quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

É hora da Itália enfrentar a exploração dos trabalhadores migrantes


A Itália deve revisar as políticas que contribuem para a exploração dos trabalhadores migrantes e a violação de seu direito a trabalhar em condições justas e favoráveis e ao acesso à justiça, declarou a Anistia Internacional.
No informe publicado hoje, Exploited labour: Migrant workers in Italy’s agricultural sector(Trabalho Explorado: os trabalhadores migrantes no setor agrícola da Itália), a Anistia Internacional enfoca a grave exploração dos trabalhadores oriundos da África subsaariana, do norte da África e da Ásia, que realizam trabalhos pouco qualificados, frequentemente sazonais ou temporários, principalmente no setor agrícola nas áreas de Latina e Caserta, no sul da Itália. 
Entretanto, o informe destaca que a exploração laboral dos trabalhadores migrantes é uma prática generalizada em todo o país.
 “Na última década, as autoridades italianas têm gerado preocupação na opinião pública ao afirmar que a segurança do país está ameaçada por uma incontrolável migração ‘clandestina’, justificando medidas rigorosas em relação à imigração. Tais medidas deixam os trabalhadores migrantes em uma precária situação jurídica, tornando-os uma presa fácil para a exploração", disse Francesca Pizzutelli, pesquisadora da Anistia Internacional sobre direitos de migrantes e refugiados.
 “Embora as autoridades de qualquer país tenham direito a controlar a imigração, não devem fazê-lo à custa dos direitos humanos de todas as pessoas que se encontram em seu território, o que inclui os trabalhadores migrantes.” 
 “As consequências para os trabalhadores migrantes costumam ser: salários bem abaixo do mínimo nacional, reduções salariais arbitrárias, demora no pagamento ou ausência absoluta de remuneração, e longas jornadas de trabalho. É um problema sistêmico e generalizado".  
As atuais políticas migratórias da Itália controlam o número de migrantes fazendo da migração não autorizada um crime.
As autoridades atribuem cotas para diferentes tipos de trabalhadores e concedem permissões de residência baseando-se na apresentação de um contrato de trabalho por escrito, mas estas cotas são muito menores que a demanda real de mão de obra migrante. Este sistema, além de ser ineficaz e sujeito a abusos, também aumenta o risco de exploração trabalhista.
Os empregadores preferem contratar trabalhadores que já estão no país, independentemente das cotas de entrada do governo. Pode haver trabalhadores temporários com a documentação vencida ou que, tendo obtido um visto de entrada por meio de uma agência, não conseguiram a permissão de residência pela falta de contratos.  
Consequentemente, muito trabalhadores migrantes não possuem documentação válida, o que os converte em migrantes irregulares e sujeitos à expulsão se foram apanhados. 
A legislação italiana criminalizou a "entrada e permanência ilegais" no país, estigmatizando os trabalhadores migrantes irregulares e aumentando a xenofobia e a discriminação contra eles. 
Encontram-se, portanto, em uma situação na qual não podem buscar justiça se estão recebendo pagamentos inferiores ou se são obrigados a trabalhar por longas jornadas. A realidade para muitos deles é que, se denunciam a exploração trabalhista às autoridades, muitas vezes são imediatamente presos, detidos e expulsos por sua situação irregular.   
“Ao reformar as políticas de migração, as autoridades italianas devem priorizar os direitos dos trabalhadores migrantes – qualquer que seja sua condição migratória. Este processo inclui garantir-lhes o acesso efetivo à justiça”, explicou Pizzutelli. 
"Deve incluir um mecanismo seguro e acessível que os trabalhadores possam utilizar para apresentar denúncias e reclamações trabalhistas contra seus empregadores, sem medo de detenção e expulsão". 
Informação complementar
Segundo estimativas do início de 2011, o número de cidadãos estrangeiros da Itália é de aproximadamente 5,4 milhões, ou seja, cerca de 8,9% da população. Destes, 4,9 milhões têm documentos válidos, o que lhes permite permanecer no país. Calcula-se que haja por volta de meio milhão de migrantes irregulares ou sem documentação válida.
A exploração laboral dos trabalhadores migrantes nos setores agrícola e da construção é generalizada em várias áreas do sul da Itália. Estas pessoas cobram, em média, cerca de 40% menos do que o salário de um cidadão italiano que realiza a mesma tarefa, e fazem longas jornadas de trabalho. As vítimas de exploração trabalhista são migrantes africanos e asiáticos, alguns cidadãos da UE (em sua maioria búlgaros e romenos) e os cidadãos de países do leste da Europa não pertencentes a UE (como os albaneses).
Trabalhadores migrantes indianos e africanos nas áreas de Latina e Caserta, no sul da Itália, falaram à Anistia Internacional sob a condição de manter seu anonimato:  
Hari”: “Durante os primeiros quatro anos, trabalhei em uma fábrica onde empacotavam cebolas e batatas para exportação. Ganhava 800 euros por mês para trabalhar entre 12 e 14 horas ao dia. Os empregadores costumavam me dizer que, se trabalhasse duro e bem, obteriam os documentos para mim – nunca o fizeram”.  
Sunny”: “Trabalho 9 ou 10 horas ao dia de segunda-feira a sábado, e 5 horas nos domingos pela manhã, por três euros a hora. O empregador deveria me pagar 600 ou 700 euros ao mês, e meu plano era enviar 500 euros mensais ao meu pai, que vive na Índia. Entretanto, nos últimos 7 meses o patrão não me pagou o salário completo. Ele me dá apenas 100 euros por mês. Não posso ir à polícia, porque não tenho documentos: pegariam minhas digitais e eu teria que partir”. 
Ismael”: "Quem não tem documentos só pode encontrar trabalho no mercado negro, que é muito mal remunerado. Ganhamos de 25 a 30 euros ao dia por 8 ou 9 horas de trabalho [de 2,75 a 3,75 euros a hora]. Mas, se nos machucamos, não ganhamos nada".
Jean-Baptiste”: “Quando  o empregador não paga, o que você vai fazer para conseguir o seu dinheiro? Sem documentos, como pode ir à polícia? Sem documentos, você é expulso. Mas você não fez nada de mal...”.  
Valerio Rinaldi

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