Nas montanhas do Marrocos, milhares de migrantes africanos esperam por uma chance de cruzar a cerca que protege o enclave espanhol de Ceuta. O arame farpado de seis metros de altura não intimida os que chegaram até ali.Moussa caminha lentamente de volta para o seu esconderijo nas montanhas marroquinas, com a cabeça baixa para não chamar atenção no meio da mata. O guineense não quer ser descoberto pela polícia marroquina. Graças a seu casaco militar camuflado, ele consegue ficar quase invisível.
Mas a polícia continua sempre encontrando o esconderijo dele. Certa manhã, os guardas voltaram ao vale onde Moussa e seus amigos moravam há seis meses. Novamente, os policiais destruíram tudo o que acharam. As caixas de papelão que serviam de cobertores para os jovens foram destruídas, assim como a pouca comida que tinham: pacotes de macarrão abertos e algumas batatas mofadas.
"Olha só", diz Moussa, apontando para os restos de um saco cheio de palha que ele usava de colchão e agora está rasgado e espalhado pelos arbustos.
"A vida aqui é um inferno", dizem os migrantes. Mas desistir não é uma possibilidade. Ou eles acham um jeito de atravessar a cerca de Ceuta, enclave espanhol no Norte da África, ou vão ficar ali mesmo, no Marrocos, afirmam.
Todos vivenciaram horrores na travessia do deserto do Saara. Eles nunca desistiriam só por causa de arame farpado com seis metros de altura. Pouco importa o que a polícia marroquina faz com eles, pouco importam os ferimentos que sofrem em suas tentativas de transpor a cerca. As cicatrizes nos tornozelos de Moussa revelam quantas vezes ele já tentou.
"Mais violentos do que nunca"
No lado espanhol da barreira, Alfonso Cruzado e seus 600 colegas da Guarda Civil protegem a fronteira - ultimamente, nem sempre com sucesso. Desde que o novo governo italiano fechou suas fronteiras e portos, a rota do Mediterrâneo ocidental, pela Espanha, se tornou o caminho principal para a Europa.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), 18 mil pessoas chegaram à Europa através da Espanha entre janeiro e meados de julho de 2018. Outras 3 mil tentaram entrar na União Europeia através dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla. A OIM também informa que o número de refugiados usando a rota do Mediterrâneo ocidental triplicou desde 2017.
Para a guarda de fronteiras espanhola, isso ficou evidente. No fim de julho, mais de 600 migrantes conseguiram transpor a cerca em Ceuta. Isso já havia acontecido antes, mas dessa vez os migrantes foram "mais violentos do que nunca", diz Cruzado.
Depois de escalar a cerca com ganchos fixantes, os migrantes usaram cal viva, ácido e lança-chamas caseiros contra os policiais e, assim ,os forçaram a ficar a uma distância segura.
"Vitória, vitória", gritavam ao serem levados para o centro de recepção de refugiados em Ceuta. As imagens das centenas de migrantes da África subsaariana rodaram o mundo.
Para os homens, que geralmente têm menos de 20 anos de idade, cruzar a cerca significa o fim de vários anos de privações. Muitos escaparam por pouco da escravidão durante a travessia do Saara. Depois de anos de fuga, eles acreditam ter chegado ao destino final. Mas o próximo passo é completamente incerto.
O centro de recepção está nos seus limites. Os refugiados precisam permanecer ali por um ano antes de poderem seguir viagem para o território da Espanha na Europa. Poucas pessoas solicitam refúgio em Ceuta, porque quase ninguém recebe uma decisão favorável.
Ceuta sob pressão
No entanto, para os 80 mil habitantes da cidade de Ceuta, a pressão está se tornando insuportável. Na câmara municipal, a vereadora Mabel Deu reclama que apesar de Ceuta ser um ponto estratégico para a proteção da fronteira da União Europeia na África, o enclave não recebe o devido apoio.
Agora, o novo ministro de Exterior espanhol, o socialista Fernando Grande-Marlaska, quer remover o arame farpado da cerca, aumentado os temores dos governantes de Ceuta, em grande parte conservadores.
Mabel Deu afirma que remover o arame enviaria o sinal errado para os milhares de migrantes escondidos nas montanhas marroquinas. O enclave não tem capacidade de receber todos os refugiados, diz a vereadora, salientando que a cerca é crucial.
Do ponto de vista de Moussa, a barreira pode até deixar marcas em suas pernas, mas ela não será capaz de detê-lo. Todos os seus amigos já chegaram a Ceuta. "O que vou fazer aqui agora? Vou ficar até eu conseguir entrar também."
Pode levar muito tempo até que ele encontre um grupo de migrantes para preparar uma nova tentativa de transpor a cerca. Eles precisam de dinheiro, ferramentas e armas improvisadas.
É difícil para alguém entender a pressão que ele sofre, diz Moussa. Desde a morte do pai, a mãe do guineense está desamparada, sem dinheiro para comprar alimentos.
"Eu sou o filho mais velho e vim para cá para cuidar da minha família", explica. Há dois anos, os parentes na Guiné aguardam a ajuda financeira. E Moussa não quer desapontá-los.
Deutsche Welle
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