Mesmo com Legislação específica,
Brasil segue um dos principais Países de Origem
O tráfico
internacional de pessoas é um dos crimes que mais cresce no mundo atualmente,
segundo levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC). Já são mais de 2,5 milhões de vítimas identificadas em nível global,
700 mil delas somente na América Latina. “O Brasil é um dos principais países
de origem dessa ‘mercadoria’, onde foram descobertas nada menos que 241 rotas
de tráfico interno e internacional de mulheres, jovens e crianças para fins de
exploração sexual”, denunciam os advogados Joelson Dias e Michelle Gueraldi, que lançaram um livro com
aprofundado estudo sobre a realidade do Tráfico Internacional de Pessoas no
Brasil e como a nossa legislação trata do tema.
Em Busca do Éden:
Tráfico de Pessoas e Direitos Humanos, Experiência Brasileiratem 400 páginas e é
editado pela Max Limonad. Surgiu da preocupação e experiência profissional dos
autores, ambos militantes da área dos Direitos Humanos, com mestrado pela
Universidade de Harvard e atuação em Cortes Internacionais.
Joelson Dias atua em
Brasília, é ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e representou o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos Comitês Nacionais de Educação em
Direitos Humanos e Prevenção e Combate à Tortura, vinculados à Presidência da
República. Também foi assistente da Promotoria no Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia, em Haia, Holanda, em 1997, e consultor da Missão Civil
Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados
Americanos (OEA) no Haiti, em 1993-1994.
Michelle Gueraldi atua
no Rio de Janeiro, foi advogada
da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em San José da Costa Rica,
em 1999, participou da elaboração do I e II Relatórios da sociedade civil
destinados ao Comitê de Direitos da Criança da ONU (2003-2009), pela Associação
Nacional de Centros de Defesa dos Direitos da Criança (ANCED), efoi uma das
fundadoras do Projeto Trama, que desde 2004 desenvolve ações de enfrentamento
ao tráfico de pessoas.
Os dois advogados
decidiram escrever o livro para ajudar a romper com a invisibilidade com que
esse crime e suas vítimas são tratados ainda no país, mesmo após as várias leis
específicas editadas para combatê-lo.
Na obra, eles detalham
a rede de fatores que leva a essa invisibilidade perante
a sociedade. A começar pelo fato das vítimas ficarem presas à força às redes de
traficantes, o que as impede de denunciá-las às autoridades locais ou pedir
ajuda a seus consulados. Saem do país de origem já devendo passagem, hospedagem
e alimentação e depois são mantidas encarceradas, sem documentos, em troca do
trabalho para quitação da dívida, sempre crescente. Outro ponto é que a maioria
é de mulheres e meninas que trabalham na indústria do sexo, ilegal e
marginalizada, que sobrevive da cumplicidade entre seus consumidores e
mantenedores. A vulnerabilidade das vítimas num país estranho – grande parte
com baixo nível educacional e sem domínio da língua - completa o cenário.
Além disso, apontam os
advogados, as pessoas traficadas costumam engrossar o contingente de imigrantes
ilegais que circulam pelos países estrangeiros, o que também dificulta sua
identificação. “Só no Brasil temos 1,5 milhão de imigrantes ilegais que vivem
hoje em outros países (dados do Ministério das Relações Exteriores), cuja
movimentação pode ser constatada no aeroporto de Guarulhos (SP), por onde
retornam ao país todos os dias aproximadamente 100 brasileiros deportados ou não
admitidos nos países a que se dirigiram", revelam. Segundo Dias e
Gueraldi, as pessoas traficadas que voltam por esses motivos são, geralmente,
tratadas como imigrantes ilegais, não sendo percebidas nem registradas como
vítimas do tráfico internacional de pessoas. Outras sequer são reconhecidas
como ilegais, pois conseguem retornar ao Brasil voluntariamente.
Por todo esse
contexto, o risco de punição a esse crime é muito baixo: as condenações
judiciais são insignificantes. Levantamentos do Departamento de Governo dos
Estados Unidos dão conta de que, até 2003, apenas 8 mil traficantes de seres
humanos foram levados à Justiça em todo o mundo e, desses, só 2.800 foram
condenados.
Em Em Busca do Éden: Tráfico de
Pessoas e Direitos Humanos, Experiência Brasiliera, Michelle Guraldi e
Joelson Dias avaliam 28 casos sobre tráfico de pessoas que chegaram à Justiça
brasileira, as sentenças dos juízes e o que foi levado em consideração nos
julgamentos dessas causas. O livro também aborda o padrão dos aliciadores, o perfil
das vítimas e as discrepâncias nessas sentenças. "Apesar de envolver
outros delitos, como formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem
de dinheiro e tráfico de drogas, a falta de punição dos culpados pelo tráfico
de pessoas ainda é um ponto de estímulo para esse crime", afirmam os dois
advogados. Segundo eles, a maioria das penas não chega a 10 anos de reclusão e
há sentenças até de prestação de serviços à comunidade para os criminosos.
O livro também traz
uma avaliação sobre o perfil das vítimas brasileiras - em geral, mulheres de
até 35 anos e em vulnerabilidade socioeconômica - e dos aliciadores, esses
geralmente pessoas próximas, de suas relações sociais. Outra questão abordada é
o tamanho e a ramificação das redes internacionais que praticam esse crime.
“São muito amplas; um criminoso alicia a vítima, outro a entrega à organização
e outro ainda a recebe fora do país. Há muita gente nesse negócio”, descreve
Michelle Gueraldi.
Para os autores, o
governo brasileiro precisa corrigir dois pontos nas ações de enfrentamento ao
tráfico humano. O primeiro é a falta de coordenação entre os Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário), para que as ações de enfrentamento sejam
mais uniformes e coordenadas. O segundo ponto é o foco atual nas ações de
punição, quando a repressão a tal crime é que deveria ser priorizada. “O Brasil
deve tratar o tráfico como um problema de Direitos Humanos, pensando em ações
de prevenção a esse crime e de proteção às vítimas. Ainda temos uma atitude de
criminalizar essas pessoas”, avalia Joelson Dias.
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