Os alertas vão se acumulando de forma preocupante. De um tempo para cá,
alguns oficiais militares começaram a levantar a voz, às vezes com o silêncio
suspeito e consentido de seus superiores. Depois, vem a ocupação pelo exército
do Rio de Janeiro, cidade que, diga-se de passagem, já viveu momentos piores em
termos de violência urbana. E, improvisamente, chega-se ao o trágico e
insensato assassinato da vereadora Marielle Franco, execução brutal que lembra
os tempos sombrios da ditadura. Enfim, é já bem conhecida e notória a
sobreposição do crime organizado sobre o Estado de direito em determinadas
cidades brasileiras...
Como se não bastassem tais sinais amarelos, em Brasília o governo Temer
arrasta-se inerte e ineficaz, para não dizer ilegítimo, no sentido de cumprir
um calendário vazio até as eleições de outubro/2018. De outro lado, contam-se
nos dedos de uma única mão as figuras idôneas para assumir as rédeas da rex publica no contexto histórico atual.
Apesar das riquezas naturais do país e da criatividade dos brasileiros, a
economia segue a passo de tartaruga. Cresce a olhos vistos, e de forma
progressiva, a disparidade entre o andar de cima e o andar de baixo da pirâmide
social. O Poder Judiciário tende a desequilibrar os pratos da balança que o
simboliza...
Que outra coisa se deve acrescentar para concluir que a democracia brasileira
oscila por um fio? Talvez nunca tenha sido tão expressiva a distância entre os discursos
e interesses dos políticos, na capital federal, e as urgências e necessidades
básicas da população, pelos campos e cidades, pelos porões, grotões e
periferias do país. Quanto ao cenário crônico e histórico da corrupção,
tornou-se tão vizinho ao nariz de cada cidadão que corremos o risco de
ignorá-lo. Grande é, ainda, a apatia e o descrédito, o desencanto e a indiferença
da população em geral para com os destinos reais e concretos deste “gigante ainda adormecido”.
Felizmente – e vale salientar que utilizamos essa palavra com todo o
respeito pela dor dos familiares de Marielle Franco – o sangue derramado da
vereadora parece ter despertado as forças sonolentas de não poucos “combatentes
do bom combate”, parafraseando o apóstolo Paulo (2 Tm 4,7). A força indômita e
a morte precoce e violenta dessa legítima representante da população mais
pobre, defensora incansável dos direitos humanos esquecidos e sistematicamente violados,
acabou por levar às ruas milhares de pessoas.
A repercussão dessa morte inaceitável se estendeu pelo interior do país,
bem como pelo exterior. Diferentes manifestações se multiplicaram dentro e fora
do Brasil e pelas redes sociais pela Internet. Revival das forças de esquerda em oposição a uma política econômica
que “mata e descarta”, no dizer do Papa Francisco!... Substituição da
“globalização da indiferença” pela “cultura da silidariedade”, dia ainda o
Pontífice!... O fato é que a ação truculenta dos filhos das trevas provocou uma
reação que desde muito não se fazia notar.
O que está em jogo? Devemos falar de outro sinal – desta vez na contramão
da inércia e da sonolência generalizadas? Tomara seja essa a aurora e o
horizonte dos acontecimentos. Só assim as próximas eleições poderão retomar o
fio tênue, embora resistente, de uma democracia que apesar de tudo segue viva e
ativa. Eis uma esperança de que novos canais, novos instrumentos e novos
mecanismos estejam sendo forjados para a construção de um processo firme e
sólido de participação popular. Bem que poderia ser esse um belo presente de
Páscoa – símbolo maior da vida, “e da vida em plenitude”, como se lê no
Evangelho (Jo 10,10).
Pe.
Alfredo J. Gonçalves, cs – Roma, 24 de março de 2018
www.miguelimigrante.blogspot.com
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