sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

À procura da Terra Prometida


No auge das revoltas árabes da passada Primavera, muitos europeus foram assolados por tenebrosas visões de um tsunami de imigrantes a desembocar nas margens costeiras do Continente.
Essa onda gigante nunca chegou a atingir o continente, mas o seu espectro alimentou um tenaz populismo anti-imigração que revelou uma nova tendência muito importante: a migração para a Europa - e para os Estados Unidos - estagnou em grande medida. Em muitos países, há mais imigrantes a sair do que a entrar, devido sobretudo à crise económica que está a reduzir os empregos no Ocidente.

Essa reviravolta é uma das grandes histórias pouco divulgadas de 2011 (e dos dois anos precedentes) e os números são alarmantes. Consideremos Espanha, que está em vias de perder mais de meio milhão de residentes até 2020. Em contraste, entre 2002 e 2008, a população de Espanha aumentou em 700.000 pessoas por ano, largamente devido à imigração. A tendência é semelhante no resto da Europa.

Se bem que este facto, por si só, não vá acalmar aqueles que se opõem à imigração, o certo é que dá aos países mais margem para consertarem e fortalecerem sistemas bastante danificados para receberem e integrarem os recém-chegados. Apesar de os países do Ocidente, em rápido processo de envelhecimento, não conseguirem atrair os imigrantes de que precisam, permitem que milhões dos que já lá vivem sofram de discriminação e abusos. As detenções e deportações ocorrem por vezes sob condições terríveis. Enquanto isso, a comunidade internacional mostra-se colectivamente incapaz de proteger vastas populações de migrantes vulneráveis, como os milhões de pessoas desamparadas devido aos recentes conflitos no Norte de África.

Sem dúvida que é preciso confrontar o crescente populismo anti-imigrantes. Apesar de os inquéritos revelarem que essas atitudes são mais influenciadas pela etnia do que pela religião, ambos os aspectos contribuem para definir identidades e mentalidades. Há partidos políticos em França, na Suíça e na Holanda (só para citar alguns) que levam a cabo campanhas bem sucedidas que fazem dos imigrantes bodes expiatórios.

Além disso, muitos governos, do Alabama à Hungria, estão a homologar leis que minam aquilo que deveria ser os direitos dos migrantes. A Itália aprovou recentemente decretos de "emergência" que visam os migrantes, considerando que as entradas não documentadas no país, bem como a residência não documentada, são um delito criminal.

A retórica anti-imigração por parte dos extremos políticos repercute-se no discurso político da corrente dominante. Os líderes europeus tropeçam neles próprios para declararem, cada um mais vigorosamente do que o outro, que o multiculturalismo morreu. O político holandês Geert Wilders, cujo Partido da Liberdade faz informalmente parte do governo de coligação, foi acusado de incitar sentimentos anti-muçulmanos. Nos Estados Unidos, fossos cheios de crocodilos e vedações electrificadas nas fronteiras foram imagens que surgiram na actual campanha presidencial.

Estes ataques à imigração poderão oferecer alguma gratificação política instantânea, mas o seu resultado será desagregar sociedades cuja coesão está já seriamente posta em causa pela crise económica. A crescente discriminação no emprego, habitação e educação afecta não só os imigrantes e os seus filhos, afecta também as nossas sociedades como um todo.

Com a acalmia nos movimentos de imigração, temos agora uma janela de oportunidade para lidarmos com estas deficiências. Acabar com os mitos acerca da migração - de que a maioria dos imigrantes entram de forma ilegal, por exemplo, ou de que a imigração coloca em risco os actuais trabalhadores - seria um bom ponto de partida. Seria também útil explicar que a imigração é necessária para a prosperidade e crescimento em praticamente todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Se as sociedades em estado de envelhecimento no Ocidente e noutras regiões (como o Japão) não conseguirem acertar o leme do assunto da imigração, então não estarão preparadas quando se confrontarem com a verdadeira onda gigantesca: a entrada na reforma dos "baby boomers" ao longo das próximas duas décadas. As lacunas nos mercados laborais destes países - desde os especialistas em software até aos médicos, passando pelos auxiliares de saúde domiciliária - serão imensas. A força laboral da União Europeia cairá em cerca de 70 milhões de trabalhadores nos próximos 40 anos; na ausência de uma imigração significativa (conjugada com uma idade de reforma muito mais elevada), as economias europeias e a Segurança Social irão ficar atrofiadas.

As prioridades são claras. Temos de compreender melhor a forma como as nossas economias evoluirão nas próximas décadas e temos de redesenhar os nossos sistemas educacionais para produzirmos trabalhadores com competências utilizáveis. E onde virmos nitidamente que serão precisos imigrantes, teremos de ser capazes de os identificar, saudar, integrar e proteger.

Entretanto, as nossas instituições mais fundamentais - escolas, polícia e tribunais - devem ser reconcebidas de modo a reflectirem e a responderem à diversidade das nossas comunidades, o que é agora um facto da vida. Os países têm de aprender a trabalhar em conjunto para alcançarem estes objectivos, já que poucos deles podem ser atingidos isoladamente.

Se a nossa caixa de ferramentas estiver vazia, a nossa inacção poderá ser compreensível. Mas abundam exemplos de práticas de migração inteligentes. A título de exemplo, o Canadá e as Filipinas têm um acordo que funciona muito bem de protecção dos direitos dos trabalhadores temporários. A Suécia criou legislação que minimiza a burocracia para as empresas que precisam de trabalhadores estrangeiros. E foram também realizados importantes progressos no que respeita a garantir que os filhos dos imigrantes recebem a educação de que precisam para se tornarem membros de pleno direito da sociedade.

Estão também a ser feitos progressos a nível global, apesar da crise económica e dos ventos contrários dos populistas. Em Junho, os Estados-membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovaram por esmagadora maioria a Convenção sobre Trabalhadores Domésticos, o que aumentará significativamente a protecção de um grupo vulnerável de trabalhadores - a maioria dos quais são migrantes. Entretanto, o Forum Global sobre Migração e Desenvolvimento, criado em 2007, tornou-se rapidamente um importante meio de promoção do conhecimento e de parcerias.

A razão para a crescente cooperação internacional é simples: todos os países do mundo são alvo de migração e vivenciam cada vez mais os fenómenos da imigração e da emigração em simultâneo.

Com efeito, praticamente um terço dos migrantes actuais movimentam-se entre países desenvolvidos; um terço entre países em desenvolvimento; e apenas um terço do mundo em desenvolvimento para o mundo desenvolvido. Trabalhadores altamente qualificados, como os banqueiros e engenheiros, estão a afluir à China. O México, conhecido sobretudo por um país de emigração, alberga milhões de migrantes da América Central. Milhões de pessoas do Sudeste Asiático acorrem ao Médio Oriente para trabalhar, mas mais alguns milhões transpõem fronteiras dentro daquela região. E a lista não acaba aqui.

No que diz respeito à migração, estamos todos no mesmo barco - e esse barco não está bem vedado. A partir de 2012, os países deverão redobrar os seus esforços para o consertar.

Peter Sutherland

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