Polícia Federal não está abrindo processos para visto desde que nova lei entrou em vigor, em novembro
Um papel com a mensagem de que a Polícia Federal não está abrindo processos de visto por conta da nova lei de migração, seu nome, a data e um carimbo. Essa é toda a garantia que a uruguaia Luísa tem de que poderá circular livremente no Brasil a partir desta semana.
Há quatro anos pesquisando no país, a doutoranda não consegue renovar seu visto de estudo porque ainda não existem regras claras de quais são os documentos necessários para ter a sua permanência mantida. A diferença, em relação aos últimos anos em que fez o mesmo pedido, é a Lei de Migração 13.445 , que entrou em vigor no final de novembro e substituiu a legislação existente até então.
O problema é que, efetiva há pouco mais de três meses, a lei não tem regulamentação para determinar como muitas das autorizações devem ser feitas.
"É surreal", conta a química que, desde janeiro, já foi diversas vezes à superintendência regional da Polícia Federal em São Paulo, sem solução para seu caso.
A situação é dramática para quem tenta trazer a família ao país ou já vive no Brasil e precisa atualizar sua autorização. Com pouca informação e normas ainda a serem publicadas, os estrangeiros vão da Polícia Federal ao Ministério do Trabalho, ao consulado de seus países, tentam falar em números de Brasília, enviam e-mails e sentem-se perdidos na burocracia.
Na PF de São Paulo, a química só conseguiu um papel com carimbo dizendo que os processos de visto não estão sendo abertos
"Nós reconhecemos que não é um problema da Polícia Federal, que está de mãos atadas. Os maiores culpados são os ministérios [da Justiça, do Trabalho e de Relações Exteriores], que deveriam fazer as normativas", afirma João Chaves, coordenador de migrações da Defensoria Pública da União, em São Paulo.
Os ministérios de Relações Exteriores, da Justiça e do Trabalho afirmam que o governo está fazendo esforços para normalizar a situação, mas não informam data para que o problema seja resolvido. Desde novembro, o Ministério do Trabalho publicou 23 resoluções sobre o assunto, em muitas delas há a previsão de que parte das normas seja regulada por novo ato normativo.
No meio dessas mudanças, os estrangeiros ficam perdidos, sem clareza dos documentos que precisam reunir e com medo dos problemas de estar irregular, entre eles, o pagamento de multa e a dificuldade para resolver questões administrativas, como abrir uma conta no banco ou realizar um casamento.
- O que mudou com a nova Lei de Migração
A DPU de São Paulo atende anualmente cerca de 1.700 estrangeiros que precisam de visto, residência ou permissão de refúgio. O defensor conta que, desde novembro, aumentou o fluxo de pessoas que procuram o órgão por não conseguirem respostas sobre vistos e pedidos de residência.
Após ter filas na sua porta, sobretudo de senegaleses, no início de fevereiro, a DPU fez uma audiência pública com a Polícia Federal e o Ministério de Relações Exteriores para comentar os problemas e pedir paciência. O defensor lamenta, no entanto, que não havia representantes do Ministério do Trabalho e da Justiça para dar mais explicações.
Quando estiver completamente implementada, a nova lei deve facilitar a regularização e pedidos de residência e trabalho. Enquanto não é, há um limbo administrativo.
"De abril a novembro [quando a lei já tinha passado no Congresso, mas ainda não estava em vigor], o esperado era que todas as normas e regras fossem preparadas para poder funcionar, mas isso não aconteceu", diz Chaves.
Passaporte, RNE e justificativa de trabalho eram os documentos necessários para prorrogação de visto temporário; agora estrangeiros que trabalham no Brasil têm de pedir residência e entregar documentos como antecedentes criminais dos país onde viveram em 5 anos.
Sem prorrogação
A jornalista Larissa tenta visto para continuar no Brasil, onde trabalha há cinco anos. Sem saber o que fazer, a Polícia Federal do Rio pediu para que ela reúna documentos conforme a lei antiga como se os procedimentos não tivessem mudado.
Esse também tem sido o procedimento adotado para pedidos de residência e de reunião familiar, "sem termos nenhuma certeza de que isso vai dar certo", afirma a consultora de vistos Marta Mitico, da BR Visa e presidente da Associação Brasileira de Especialistas em Migração e Mobilidade.
Temos tentado fazer pressão, como sociedade civil, para que isso seja resolvido o mais rápido possível. Mas essa insegurança jurídica que milhares de pessoas estão vivendo por ficar irregular é inadmissível."
Letícia Carvalho, assessora da Missão Paz
Labirinto burocrático
Desde 2014 no Brasil, o francês Florian, que trabalha em um instituto de pesquisa estadual de São Paulo, voltou este ano à Polícia Federal para refazer seu visto temporário. Lá, foi informado que com a nova lei, deveria fazer seu pedido no Ministério do Trabalho (MTb). Ao pedir informações no telefone do trabalhador, foi enviado ao escritório da Pasta na zona oeste de São Paulo, onde indicaram que ele apenas seria atendido no centro da capital paulista. No escritório central, avisaram que o processo ainda não estava consolidado mas que deveria ser feito pelo seu empregador.
No site do Ministério da Justiça, informações desatualizadas confrontam as indicações do Ministério do Trabalho. Há mais de uma semana, ele vai de órgão em órgão, faz reuniões com pessoas que trabalham com relações internacionais e tenta respostas dos órgãos oficiais em um labirinto cuja saída parece estar mais longe do que suas duas semanas de visto regular.
Se não o fizer no prazo legal, como explicou o Ministério do Trabalho à reportagem, ficará em situação irregular.
"Tenho um bom trabalho e uma pesquisa importante a terminar, mas estou perdendo tempo precioso meu e de outras pessoas com essas questões administrativas apenas porque não previram a transição de uma lei", conta o físico.
Na audiência pública realizada no dia 9 de fevereiro em São Paulo, os representantes da Polícia Federal explicaram que o agendamento está interrompido enquanto não houver regulamentação suficiente. No caso do Ministério do Trabalho, o pré-cadastro no site Migranteweb está sendo feito para pedidos de residência nos casos em que já há norma.
"Tememos que haja um efeito avalanche depois disso, ou seja, um acúmulo muito grande de pedidos, e que depois vá levar meses para ser regularizado", diz João Chaves, da DPU.
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