sábado, 1 de dezembro de 2012

LEGISLAÇÕES NACIONAIS NÃO ACOMPANHAM ACORDOS MIGRATÓRIOS DO MERCOSUL



Qual é a atual situação do Mercosul em termos de migração?
Estamos completando 10 anos do acordo de livre trânsito e residência para os nacionais dos Estados partes do Mercosul. Ele reconhece os direitos iguais nas esferas civil e trabalhista para todos os nacionais dos países membros. Um brasileiro que vai para o Uruguai pode ter imediatamente um documento temporário por dois anos, que depois pode ser transformado em permanente. O acordo é para os membros plenos do Mercosul e os países associados que queiram ratificá-lo. Atualmente é vigente também para Bolívia, Peru e Chile e está em processo de implementação com a Colômbia e com o Equador. Com a Venezuela esse acordo ainda não está implementado, porque é muito recente sua entrada no bloco. Mas estamos vivendo um momento de garantia da lei de residência em quase todos os Estados partes da Unasul.
Quais são os principais desafios enfrentados pelos migrantes do bloco?
A residência provisória dá o direito de a pessoa tirar uma carteira de trabalho ou abrir uma empresa. O problema é na segunda etapa, depois de dois anos, com o excesso de burocracia para renovar essa permissão. É necessária uma comprovação de subsistência, por exemplo. Mas o Brasil é um país que tem uma margem muito grande de economia informal e muitos imigrantes acabam entrando nesse setor. Há empresários que não conseguem regularidade depois desses dois anos e têm muita dificuldade de se transformar em permanente.
Os acordos que temos no Mercosul de livre residência são bastante avançados se compararmos com a realidade, por exemplo, da União Européia. No entanto as legislações dos nossos países não acompanham esse processo. A Argentina implementou uma nova lei de política migratória, em que incorpora o espírito dos tratados da Unasul e do Mercosul, criando o programa Pátria Grande, que facilita a vida de todos os imigrantes da região, inclusive defendendo os direitos políticos e ao voto dos imigrantes. No Brasil, a legislação é de 1980. O nosso Estatuto do Estrangeiro é remanescente da pior parte da história do país, que foi a ditadura militar. Ele considera o estrangeiro uma ameaça para a segurança nacional e é muito discriminativo. Delega toda a responsabilidade no tratamento ao migrante à Polícia Federal. Às vezes o migrante vai à Polícia Federal para pedir uma informação e volta com um carimbo vermelho no passaporte. Se a nossa legislação criasse um órgão civil de atendimento ao migrante, ele poderia ter mais informação sobre as maneiras de se regularizar.
Por outro lado, o Brasil é o único país do bloco que não reconhece o direito ao voto dos imigrantes. É preciso fazer uma emenda ao artigo 13 da Constituição Federal. Também é necessário internalizar mais o tema da migração. Temos hoje quase 2 milhões de imigrantes no país, considerando os irregulares e regulares. Mas não temos no âmbito dos municípios e dos estados nenhuma política pública de acolhimento e integração social dos migrantes. Eles são tratados como uma questão mais jurídica do que como um sujeito de direito na nossa sociedade, um sujeito social. É preciso uma política migratória que dialogue com as esferas municipais e estaduais para garantir a integração e segurança do migrante.
Como são os fluxos migratório dentro do bloco?
Brasil e Argentina são os principais países receptores, ressaltando que ultimamente o Brasil é o principal. Hoje temos mais de 35.000 migrantes paraguaios no Brasil e, por outro lado, cerca de 200.000 brasileiros no Paraguai. Também há mais de um milhão de migrantes sul-americanos na Argentina. Há um fluxo muito forte de migração intrarregional, da migração sul-sul, uma nova forma de migração.
Temos basicamente três grupos de migrantes. Os técnicos são uma migração mais planejada, porque são mandados por seu trabalho em empresas transnacionais. Temos um grande fluxo de empregadas domésticas também, que é das principais novas formas de migração para o Brasil. Já começamos a ver uma substituição da empregada doméstica que migrava do nordeste brasileiro para outras partes do país para uma mão de obra que vem do Peru, do Paraguai, e outros países da região. E o outro grupo é formado pelos estudantes, há um forte intercâmbio entre os países do Mercosul.
Que temas vocês levarão para a Cúpula Social e quais são as expectativas?
A Cúpula Social é uma instância onde os movimentos e organizações sociais têm a possibilidade de serem ouvidos pelos governos da região. É também um dos poucos espaços abertos para a participação do migrante, que o reconhece como um sujeito importante para a integração social da região. Esperamos que a Cúpula Social seja reconhecida também na esfera institucional da região e que se possa criar uma articulação, uma espécie de conselho permanente do governo e da sociedade civil, de modo a garantir que as próximas cúpulas sejam realizadas em conjunto com a dos presidentes.
Qual a importância da institucionalização do Estatuto da Cidadania para a integração social do Mercosul?
É a peça que está faltando, casado com um Parlamento ativo. Hoje não temos nem o voto direto para escolher nossos representantes no Mercosul. Precisamos internalizar o Mercosul, que as pessoas saibam o que é e qual é sua importância. Hoje é mais uma realidade dos Estados e das cidades de fronteira. A partir do momento em que votarmos por nossos parlamentares, o Parlamento vai adquirir importância. As pessoas vão passar a conhecê-lo e a valorizá-lo. E o Estatuto da Cidadania justamente se propõe a trabalhar para que seja implementado o voto direto para os parlamentares do Mercosul em todos os países do bloco, além de defender o direito de que os nacionais de um Estado parte que resida em outro possa votar. Nós temos o marco e temos que defender a implementação e a institucionalização do Estatuto da Cidadania. Seria uma grande vitória da Cúpula Social em Brasília.
Por Paula Daibert
            Entrevista a Paulo Illes

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