A economista Lennys (de rosa) veio a Porto Alegre para visitar a filha e o genro, mas acabou decidindo ficar Mateus Bruxel / Agencia RBS
A nova onda migratória de venezuelanos pode
chegar a Porto Alegre. A negociação entre a prefeitura e a Casa Civil da
Presidência da República, que coordena o chamado processo de interiorização, com
intuito de dar novos destinos aos mais de 40 mil que se amontoam nas ruas de Boa Vista (RR), já
começou.
Para evitar transtornos, como os
enfrentados há alguns anos quando haitianos e senegaleses desembarcaram em
massa na Capital, autoridades, entidades e imigrantes que
já moram aqui se articulam para proporcionar a quem chegar as condições mínimas
de reinício.
— A rede que trabalha com imigração está
se articulando e montando uma força-tarefa de prevenção. Não vamos esperar que
chegue um contingente para aí fazermos algo — afirma Guilherme Fuhr, titular da
Coordenadoria dos Povos Indígenas e Direitos Específicos, vinculada à
Secretaria de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre.
Pelo menos 300 venezuelanos já moram na capital
gaúcha, sendo que cerca de um terço teria chegado nos últimos seis meses,
diante do agravamento da crise humanitária no país de Nicolás Maduro.
A maioria tem vindo porque possui familiares ou amigos em Porto Alegre.
Com o avanço do processo de interiorização, que até
agora levou em torno de 260 imigrantes de Roraima para São Paulo e Cuiabá,
grupos maiores podem desembarcar no Rio Grande do Sul. Um ofício foi enviado
pela Casa Civil à prefeitura de Porto Alegre no fim de março e foi retornado
com perguntas, até agora não respondidas.
— Queremos acolher, mas precisamos saber o que é
preciso oferecer e se haverá contrapartida financeira — afirma Fuhr, citando,
por exemplo, que a Capital não tem um albergue público disponível.
Por enquanto, não há confirmação da chegada em
massa de venezuelanos, embora alguns boatos circulem no boca a boca. No
entanto, de forma individual, chegam imigrantes a Porto Alegre quase todos os
dias.
A Associação do Voluntariado e da Solidariedade
(Avesol), entidade vinculada à Rede Marista, lançou um projeto dedicado aos
venezuelanos na Capital. Denominada Araguaney (nome da árvore-símbolo da
Venezuela, que lembra o ipê-amarelo), a iniciativa conta com voluntários para
atender a demandas individuais – como orientações jurídicas, ajuda para obter
carteira de trabalho, validar diplomas e traduzir documentos – e coletivas –
como a articulação de mudanças na legislação que possam beneficiar outros
imigrantes e desburocratizar os processos de refúgio.
Além disso, a Avesol busca empresas parceiras para
conseguir empregos e conta com outras entidades de assistência a
imigrantes.
Adriana (à esquerda) mal reconheceu a mãe, Lennys, quando ela chegou na Capital Mateus Bruxel / Agencia RBS
A economista Lennys Rondón, 50 anos, desembarcou em
Porto Alegre no início de dezembro, depois de três dias entre ônibus e aviões.
Foi recepcionada pela filha Adriana Becerra, 32 anos, que veio morar com o
marido, Fernando Rojas, 38 anos, dois anos antes. Rojas havia obtido, há cerca
de três anos, uma bolsa para fazer doutorado na Capital.
– Simplesmente não reconheci minha mãe, de tão
magra e envelhecida que ela estava – lembra a bióloga, que não havia visto
Lennys desde que deixou a Venezuela.
A mãe veio com a intenção apenas de visitar a
filha, mas, encantada com comida na mesa e possibilidade de emprego, decidiu ficar.
Ela conta que passou um dia inteiro chorando depois de tomar a decisão, pois
deixou em Barinas, a 500 quilômetros da capital Caracas, os pais, ambos
hipertensos. Conta que estava inviável comprar o medicamento, que está custando
três salários mínimos – o equivalente a 1,3 mil bolívares.
— Meu pai e minha mãe são aposentados e ganham um
salário cada. Ou comem, ou se medicam – diz Lennys, acrescentando que, no
Brasil, a mesma caixa custa em torno de R$ 5.
Lennys tem tentado se adaptar à nova realidade. Além
do idioma, lida com um processo de aceitação.
— Ainda me sinto culpada. Às vezes, choro enquanto
mastigo um pão com geleia, porque lembro dos meus familiares que estão lá sem
ter o que comer – relata.
Com auxílio do projeto Araguaney, Lennys realizou entrevista
em uma multinacional de Guaíba que procurava vendedores com fluência em
espanhol. Embora tenha experiência de três décadas em gerenciar empresas e
precise enfrentar uma jornada que começa antes de o sol nascer em outra cidade,
aceitou a vaga.
— Só quero uma chance de recomeçar.
O clã no Brasil cresce. Em fevereiro, chegou
o filho Simon Becerra.
O jovem Ithan (à esquerda) largou os estudos para tentar a vida no Brasil Mateus Bruxel / Agencia RBS
O venezuelano Ithan Cinco chegou em Porto Alegre a
24 de janeiro. Antes, o estudante de 23 anos passou 12 meses morando na cidade
fronteiriça de Santa Elena de Uairén, a mais de 850 quilômetros de sua casa, em
Puerto Ordaz, para trabalhar em dois empregos e juntar os R$ 2 mil necessários
para deixar seu país. Abandonou tudo na tentativa de escapar do desemprego, da
censura, da instabilidade política, de uma inflação de 700% e da fome.
— Mesmo se você tiver dinheiro, não adianta. Não
tem comida lá — conta o jovem.
Encontrar um grupo no Facebook formado por
conterrâneos que moram em Porto Alegre foi decisivo na escolha do destino:
desembarcou no aeroporto Salgado Filho com a garantia de um sofá-cama, comida e
amigos. Gustavo Chacón, 41 anos, que veio para fazer sua pesquisa de
pós-doutorado em 2015 e atualmente atua como professor substituto na UFRGS,
iniciou a mobilização nas redes sociais no fim do ano passado. Desde então, tem
cadastrado os conterrâneos para saber quais são suas necessidades e buscar
ajuda.
— Ainda há muitos em condições de rua, morando em
casas com 12 pessoas, sem dinheiro, sem emprego. Cadastrando os que chegam
aqui, a gente pode saber do que precisam e buscar ajuda — afirma Chacón. —
Enfrentamos outro problema: aqueles que têm vergonha de dizer que são
venezuelanos. Fazem autocensura, por vergonha e medo. Então, se escondem e
preferem dizer que são de outra nacionalidade latina — acrescenta.
GaúchaZH
www.miguelimigrante.blogspot.com
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