segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
O CRBE E O DIA DO MIGRANTE BRASILEIRO
Três de dezembro de 2010, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro. Exatamente há um ano, o ex Presidente Lula empossava o Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior, uma antiga reivindicação das comunidades brasileiras emigradas (Documentos resultantes de quatro encontros. O pioneiro, de Lisboa e dos respectivos 3 Bs: Bruxelas, Boston e Barcelona). Durante a 3ª Conferência “Brasileiros no Mundo”, o então Presidente Lula, chamava a atenção das autoridades diplomáticas presentes para, segundo livremente interpreto: dar exemplo ao Mundo, de como o Brasil já tratou e deveria tratar melhor ainda os imigrantes que moram no nosso país; sendo que, para isso, deveremos considerar dignamente a exigência de direitos dos brasileiros que, por diversos motivos, moram fora do Brasil.
Quatro anos antes, no dia seis de dezembro de 2006, pela primeira vez na história de séculos de existência do Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores constituía uma Sub-Secretaria Geral especialmente dedicada aos Brasileiros no Exterior, a SGBE. Sem esquecer as demais datas marcantes da ONU, também coincidentemente em dezembro, para o movimento associativo mundial dos brasileiros emigrados: 10 de dezembro, Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o 18 de dezembro, Dia Mundial dos Imigrantes.
As datas comemorativas mundiais servem, sobretudo, para dois motivos: comemorar fatos históricos e chamar a atenção da opinião pública para refletir sobre o conteúdo dessas celebrações. No caso do movimento social em rede dos brasileiros emigrados, mais do que comemorações, devem servir para uma análise serena, nessa ordem: a) das reivindicações ainda pendentes; b) do monitoramento das conquistas, a maioria delas em pleno processo de desenvolvimento; c) dos desafios e perspectivas de futuro.
No primeiro caso, podemos listar as diferentes perspectivas hoje em disputa/diálogo de encaminhamento do processo de organização e representação das comunidades brasileiras migrantes. No nosso ponto de vista, a dualidade vigente entre construir a casa pelo telhado (que o Governo Brasileiro, pelo Q.I. – “Quem Indica” – nomeie um Salvador da Pátria para “proclamar”, com Hino, Bandeira e Cargo com bom salário, o “Governador-Ministro” do Estado Emigrante, o 28º Estado da Federação). Ou, por outro lado, seguir no processo dialético e complexo de errar e acertar, acertar e errar, construindo a casa pela base. Como passou historicamente em todos os movimentos sociais brasileiros. Nada fácil, para começo de conversa. Mas, de baixo para cima, na primazia da democracia participativa sobre a democracia representativa. De cima para baixo, o CRBE e seus opositores, inclusive de dentro do próprio CRBE, não interessa. Esse CRBE, aliás, atrapalha interesses políticos e econômicos. Pois não esqueçamos os interesses sobre os bilhões de dólares das remessas que os brasileiros emigrantes enviam para o Brasil.
No segundo aspecto, o processo permanente de diálogo institucional (e quem disse que seria fácil?!), o CRBE exerce papel determinante, tendo sido constituído por Decreto Presidencial do Governo Lula. Autonomia não se pede nem se implora, se conquista. O movimento associativo autônomo não é ingênuo de lançar todas as fichas apenas nos 16 Representantes do CRBE, escolhidos num urgente processo já bastante tumultuado. E junto com o diálogo vem, naturalmente, a cobrança e novas reivindicações. Cobrança pela enorme demanda de anos em que nada foi feito pelos brasileiros “espalhados” pelo mundo, até que o próprio Governo do Brasil se desse conta de que também éramos um país de emigrantes, não somente de imigrantes. A jovem democracia brasileira, pelo menos, acumula experiência: quem quer somente “representação”, fica sentado esperando que 16 resolvam. Aliás, 16 voluntários e sem nenhuma “rubrica orçamentária”, exatamente como defendemos que fosse. Pois, se sem dinheiro, já gerou enormes disputas; imaginem com dinheiro em jogo... Quem não se deixa seduzir pelo canto da sereia dos cargos representativos, não sai da praia da participação. Quem quer efetiva participação, faz a hora, não espera acontecer. Quem quer somente representar, representa a si mesmo, e pronto. É o Brasil. E não poderia ser diferente, dentro ou fora das nossas fronteiras.
Somente depois de duas décadas de emigração, assistimos as conquistas que hoje falamos e que já estavam em cima da mesa (ou engavetadas) muitos antes de muitos de nós pensarmos em emigrar. Em Barcelona, na Espanha onde moro, para ter um exemplo, em cinco anos de reuniões, não se havia realizado nenhum dos nossos reivindicados Consulados Itinerantes (ir onde as pessoas mais necessitam do Consulado e não podem ser atendidos; por distância, trabalho, falta de dinheiro, etc.). Somente neste ano 2011, três Consulados itinerantes foram realizados somente em “meia-Espanha” (na Jurisdição de um dos dois Consulados Espanhóis). O último deles, nas Ilhas Baleares, não haveria alcançado o êxito que obteve, se não fosse a persistente parceria entre a Associação de Brasileiros local, cada vez mais articulados em rede, e o Consulado em Barcelona, que agora avança na constituição local de um Conselho de Cidadania. Outra importante reivindicação histórica que, democraticamente, começa a ser posta em prática. E que culmina um tripé CRBE, Conselhos de Cidadania e o mais novo movimento social brasileiro, o associacionismo brasileiro migrante. Porque hoje, em cada canto do mundo há brasileiros, tanto quanto há associação de brasileiros, de todos os tipos.
O terceiro fato é, entre os demais, o mais interessante. Passado o primeiro ano de posse do CRBE, supera-se a fogueira das vaidades que uma representação “mundial” naturalmente provoca entre a diversidade social, cultural e econômica dos brasileiros que emigram (muitos destes de origens humildes e que, “da noite pro dia”, deixam de lavar pratos e saem da invisibilidade do preconceito contra imigrantes, passando a freqüentar Palácios, do Itamaraty, do Planalto, etc.). A hora, agora, é de sensibilizar o Brasil sobre a vida, nada fácil, dos que estão fora. Não estão apenas de passeio pelos centros comerciais mais caros da Europa, como antes se desconfiava. Não são todos filhinhos de papais seduzidos por um diploma norte-americano, como pensava o senso comum sobre “estes covardes que abandonaram o país”. Entre outros mitos a desfazer. São cidadãs e cidadãs brasileiros, muitos deles obrigados por diversas situações a deixar o seu país em busca de oportunidades e que agora se encontram absolutamente desassistidos e discriminados pela crise financeira mundial. Além de longe de casa e desafiados a integrar-se em realidades absolutamente estranhas e inóspitas. “Primeiro os de casa”! Grita o crescimento dos partidos racistas europeus. Os primeiros a perder o já precário emprego quem são? Imigrantes. Pedreiros, babás, camareiras, cuidadores de idosos, etc.
Tudo isso que hoje refletimos, com a absoluta necessidade de reafirmar as metodologias de recenseamento da maior incógnita que existe hoje em dia na sociedade brasileira. Quantos são e quem são esses brasileiros e brasileiras que emigraram? O MRE fala de mais de quatro milhões. O Censo diz que são apenas meio milhão. E de que forma estão encarando o desafio bem maior do que deixar o país onde nasceram? Pior do que sair não seria enfrentar o difícil retorno para um país que já não conhecem – ou que passaram a amar e conhecer mais ainda quando se encontravam fora do Brasil?
Esse texto termina com uma proposta, como não poderia deixar de ser. Assim como as diversas outras datas cívicas, necessitamos de estabelecer, no Brasil, o Dia do Migrante Brasileiro (emigrantes e imigrantes juntos, no mesmo desafio de reafirmar os seus direitos de cidadania, começando pelo pleno direito ao voto - seja quem seja; esteja onde esteja). Para isso, nós, brasileiros emigrados, propomos o dia de hoje, três de dezembro, como o DIA DO MIGRANTE BRASILEIRO.
Somente uma data mais? Claro que não. Mais um marco histórico, que queremos celebrar de hoje em diante. Como a data de hoje. Ou como cada dia que nasce, junto conosco e com nossas esperanças de um Brasil melhor. Melhor para todos os brasileiros e brasileiras. Seja quem seja; esteja onde esteja.
Este texto é dedicado à Associaçao Amigos do Brasil nas Ilhas Baleares, Espanha.
Flávio Carvalho. Sociólogo. Conselheiro Representante dos Brasileiros na Europa / CRBE.
Barcelona, 3 de dezembro de 2011.
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