sábado, 2 de dezembro de 2017

Por que mesmo com crescimento econômico a África continua perdendo seus jovens?


Participante na cúpula euro-africana nesta quarta-feira em Abidjã.

Com um aeroporto reformado, a demolição das favelas e comércios informais que ladeavam as ruas principais e meia cidade sob o rolo compressor, Abidjã, principal polo econômico da Costa do Marfim – e sede, nesta quarta e quinta-feira, da 5ª Cúpula União Europeia-União Africana – navega a velocidade de cruzeiro para recuperar sua glória de antigamente, quando era considerada a grande joia da África Ocidental. Mas o despertar da cidade contrasta com o aumento das pessoas que vivem com menos de um euro (3,85 reais) por dia em todo o país: um milhão de pessoas a mais do que há 10 anos (época em que a Costa do Marfim estava em conflito), segundo dados do Banco Mundial. Esta nação é o reflexo do que acontece, em grande escala, em todo o continente africano.
O perfil de Abidjã, esculpido por uma lagoa, mudou radicalmente desde 2011, quando a guerra civil terminou e o novo Governo de Alassane Ouattara se propôs a relançar a economia olhando para o exterior. Efetivamente, os grandes investidores voltaram à Costa do Marfim, cujo PIB ostenta um chamativo crescimento médio de 9% ao ano desde 2012. Está reeditando sua fama de “milagre econômico”, e alguns já lhe chamam de “tigre africano”. Os grandes capitais externos permitiram construir obras de infraestrutura fundamentais para descongestionar o pulmão econômico do país, maquiar com elegância esta abafadiça e hiperativa metrópole e gerar lucros. Mas a implementação dessa iniciativa pisoteou o imprescindível setor informal, e parte da população que antes sobrevivia graças a ele agora ficou sem emprego, fora do jogo.
Enquanto a classe média enriquece e desfruta do boom em restaurantes e hotéis como o Hotel Ivoire – onde 83 chefes de Estado e de Governo da União Africana e da União Europeia discutem nesta semana os grandes desafios comuns entre as duas regiões –, milhares de marfinenses empreendem a perigosa viagem rumo à Europa. “O dinheiro não circula como antes”, se diz nas ruas de Abidjã. As oportunidades devem ser buscadas lá fora.
Paradoxalmente, o milagre econômico marfinense está expulsando centenas de jovens: é a quarta principal nacionalidade de chegada por mar à União Europeia, segundo as Nações Unidas. Dos quase 170.000 imigrantes que desembarcaram na Europa pelo Mediterrâneo em 2017, 7,9% são marfinenses, segundo dados da organização internacional.
Com um despertar duas vezes mais rápido e uma população jovem e ativa cada vez mais numerosa e desempregada, o caso da Costa do Marfim é o reflexo do que acontece, em grande escala, no continente africano. Com 60% da população abaixo de 25 anos, a África é a região mais jovem do mundo, em contraste com uma Europa cada vez mais velha.
“Precisamos ter a possibilidade de procurar o futuro em nosso país”, defendeu veementemente a presidenta da União da Juventude Pan-Africana, a congolesa Francine Furaha Muyumba, na sessão inaugural da Cúpula de Abidjã, apontando que, para isso, “é preciso apoiar os empreendedores”.
Essa juventude cada vez mais numerosa é o grande potencial, mas também o grande risco para a África e a Europa. A taxa de desemprego de 31% no continente empurra milhares a iniciar a perigosa travessia para o norte, e o problema pode se tornar muito maior. “70% dos empregos atuais estão em risco de desaparecer nos países em desenvolvimento por causa das mudanças no mercado de trabalho, sobretudo devido à automatização do setor industrial”, alerta o Banco Mundial.
Sob o tema “Investir na Juventude para um Desenvolvimento Sustentável”, a Cúpula de Abidjã colocou justamente os jovens no centro da pauta. Os desafios de imigração e segurança, dois pilares das discussões, só terão solução se forem levados em conta os 200 milhões de africanos que hoje têm entre 15 e 24 anos.
El Pais 
www.miguelimigrante.blogspot.com

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