quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Imigrar, Emigrar, Retornar... Migrar, com todas as letras.



“O trem que chega é o mesmo trem da partida...” (Milton Nascimento e Fernando Brant). 
No  mês de maio, convidado pela Organização Internacional para as Migrações, OIM, participei da até então mais importante iniciativa de reflexão e diálogo sobre o futuro das Migrações. E sobre o papel do país do futuro nesse processo, o Brasil. 
Estive novamente no Brasil, de férias, em setembro (em 2005, o autor desse texto emigrou para a Catalunha). Então aproveitei para apresentar proposta de introduzir no país um formato de projeto sobre Migrações, denominado Rede Brasil Migrante – rede transnacional de defesa dos direitos dos migrantes. Está embasado em uma idéia de projeto premiado pela União Européia. 
Explico, brevemente. Em Barcelona, criou-se uma rede de pessoas e organizações dedicadas a contra-atacar os boatos (falsos mitos e rumores xenófobos), utilizando uma formação sociocultural específica de combate à “bola-de-neve” da ignorância: desconhecimento sobre outras culturas, que provoca medo ao diferente, e depois pode tornar-se violenta. Na velha Europa, fala-se hoje até de combater a reativação do nazi-fascismo, presente de forma organizada em vários países como Grécia, Espanha, França, Itália, etc.: começa com o “estranhamento”, um mero preconceito, uma imagem pré-concebida sobre algo que simplesmente se desconhece; depois se transforma numa discriminação, contra uma pessoa ou contra um determinado coletivo de pessoas; termina como xenofobia cotidiana ou atitude racista com violência. Não são raros os casos de assassinatos e de residências familiares atacadas como na época da Ku-Klux-Klan norte-americana ou do Apartheid mais violento, na África do Sul. 
Naquele momento, em setembro deste ano, espantado com determinadas manchetes de jornal, assisti protestos racistas contra médicos cubanos que vieram trabalhar no Brasil. Pensei comigo mesmo: esse é o momento certo de começar a atuar. 
Novamente em referência a rede existente em Barcelona e outras cidades da Espanha e Europa, para desenvolver um projeto dessa dimensão não se necessitam maiores esforços (além de força de vontade e poder “político” de decisão) que não sejam:
a.       Primeiro, interligam-se, em rede de sociabilidade, os que trabalham, pesquisam ou atuam, em geral, sobre o amplo tema das migrações. Como importante ferramenta e exemplo, acessem  www.migrante.gov.br.
b.      Por meio da construção coletiva do conhecimento, recolhe-se e sistematizam-se informações básicas sobre as migrações, desafios, perspectivas e, principalmente, necessidade dos migrantes em geral. Devem ser estes os protagonistas do processo, de forma individual ou coletiva.
c.       Desenvolve-se campanha nacional de esclarecimento, informação e comunicação, combatendo a raiz do desconhecimento e desconfiança, utilizando elementos de mediação e educação intercultural.
Graças a OIM e ao Ministério da Justiça, participando destes eventos, aproveitei para dialogar com imigrantes latinos e africanos que escolheram o Brasil para morar. E com brasileiros que retornam ao país fugindo da crise econômica mundial (estes em pior situação do que quando deixaram o país). 
Eu, emigrante brasileiro, residente na Europa, descobri, então, mais o que nos unia do que o que nos separava. 
Infelizmente, ter sido discriminado fora do país, por exemplo, é o melhor impacto educativo que esses brasileiros que retornam ao país podem aportar ao Brasil, país que nem ao menos soube lidar com os seus próprios preconceitos “internos”. Se o Brasil não soube lidar com as suas discriminações “de sempre”, pior será no enfrentamento a xenofobia contra os novos imigrantes que seguirão chegando para morar no país. 
O pior, dizem pessoas de outros países que escolheram o Brasil para morar, é criar-se uma falsa expectativa de que tudo será mais fácil, de que o Brasil é o país mais receptivo e acolhedor do mundo... E, de repente, perceber o golpe violento de encontrar-se diante de uma farsa. 
O Governo do Brasil, por sua vez, tem diante de si formas complementares de atuar sobre o fenômeno das migrações. O processo, historicamente falando, apenas começa...
Em meados deste mês de novembro, o Ministério das Relações Exteriores realizará, na Bahia, a 4ª Conferência “Brasileiros no Mundo”. Trará ao país dezenas de emigrantes brasileiros que, como eu (que participei das Conferências anteriores), terão oportunidade de apresentar novamente suas reivindicações e propostas para o Governo de um país que, no seu conjunto, desconhece completamente a realidade desses milhões de brasileiros que buscaram melhores oportunidades no exterior. Notem bem: o desconhecimento, como sempre, é a base constitutiva dos nossos maiores problemas. Contra isso, não propomos outra coisa senão a atualíssima concepção freireana (Paulo Freire, sempre!) de construção coletiva de conhecimento.
Felizmente, hoje mais organizados e associados, lutando por mecanismos de participação cidadã como conselhos eleitos legítima e democraticamente em todos os continentes, os brasileiros no Mundo também estão dispostos a ampliar protestos, pois sabem que governos, às vezes, podem fingir saber escutar. Enviam bilhões (isso mesmo; você leu corretamente e o próprio Banco Central do Brasil já afirmou tratar-se de bilhões de reais, desde o final do século passado) em remessas de dinheiro do exterior, fruto de duros trabalhos. Escravos do século XXI, muitas vezes com precários salários quase todos economizados para o seu futuro e de suas famílias que ficaram no Brasil. Estudam, formam-se, ampliam seus horizontes de conhecimento e acabam tornando-se difusores das boas imagens do seu país no exterior. Na imensa maioria das vezes atuam como voluntários, gratificados tão somente pela agradável sensação de manterem suas identidades coletivas. Certamente por isso, hoje se sentindo mais brasileiros do que quando estavam no Brasil. E sem serem apoiados como deveriam pelo governo do seu próprio país. Sabem integrarem-se perfeitamente nos país de destino, sobretudo porque já conviveram com as mais diversas dificuldades no país de origem. Contribuem, significativamente, com o crescimento da economia do Brasil, seja com seus investimentos pessoais e familiares, ou simplesmente pagando, por exemplo, aproximadamente mais de 200 Reais para fazer um passaporte para seus filhos (que pode ter validade de um ano, em determinados casos). Se perder ou tiver sido roubado no exterior, o brasileiro que não apresenta o passaporte extraviado pode chegar a pagar quase 500 Reais para fazer um novo. Isso a imensa maioria do Brasil nem sabe, nem sequer imagina.
Se o inimigo segue sendo a ignorância, o combate será no campo do diálogo e comunicação, formação e informação. 
Ainda assim, infelizmente, conheço muito bem aquela falsa imagem de que quem deixa o seu país é um covarde que o abandona, ou simplesmente “filhinho de papai”. Conheço melhor ainda o desespero de famílias inteiras, nas ruas congeladas da Europa, Ásia ou América do Norte, implorando poder voltar, em situação precária e vulnerável, ao seu próprio país. Sei ainda que continuarão “saindo” milhares, pois não se trata apenas de que o país esteja “crescendo”, se as oportunidades não são iguais para todos. 
Além disso, com o crescimento do país, crescem naturalmente as possibilidades de poder passar um bom tempo fora dele. Igualmente, esse novo Brasil possibilita o contato entre cidadãos de todas as partes do mundo e o intercâmbio de experiências termina sendo motor de novas migrações. Somente para citar o exemplo do país onde moro, fala-se hoje de existir uma mesma quantidade de brasileiros com residência na Espanha, aproximadamente 100 mil. Da mesma forma, seriam aproximadamente 100 mil espanhóis em situação semelhante no Brasil. Estes dados não são possíveis de retratar a realidade exata justamente pela necessidade primeira de construir mecanismos confiáveis de saber não apenas a quantidade, mas também a qualidade da informação sobre quem são esses migrantes.
Nesse sentido, no início do próximo ano, o Ministério da Justiça realizará a COMIGRAR, 1ª Conferência nacional para debater o futuro das migrações como um todo. Pela primeira vez na história do país, o tema das migrações DEVERIA SER, afinal, abordado de forma conjunta: imigrantes, emigrantes, retornados, refugiados, transfronteiriços. Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Educação, Saúde, Cultura, etc. Um enfoque único, um eixo estrutural, estaria finalmente em pauta: direitos humanos. 
Porque o pior seria começar a discriminar. O que vem de um país rico do Norte, o que vem de um país pobre do Sul, a cor dos olhos, se possui ou não tal formação ou fortuna pra investir no Brasil...
Termino propondo um exercício. Dediquem um minuto a buscar entre brasileiros famosos os sobrenomes mais exóticos, diferentes ou difíceis de pronunciar. Encontrarão, entre estes o sobrenome da família da própria Presidente da República. Descobrirão que o nosso país também foi construído pelas migrações. E que está na hora do Brasil construir, entre tantas, uma nova política: uma política pública brasileira, integral, para as migrações. O Mundo nos está esperando.
Como sugestão de leitura, indico o Relatório dos Colóquios do projeto "Promoção de direitos no contexto da política migratória brasileira", produzido pelo Ministério da Justiça, junto com a OIM. Por outro lado, sugiro o documento produzido pelo Conselho de Cidadãos e Cidadãs de Lisboa para a 4ª Conferência Brasileiros no Mundo, apoiado pelas redes de brasileiros emigrantes. 
Flavio Carvalho

Barcelona, 18 de novembro de 2013

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