domingo, 5 de fevereiro de 2012
Casos de 'escravidão moderna' são denunciados na Europa
Grupos criminosos ligados a comunidades nômades na Grã-Bretanha e Irlanda vêm levando homens ao exterior para fazê-los trabalhar em um sistema próximo à escravidão.
Uma investigação realizada pela BBC descobriu 32 vítimas nesta situação e casos foram confirmados em seis países europeus, incluindo Suécia, Noruega e Bélgica.
A Comissão Europeia diz que os números revelam apenas a ponta do iceberg e descreve a situação como "escravidão moderna".
As quadrilhas escolhem vítimas em situação vulnerável: homens que vivem nas ruas britânicas, frequentemente lutando contra o vício em álcool e drogas.
Eles recebem uma promessa de trabalho bem remunerado, mas assim que eles chegam ao exterior são forçados a cumprir uma longa e dura jornada de trabalho asfaltando estradas por pouquíssima ou nenhuma remuneração.
A BBC conversou com um britânico que chegou ao porto de Malmo, na Suécia, junto com outros dois homens que viviam nas ruas quando foram encontrados.
Ele não quis se identificar, mas contou que eles trabalhavam 14 horas por dia e viviam em condições terríveis e sob ameaça constante.
"Vi pessoas ameaçadas com machados, vi pessoas levando socos e chutes. Quase me jogaram de um veículo em movimento uma vez. É uma situação muito tensa. A gente fica imaginando o que vai acontecer em seguida."
Ele conta que tinha medo de fugir, até que a polícia sueca ofereceu ajuda.
'Procurando os mais vulneráveis'
A comissária europeia para assuntos internos, Cecilia Malmstron, teme que esses casos sejam apenas uma pequena parte de uma situação muito mais grave e complexa.
"É um crime horrível e é escravidão moderna", disse ela.
"As vítimas não costumam denunciar pessoalmente que foram vítimas de tráfico humano, porque, muitas vezes, não confiam nas autoridades e têm medo de sofrer represálias."
David Ellery, Europol
"Estão se aproveitando de pessoas muito vulneráveis e especialmente durante tempos de crise econômica, pessoas que perderam seus empregos, que não têm onde viver, que foram expulsas de casa por seus familiares. Temos que agir com mais força do que temos feito. Apenas recentemente nos demos conta da magnitude do problema."
O responsável por tráfico humano na Europol, o Serviço Europeu de Polícia, David Ellery, disse que as quadrilhas de nômades vêm cometendo esses crime há muito tempo.
"Eles vêm atacando os mais vulneráveis na sociedade, forçando-os a trabalhar, mas os casos não estão categorizados como tráfico humano. As gangues normalmente funcionam no norte da Europa, em zonas rurais, concentrando-se em conseguir vítimas locais de idade avançada."
Um relatório sobre o tráfico humano na Suécia, publicado em 2010, encontrou 26 casos de tráfico humano não-relacionados a sexo.
"Em especial, tratava-se de britânicos e irlandeses fazendo trabalhos de pavimentação na Suécia."
"As vítimas não costumam denunciar pessoalmente que foram vítimas de tráfico humano, porque, muitas vezes, não confiam nas autoridades e têm medo de sofrer represálias."
'Realidade brutal'
Oliver Hayre, de 22 anos e do condado de Lincolnshire, na Inglaterra, morreu em um incêndio em um trailer, em 2005, depois de trabalhar sob péssimas condições para uma quadrilha de nômades por mais de três meses.
O detetive Guy Collings, que investigou a morte, afirmou: "Do meu ponto de vista, Oliver foi definitivamente vítima de uma quadrilha de indivíduos que, na prática, o mantiveram como refém, tomando seu passaporte e ameaçando usar violência."
Os pais de Oliver Hayre querem que o governo britânico faça mais para impedir esse tipo de exploração.
"Estamos no século 21. Abolimos a escravidão, mas não de verdade... Minha percepção é que as autoridades fazem vista grossa e a intimidação contra Oliver era real. Custou-lhe a vida", disse o pai do rapaz, Martin Hayre.
"A ampla natureza do problema significa que é essencial que policiais locais pensem em novos métodos para investigar este tipo de crime, como manter encontros regulares com ONGs de moradores de rua, locais que servem 'sopão' e centros de imigrantes."
Aidan McQuade, diretor da ONG Anti-Slavery International
Outro relatório policial obtido pela BBC revela como a escravidão tornou-se um negócio lucrativo para as quadrilhas. Um cálculo descrito como "conservador" indica que os grupos estariam ganhando US$ 5 milhões por ano com o trabalho irregular.
Em 2007, a polícia norueguesa estimou que gangues nômades operando no país estariam ganhando mais de US$ 11 milhões por ano.
Aidan McQuade, diretor da ONG Anti-Slavery International, disse que "o fato de que homens em bom estado de saúde estão sendo ameaçados ou coagidos a trabalhar sem salário e temendo por sua segurança reflete a realidade brutal da escravidão moderna."
"A ampla natureza do problema significa que é essencial que policiais locais pensem em novos métodos para investigar este tipo de crime, como manter encontros regulares com ONGs de moradores de rua, locais que servem 'sopão' e centros de imigrantes, para identificar riscos e vítimas em potencial, além de conseguir informações sobre como as gangues operam."
Tanto o Ministério do Interior britânico como a Comissão Europeia afirmaram estar trabalhando para evitar novos casos de escravidão.
"Isso não deveria estar acontecendo na Europa hoje e devemos fazer todo o possível para impedir que aconteça", disse a comissária Malmstron.
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