sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Yukiko Kumashiro fala dos migrantes


O Programa Regional de Repatriamento Voluntário, que encerrou temporariamente em Junho deste ano, permitiu o regresso de mais de 420 mil refugiados angolanos que foram repatriados em segurança e com dignidade, a partir de países como a República Democrática do Congo, Zâmbia, Botswana, República do Congo e Namíbia, afirmou ao Jornal de Angola a chefe no nosso país da missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Yukiko Kumashiro. Ao referir-se às consequências na migração da crise económica e financeira na Europa, considerou que esta não afecta necessariamente a dinâmica em termos de migração de retorno e garantiu que a necessidade de assistência a angolanos está em queda.

Jornal de Angola – Qual é a missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM)? 

Yukiko Kumashiro (YK) -
 A migração é um fenómeno cada vez mais visível, caracterizado por dinâmicas complexas e mistas. A OIM é a organização intergovernamental que trabalha com os migrantes e os governos para fornecer suporte e apoio no sentido de serem enfrentados os diferentes desafios da migração, promover o impacto positivo das migrações para os países que enviam e recebem migrantes e defender a dignidade humana e o bem-estar dos migrantes. 

JA – Que tipo de intervenção tem a OIM para ajudar as pessoas que, vivendo dificuldades financeiras no estrangeiro, não conseguem regressar ao seu país de origem?


YK -
 A OIM está comprometida em fornecer assistência aos migrantes “bloqueados” individuais, tal como às famílias que, por vários motivos, não podem permanecer nos países de acolhimento ou escolhem, voluntariamente, voltar aos seus países, mas podem não ter meios financeiros ou apoio para o fazer por si próprios. O programa “Retorno Voluntário Assistido e Reintegração”, ou AVRR, em inglês, já beneficiou mais de 330 mil migrantes em todo o mundo, que receberam assistência para o regresso e a reintegração em mais de 170 países, desde o ano 2000.

JA - A OIM tem recebido pedidos de ajuda para o regresso ao país de angolanos que vivem em nações europeias em crise?

YK -
 É verdade que as condições económicas e financeiras e da recessão nos países europeus estão a ter impacto nas dinâmicas de migração e mais ainda nas possibilidades de migração económica. Mas ainda não é totalmente claro em que medida a diáspora angolana tem sido afectada, daí ser ainda cedo para formular padrões definidos e exaustivos.

JA – Está a dizer que a recessão económica na Europa não afecta a migração?

YK -
 A partir das experiências recentes noutras partes do mundo e ao contrário das especulações iniciais, verifica-se que a recessão económica não afecta necessariamente a dinâmica em termos de migração de retorno, nem provoca uma redução significativa das remessas. Provou-se que os migrantes são muito mais resistentes do que podemos pensar. 

JA – Que relatos chegam às missões da OIM na Europa relativamente às condições económicas e sociais das comunidades angolanas?

YK -
 As missões da OIM na Europa não relataram qualquer aumento de angolanos a solicitarem assistência para facilitar o retorno. Na realidade, os números de assistência AVRR aos angolanos estão com tendência de queda. Existem algumas explicações possíveis para isso. Primeiro, são muito mais significativos os fluxos de migração inter-regional do que para a Europa. Segundo, os imigrantes angolanos que chegam à Europa são migrantes com relativas “melhores” condições socioeconómicas, que possivelmente já têm qualificações elevadas, apoio social ou familiar, uma rede e meios financeiros para se sustentarem ou regressarem a Angola por conta própria.

JA – Como são tratados, a nível da  OIM, os pedidos de ajuda?

YK -
 Como já foi mencionado, não recebemos muitos pedidos de ajuda de angolanos no exterior neste momento. A OIM fornece assistência para o regresso e a reintegração de várias categorias de migrantes vulneráveis, incluindo migrantes menores desacompanhados, bloqueados, vítimas de tráfico de seres humanos e requerentes de asilo rejeitados, caso a OIM receba um pedido da parte dos migrantes. Essa assistência, no entanto, é da responsabilidade primária do(s) Estado(s) e, enquanto organização intergovernamental da qual os membros são mesmo os Estados, a OIM fornece o apoio técnico e financeiro necessário.

JA – A OIM acompanha todo o processo de reintegração de pessoas que regressam ao seu país de origem?

YK -
 A reintegração é um processo longo que envolve a participação plena e o compromisso do Estado, do indivíduo retornado e da comunidade acolhedora. Tanto quanto possível, a OIM facilita a reunificação familiar. Além da dar conselhos, quando necessário, em matérias relacionadas com outros componentes de reintegração, como por exemplo o acesso à saúde, à escola e ao direito a um bilhete de identidade, a OIM também fornece orientação cultural aos migrantes, antes da sua partida, para se familiarizarem com as realidades e condições que possam encontrar, uma vez que se restabelecem no seu país.

JA - Que estudos já foram feitos sobre a situação migratória das comunidades angolanas ?

YK 
- Sob a liderança da OIM em Angola e sob os auspícios do Observatório ACP sobre as Migrações, sediado em Bruxelas e do qual Angola é um país piloto, foram realizados alguns estudos, entre os quais um sobre a migração de retorno a Angola e um outro sobre as dinâmicas de migração interna. Além disso, têm sido realizados estudos sobre o papel da diáspora e as remessas enviadas por angolanos residentes no estrangeiro para as famílias e parentes em Angola. A OIM, através da sua presença internacional e do papel transfronteiriço, está comprometida em continuar a ampliar a base do conhecimento para uma política pública informada para os governos dos seus Estados-membros, incluindo o Governo de Angola. 

JA - Desde que abriu escritórios em Angola, que actividades de vulto realizou até hoje?

YK 
– Angola tornou-se em Estado-membro da OIM em 1991 e actua em Angola desde 1994, com incidência na assistência a vários tipos de migrantes, como vítimas de tráfico de seres humanos, antigos refugiados angolanos, populações deslocadas devido a desastres naturais. Damos ainda assistência a áreas como a desmobilização e reintegração dos ex-soldados e o incremento de vários projectos multissectoriais de reintegração das comunidades mais afectadas pela migração. 

JA – Fornece também o seu conhecimento sobre gestão de fronteiras?

YK -
 Também fornece suporte técnico e formação para a gestão das fronteiras, a protecção dos migrantes, a identificação e protecção das vítimas de tráfico. A formação é dirigida à sociedade civil angolana e a funcionários da Polícia e das administrações do Estado.

JA - A organização tem um orçamento para as acções destinadas à ajuda de cidadãos que queiram regressar ao seu país de origem?

YK -
 O Programa Regional de Repatriamento Voluntário (VOLREP) é um bom exemplo do acordo que a OIM para com a comunidade internacional, os Estados-membros e as populações migrantes mais vulneráveis. Nas duas fases deste programa (2004-2007 e 2011-2012), que encerrou temporariamente em Junho deste ano, mais de 420 mil (incluindo 23.343 entre 2011-2012) refugiados angolanos foram repatriados em segurança e dignidade a partir de países vizinhos, como a República Democrática do Congo, Zâmbia, Botswana, República do Congo e Namíbia, com a assistência abrangente e o apoio da OIM. Além disso, na sua qualidade de organização intergovernamental, fornece uma ampla gama de apoio aos migrantes vulneráveis, operando no âmbito do acordo bilateral entre a OIM e o país que os acolhe.

JA - O grupo alvo abrange os refugiados e deslocados internos resultantes dos conflitos que ocorrem no mundo?

YK -
 Em princípio, os requerentes de asilo, refugiados e populações deslocadas devido a um conflito são a população de interesse do ACNUR, enquanto os da OIM são migrantes em geral, incluindo populações vulneráveis móveis, vítimas de tráfico de seres humanos e os deslocados internos devido a desastres naturais. Dito isto, a OIM e o ACNUR têm um Memorando de Entendimento (MoU) global e regional que pormenoriza a colaboração estreita, com base no crescente fenómeno chamado migração mista. 

JA - As duas organizações estão destinadas a trabalhar em conjunto?

YK -
 A OIM é um parceiro global operacional do ACNUR quando se trata de assentamento de refugiados para os países terceiros e de repatriamento dos refugiados, estando mandatada para estar no comando do movimento das populações em segurança e dignidade. Resumindo, as duas organizações colaboram estreitamente como parceiros iguais para abordar a gestão de dinâmicas de migração cada vez mais desafiador, como visto recentemente na crise da Líbia e agora na Siria ou dentro do programa VOLREP em Angola (2003-2012).

JA – Que diferenças existem entre o objecto social da sua organização e o do ACNUR, também uma agência especializada das Nações Unidas?

YK -
 Por exemplo só para esclarecer, a OIM é uma organização intergovernamental criada em 1951 e comprometida com o princípio impar de que a migração humana ordenada pode beneficiar os migrantes e as sociedades. Não é uma agência especializada da ONU, mas está totalmente integrada no sistema da Nações Unidas, através do mecanismo de coordenação United Nations Country Team (UNCT) que rege as actividades das agências no país, em apoio ao Governo de Angola. Tal como as agências da ONU, é uma organização intergovernamental composta por 146 Estados-membros e a única que tem um mandato global sobre a migração. Num mundo cada vez mais complexo, onde os padrões migratórios são, por essência, mistos e complexos, a OIM e o ACNUR desenvolvem as suas actividades em estreita cooperação dentro dos seus respectivos mandatos para o melhor interesse dos respectivos beneficiários em todo mundo .

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