Alguns turistas estão sendo detidos por engano na Grécia
em meio a uma nova operação lançada pela polícia local para capturar imigrantes
sem papéis. E pelo menos dois estrangeiros denunciaram que foram espancados em
incidentes desse tipo.
Um deles é o mochileiro coreano Hyun Young
Jung, que foi abordado em Atenas por dois agentes de segurança gregos:
primeiro, por um policial à paisana; em seguida, por um uniformizado que
solicitou seus documentos.
Jung ficou desconfiado com a abordagem dos
policiais e, por isso, pediu que o agente uniformizado lhe mostrasse sua
identificação. Em vez disso, recebeu um soco no rosto. E ao cair no chão diz
que continuou a receber chutes.
Em estado de choque, o coreano estava
convencido de que estava sendo assaltado por criminosos disfarçados de
policiais e começou a gritar por socorro. "Eu estava com muito medo",
diz.
Foi só quando foi algemado e arrastado por 500 metros até a
delegacia mais próxima que se deu conta que estava realmente sendo detido.
Antes de entrar no edifício, Jung diz que
recebeu mais um soco no rosto: "Algumas pessoas na rua viram o que
aconteceu. Mas eles tinham medo de me ajudar."
Dentro da delegacia, ele conta que foi
espancado novamente.
"Posso entender que tenham me pedido uma
identificação e até que tenham me batido em um primeiro momento. Mas por que
continuaram a me bater depois que eu estava algemado?", ele questiona.
"Agora sempre que as pessoas me
perguntarem se devem ir para a Grécia, vou responder que em vez disso visitem a
Turquia."
Outro caso
Christian Ukwuorji, de 38 anos, um nigeriano
de cidadania americana, viveu uma situação semelhante em julho.
Ele foi para a Grécia com a esposa e três
filhos e visitou as ilhas de Rhodes e Santorini antes de ir para Atenas.
Pouco antes da data prevista para sua volta
para casa, um policial pediu sua identificação e o prendeu apesar de ele
mostrar seu passaporte americano.
Na delegacia, foi espancado de forma tão
brutal que desmaiou e acordou no hospital.
"Fui para a Grécia para gastar meu
dinheiro, mas me pararam por causa da minha cor. São racistas", acusa
Ukwuorji.
É impossível determinar quantas pessoas
tiveram uma experiência semelhante - mas o número foi suficiente para o
Departamento de Estado dos EUA emitir um alerta aos cidadãos americanos que
viajam à Grécia.
Desde 15 de Novembro, seu website alerta para
"relatórios confirmados de afro-americanos detidos pela polícia em
operações contra imigrantes ilegais em Atenas" e também para "ataques
violentos contra pessoas que, por causa de sua compleição, podem ser
confundidas com imigrantes".
Operação anti-imigração
Os turistas estão sendo presos juntamente com
imigrantes sem papéis como resultado da operação anti-imigração Xenios Zeus -
nome que, ironicamente, faz referência ao deus grego da hospitalidade.
Calcula-se que hoje os imigrantes representem
até 10% da população grega. E o país é uma das principais portas de entrada na
União Europeia para imigrantres ilegais.
O grande fluxo de imigrantes representa um
desafio para um país que, tradicionalmente, é uma terra de emigrantes. Ainda
mais em um momento em que ele está mergulhado em uma grave crise econômica e
seu sistema de bem-estar social está em colapso.
O governo grego diz que não tem recursos para
oferecer serviços básicos a uma população inflada pela imigração - um dos
argumentos que justificou o lançamento da Xenios Zeus, em agosto.
Comentando sobre a operação, o tenente-coronel
Christos Manouras admite que qualquer um que pareça estrangeiro ou que tenha
despertado suspeitas, pode ser abordado pela polícia, mas diz que os esforços
anti-imigração estão surtindo resultado.
"Sempre que as pessoas me perguntarem se
devem ir para a Grécia, vou responder que em vez disso visitem a Turquia."
"Se uma pessoa for parada por policiais e
não tiver como comprovar sua identidade, deverá acompanhá-lo até a delegacia
para que sua nacionalidade seja verificada", explica.
"Isso é normal e aceitaria que gregos
fossem submetidos ao mesmo tratamento no exterior."
Mas, enquanto mais de 60 mil pessoas foram
abordadas nas ruas de Atenas desde que a operação foi lançada, houve menos de
4,2 mil detenções de imigrantes irregulares.
E alguns visitantes, como Ukwuorji, foram
detidos, apesar de terem mostrado seus passaportes para a polícia.
Professor visitante
Além dos turistas, outros visitantes estão
sendo afetados pelas políticas de imigração mais duras.
Um caso de grande repercussão no país foi a
detenção de um acadêmico indiano nas imediações da Universidade de Economia e Negócios
de Atenas, onde ele trabalhava como professor visitante.
Shaledra Kumar Rai saiu para o almoço, mas
esqueceu-se de levar seu passaporte.
"Os policiais pensaram que eu era
paquistanês e, como não falavam inglês, não me entenderam quando eu expliquei
que era indiano", conta Rai.
Estudantes viram que o professor estava sendo
detido e alertaram funcionários da universidade, mas os policiais não deram
ouvidos a seus protestos.
A polícia algemou Rai e o levou para a
delegacia. "Entendo porque os policiais precisam pedir documentos de
identidade, eles estão apenas fazendo seu trabalho. Mas acho que eles são muito
agressivos", afirma o professor.
Racismo
Rai diz não acreditar que os policiais foram
"racistas" no seu caso, mas em 2012 a Rede de Registro de Violência Racista,
composta por 23 ONGs e pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados, exortou o
governo grego a "impedir policiais de levarem a cabo atos de violência
racial" após ter registrado 15 incidentes desse tipo.
Também há relatos de que muitos policiais
apoiariam o partido Amanhecer Dourado, de extrema-direita, que conquistou 18
cadeiras nas eleições parlamentares de junho com um discurso anti-imigração.
O porta-voz da polícia grega, tenente-coronel
Manouras, responde às acusações dizendo que as preferências eleitorais dos
policiais são uma questão de ordem pessoal.
"Não importa o que um policial possa
sentir na sua vida privada. Quando eles vêm trabalhar e colocam o uniforme,
assumem os valores da nossa instituição", ele disse, acrescentando que a
polícia grega tem respeito absoluto pelos direitos humanos.
"É claro que não podemos descartar a
possibilidade de que um policial tenha agido de forma imprópria, mas isso seria
um incidente isolado", afirma.
Manouras diz que não pode comentar sobre os
casos de Jung e Ukwuorji porque eles ainda estão sob investigação.
BBC BRASIL
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