quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

TRÁFICO DE PESSOAS


Mesmo com Legislação específica,
Brasil segue um dos principais Países de Origem 
O tráfico internacional de pessoas é um dos crimes que mais cresce no mundo atualmente, segundo levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Já são mais de 2,5 milhões de vítimas identificadas em nível global, 700 mil delas somente na América Latina. “O Brasil é um dos principais países de origem dessa ‘mercadoria’, onde foram descobertas nada menos que 241 rotas de tráfico interno e internacional de mulheres, jovens e crianças para fins de exploração sexual”, denunciam os advogados Joelson Dias e Michelle Gueraldi, que lançaram um livro com aprofundado estudo sobre a realidade do Tráfico Internacional de Pessoas no Brasil e como a nossa legislação trata do tema.
Em Busca do Éden: Tráfico de Pessoas e Direitos Humanos, Experiência Brasileiratem 400 páginas e é editado pela Max Limonad. Surgiu da preocupação e experiência profissional dos autores, ambos militantes da área dos Direitos Humanos, com mestrado pela Universidade de Harvard e atuação em Cortes Internacionais.
Joelson Dias atua em Brasília, é ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e representou o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos Comitês Nacionais de Educação em Direitos Humanos e Prevenção e Combate à Tortura, vinculados à Presidência da República. Também foi assistente da Promotoria no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, em Haia, Holanda, em 1997, e consultor da Missão Civil Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti, em 1993-1994.
Michelle Gueraldi atua no Rio de Janeiro, foi advogada da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em San José da Costa Rica, em 1999, participou da elaboração do I e II Relatórios da sociedade civil destinados ao Comitê de Direitos da Criança da ONU (2003-2009), pela Associação Nacional de Centros de Defesa dos Direitos da Criança (ANCED), efoi uma das fundadoras do Projeto Trama, que desde 2004 desenvolve ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Os dois advogados decidiram escrever o livro para ajudar a romper com a invisibilidade com que esse crime e suas vítimas são tratados ainda no país, mesmo após as várias leis específicas editadas para combatê-lo.
Na obra, eles detalham a rede de fatores que leva a essa invisibilidade perante a sociedade. A começar pelo fato das vítimas ficarem presas à força às redes de traficantes, o que as impede de denunciá-las às autoridades locais ou pedir ajuda a seus consulados. Saem do país de origem já devendo passagem, hospedagem e alimentação e depois são mantidas encarceradas, sem documentos, em troca do trabalho para quitação da dívida, sempre crescente. Outro ponto é que a maioria é de mulheres e meninas que trabalham na indústria do sexo, ilegal e marginalizada, que sobrevive da cumplicidade entre seus consumidores e mantenedores. A vulnerabilidade das vítimas num país estranho – grande parte com baixo nível educacional e sem domínio da língua - completa o cenário.
Além disso, apontam os advogados, as pessoas traficadas costumam engrossar o contingente de imigrantes ilegais que circulam pelos países estrangeiros, o que também dificulta sua identificação. “Só no Brasil temos 1,5 milhão de imigrantes ilegais que vivem hoje em outros países (dados do Ministério das Relações Exteriores), cuja movimentação pode ser constatada no aeroporto de Guarulhos (SP), por onde retornam ao país todos os dias aproximadamente 100 brasileiros deportados ou não admitidos nos países a que se dirigiram", revelam. Segundo Dias e Gueraldi, as pessoas traficadas que voltam por esses motivos são, geralmente, tratadas como imigrantes ilegais, não sendo percebidas nem registradas como vítimas do tráfico internacional de pessoas. Outras sequer são reconhecidas como ilegais, pois conseguem retornar ao Brasil voluntariamente.
Por todo esse contexto, o risco de punição a esse crime é muito baixo: as condenações judiciais são insignificantes. Levantamentos do Departamento de Governo dos Estados Unidos dão conta de que, até 2003, apenas 8 mil traficantes de seres humanos foram levados à Justiça em todo o mundo e, desses, só 2.800 foram condenados.
Em Em Busca do Éden: Tráfico de Pessoas e Direitos Humanos, Experiência Brasiliera, Michelle Guraldi e Joelson Dias avaliam 28 casos sobre tráfico de pessoas que chegaram à Justiça brasileira, as sentenças dos juízes e o que foi levado em consideração nos julgamentos dessas causas. O livro também aborda o padrão dos aliciadores, o perfil das vítimas e as discrepâncias nessas sentenças. "Apesar de envolver outros delitos, como formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, a falta de punição dos culpados pelo tráfico de pessoas ainda é um ponto de estímulo para esse crime", afirmam os dois advogados. Segundo eles, a maioria das penas não chega a 10 anos de reclusão e há sentenças até de prestação de serviços à comunidade para os criminosos.
O livro também traz uma avaliação sobre o perfil das vítimas brasileiras - em geral, mulheres de até 35 anos e em vulnerabilidade socioeconômica - e dos aliciadores, esses geralmente pessoas próximas, de suas relações sociais. Outra questão abordada é o tamanho e a ramificação das redes internacionais que praticam esse crime. “São muito amplas; um criminoso alicia a vítima, outro a entrega à organização e outro ainda a recebe fora do país. Há muita gente nesse negócio”, descreve Michelle Gueraldi.
Para os autores, o governo brasileiro precisa corrigir dois pontos nas ações de enfrentamento ao tráfico humano. O primeiro é a falta de coordenação entre os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), para que as ações de enfrentamento sejam mais uniformes e coordenadas. O segundo ponto é o foco atual nas ações de punição, quando a repressão a tal crime é que deveria ser priorizada. “O Brasil deve tratar o tráfico como um problema de Direitos Humanos, pensando em ações de prevenção a esse crime e de proteção às vítimas. Ainda temos uma atitude de criminalizar essas pessoas”, avalia Joelson Dias.  

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