da Tunísia, por exemplo, conhecem o processo de acolhimento porque já tentaram a viagem mais de uma vez, e alertam seus compatriotas. E, como os acordos entre o governo italiano e o tunisiano prevêm a repatriação imediata, sabem também que têm poucas chances de permanecer na Itália ou prosseguir sua viagem em direção a outros países da Europa.

“A lei italiana prevê a expulsão a menos que o imigrante tenha direito ao asilo. Os tunisianos fogem de uma situação pós-revolucionária de grande instabilidade”, afirma Camaro. Na Tunísia, continua em vigor o estado de emergência proclamado pelo novo governo, em vigor desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro. Apesar disso, o tunisiano, segundo dados do ACNUR, não pede asilo por iniciativa própria. “Porém, quando a ARCI começou a disponibilizar informações sobre o direito de asilo, encontrou muitos casos de pessoas entregues à própria sorte”, diz a advogada.

A diferença de status do imigrante implica em diferentes destinos: caso ele seja reconhecido como “candidato ao direito de asilo”, é enviado a um CARA (Centro de Acolhimento de Requerentes de Asilo), onde a circulação é livre. Do contrário, são enviados a um CIE (Centro de Identificação e Expulsão), de onde será repatriado. As

condições de permanência nos CIE são na prática as mesmas de uma prisão. “Se um imigrante tem uma ordem de expulsão vinculada, deve ser expulso imediatamente, conforme reza a lei italiana. Em vez disso, permanece ao menos 40 dias em um CIE, sem que tenha cometido um crime, além da entrada ilegal no país”, conta Camaro.

Limbo jurídico

De acordo com a defensora, a ARCI começou a registrar em Lampedusa os pedidos de asilo dos norte-africanos. Aquele que faz um antes de receber uma ordem de expulsão deve ser encaminhado a um CARA. Mas a polícia começou a recusar esses requerimentos. “O motivo? Má fé. Porque não estão compilados no formulário correto, chamado C3. Os pedidos que recolhemos, portanto, exprimem o desejo do asilo, mas não acionam o procedimento formal. No intervalo de tempo, antes que o imigrante preencha o formulário C3, a polícia notifica o decreto de expulsão. Graças a essa manobra, os imigrantes ficam detidos nos CIE.”



Nos centros, os estrangeiros podem dar continuidade ao processo de pedido de asilo mas, em muitos casos, permanecem aprisionados em um limbo jurídico, porque são mantidos reclusos durante a análise da demanda, que pode demorar vários meses. Cordaro apresentou recurso contra a atribuição desses imigrantes, que expressaram a intenção de pedir asilo antes da ordem de expulsão; mas os apelos foram indeferidos.

“Essa é mais uma contradição. Quem decide sobre os recursos são ‘juízes de paz’, ou seja, magistrados responsáveis pelas questões menores e que não fazem parte do sistema judiciário. Estão sujeitos à pressão do Ministério do Interior. Um deles admitiu confidencialmente que o motivo pelo qual os recursos são rejeitados é que, no CARA, os imigrantes norte-africanos têm o direito de sair do prédio e, com isso, escapariam. Portanto, era melhor mandá-los para um CIE. Mas este é um raciocínio político, que não tem nada a ver com os direitos das pessoas”, diz Cordaro.

Há ainda uma outra violação da lei italiana e internacional: as expulsões em alto-mar. Em 22 de agosto, uma embarcação com cerca de 100 imigrantes a bordo foi interceptada em alto-mar. Exceto oito pessoas em estado grave, transportadas para Lampedusa, os 92 restantes foram devolvidos em mar aberto para a guarda costeira tunisiana.

“O atendimento deve ser individual, pois o direito ao asilo é analisado caso a caso. As rejeições coletivas não têm qualquer fundamento jurídico. Não importam quais sejam os acordos – explícitos ou não – estipulados entre Itália e Tunísia: as ações são ilegítimas. Assim que os imigrantes embarcam em um navio italiano, estão na Itália, onde vale o direito italiano e europeu. Mas, mesmo neste caso, prevalece a decisão política de repatriar à força os imigrantes, sem respeitar os direitos sancionados pela comunidade internacional e transgredindo até mesmo as leis nacionais”.


Graziano Graziani/Opera Mundi

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