O drama dos imigrantes e refugiados no mundo contemporâneo emerge e se impõe
com a força de águas represadas. Estas se traduzem, de um lado, pelo medo e a
fuga diante da pobreza, da violência ou da guerra; mas de outro lado, pelos
sonhos, esperanças e lutas de novas gerações – em busca de trabalho e futuro,
pão e paz. A travessia é sempre uma aventura arriscada de um “não lugar” para
uma terra com sabor de pátria. O mar e o deserto, muitas vezes, se convertem em
cemitério de imigrantes ou de cadáveres insepultos.
Do ponto de vista das
autoridades de muitos países, tanto os imigrantes quanto os refugiados
constituem um problema. Transformam-se, não raro, em caso de polícia – ainda no
pano de fundo da ideologia de segurança nacional, que remonta aos tempos da
guerra fria. Outras vezes são confundidos genericamente com a realidade do
tráfico de drogas, armas e seres humanos. Com isso é mais fácil fechar-lhes as
fronteiras e rechaçá-los. Sem dúvida os atentados de 11 de setembro de 2001
agravaram tal clima no mundo da mobilidade humana. Respira-se uma atmosfera de
tensão, hostilidade e conflito.
Do ponto de vista da
sociedade, em geral, ou da opinião pública, os estrangeiros podem ser vistos
como “intrusos”. Além de estranhos e diferentes, pretendem roubar nossos postos
de trabalho, o lugar de nossos filhos na escola, etc.... Instala-se um dualismo
entre “nós” e “eles”, os de “dentro” e os de “fora”, os “bons” e os “maus”.
Nessa perspectiva, nascem e crescem as mais variadas formas de preconceito,
discriminação e xenofobia. A intolerância cerra portas e janelas à “invasão” do
outro. Daí o ressurgimento de grupos neofacistas ou neonazistas diante da maior
intensidade e complexidade do fenômeno migratório.
Entre esses dois
cenários – a guerra fria e o medo do outro – convém refletir sobre uma via
alternativa. O fenômeno migratório tornou-se tão vivo e estridente que não
permite indiferença. Em lugar de muros e leis cada vez mais rígidas e
restritivas, resta-nos o desafio de construir pontes. Deafio que pressupõe,
simultaneamente, uma constatação, uma novidade e uma ação. A constatação é a de
que as diferenças, longe de nos empobrecerem, nos tornam mais ricos. Línguas,
povos, culturas e costumes diferentes, quando colocados lado a lado,
representam um enorme potencial de recíproco crescimento humano. A identidade
de cada pessoa ou nação só se realiza plenamente no confronto com o
outro.
A novidade está nos
olhos, no coração e na alma de quem faz da fuga uma nova busca. Imigrantes e
refugiados carregam nas veias uma enorme vontade de vencer. Constituem sangue
novo em organismos e sociedades às vezes marcadas por um senil declínio;
oxigênio primaverial num mundo que caminha para o outono. Essa energia juvenil,
própria de quem se põe a caminho, faz marchar a própria história. Vigor e
coragem (e não só medo e desilusão) costumam fazer parte da bagagem dos
migrantes. Estes tornam-se profetas e protagonistas (não somente vítimas) de
horizontes mais largos, abertos e plurais.
A ação, por fim,
requer em primeiro lugar acolhida, escuta e compreensão diante do
outro/diferente. Aqui não basta a tolerância ou a coexistência pacífica do
multiculturalismo – uma espécie de justaposição de água e azeite. É urgente e
necessário um salto qualitativo em direção ao interculturalismo, o qual exige o
confronto e o diálogo que depuram, purificam e trazem um enriquecimento mútuo.
É o que se pode chamar de processo de integração, que passa, ao mesmo tempo,
por um reconhecimento dos vícios a serem superados e dos valores a serem
incorporados – numa palavra, inculturação.
Neste caso, longe de ser
um problema ou um intruso, o estrangeiro – imigrante ou refugiado – se converte
em
oportunidade. Oportunidade múltipla de aprendizado, de
confluência de energias renovadas e de encontros. Pavimenta-se o terreno para a
cultura da solidariedade, da paz e do encontro. Pontes ao invés de barreiras –
eis o que precisamos construir.
* Pe. Alfredo José Gonçalves é
sacerdote. Foi assessor das Pastorais Sociais na CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), desempenhou ministério pastoral no Brasil e Paraguai.
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