Quem passa pela rua Curitiba com Oiapoque, no Centro de Belo Horizonte, nem imagina que no terceiro andar de uma pacata galeria exista um espaço destinado à gastronomia chinesa. O restaurante Chen Chang Kee tem espaço para apenas quatro mesas. Foi aberto por imigrantes chineses para atender aos patrícios que vieram do outro lado do mundo ganhar a vida em lojas de shoppings populares e ruas das imediações.
Das 1.005 lojas do Shopping Oi, 140 são de chineses. No Shopping Xavantes, são mais 80 estabelecimentos deles, além de 70 nas ruas Guaicurus, São Paulo e Curitiba. Cada loja emprega de duas a cinco pessoas daquele país, o que faz da região uma espécie de “colônia chinesa”.
O cozinheiro do restaurante e seu ajudante se desdobram para preparar refeições e atender tantos clientes à espera de quentinhas, vendidas a R$ 14. Poucos arranham o português e o idioma predominante é o mandarim. No meio do tumulto, os nativos são levados à cozinha para apontar o pedido. Não tem cardápio.
Indianos, árabes, italianos e imigrantes de vários outros cantos do mundo também sobrevivem do comércio de BH. Vieram em busca do solo mineiro como a terra das oportunidades, repetindo a saga de antepassados ao longo dos 119 anos da capital.
De acordo com a Polícia Federal, dos 35 mil estrangeiros em Minas, 70% estão na capital. É como se a cidade tivesse recebido a população inteira de Buritis, no Noroeste de Minas.O Estado é o sexto do país no recebimento de estrangeiros, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, nessa ordem. Haitianos, chineses, colombianos, portugueses, italianos e argentinos são a maioria.
Estudos da UFMG demonstram que o comércio é a maior inserção de imigrantes em BH, principalmente para recém-chegados, dadas as dificuldades de reconhecimento de diplomas, de linguagem, entre outras. “O comércio é o ramo que permite uma inserção mais imediata dos recém-chegados”, reforça a professora do Departamento de Sociologia da UFMG, Elaine Vilela.
A Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) não tem número de estrangeiros no comércio. “A gente percebe vários refugiados da Síria, do Haiti, Venezuela e Colômbia, seja fugindo da guerra, de terremotos, problemas econômicos e outros motivos. A tendência é aumentar cada vez mais por causa dos refugiados de guerra e por causa da globalização, o que é natural”, diz o presidente da CDL/BH, Bruno Falci.

Estrangeiros conquistam belo-horizontinos pelo estômago

O indiano Bhagwan Keintura chegou a Belo Horizonte há oito anos e logo conquistou o paladar dos mineiros com os sabores da sua terra. Foi tanto o sucesso do primeiro restaurante, o Buffet Bhagwan, no Bairro Sagrada Família, Região Leste, que ele abriu o segundo no Prado, na região Oeste. Outras duas casas foram abertas em São Paulo.
A filha dele, Rukamini Keintura, administra o restaurante Namastê, também no Prado. Ela conta que o pai era chef de um restaurante cinco estrelas na Índia e deixou a família para trabalhar em São Paulo. A convite, Bhagwan veio trabalhar no restaurante do Consulado Indiano em BH. Depois, decidiu abrir o próprio negócio. Em 2009, Bhagwan precisou de mais gente para trabalhar com ele e trouxe a filha da Índia.
“O negócio continuou crescendo e ele precisou de mais auxiliares. Trouxe meu irmão e a minha mãe”, conta Rukamini. Hoje, o irmão gerencia os restaurantes paulistas.
A adaptação da família em BH foi difícil. “A cultura, a língua, tudo era muito estranho. A gente não falava nada de português, só meu pai. Mas fomos bem recebidos pelos mineiros. Eles achavam nossa comida apimentada demais e depois gostaram”, diz.
MÃO DE OBRA
Um dos motivos de importar mão de obra da Índia, segundo Rukamini, é a dificuldade em preparar os alimentos. “É difícil demais de ensinar. Fica mais fácil trazer da Índia quem já sabe”, justifica. Os condimentos também são da Índia. “São muitos temperos e todos são trazidos de lá. Alguns, a gente até encontra no Brasil, mas não têm os mesmos sabores”, disse.
Seguindo a trajetória da colônia sírio-libanesa, que moldou o comércio de BH no século passado, dois irmãos refugiados de guerra abriram um restaurante de comida árabe na Avenida Brasil, no Santa Efigênia. Muitos mudaram o hábito alimentar depois de conhecer o famoso PF da casa, acompanhado de kaftas, pastas de alho e de berinjela, coalhada seca e outras receitas que conquistam o paladar dos mineiros, como homus tahine e baba ghanoush.

Salvador Ohana
KLUS – Salvador Ohana seguiu os passos do pai, que saiu de Israel em 1949 para montar alfaiataria na rua Caetés

Descendentes de ‘forasteiros’ que montaram lojas no início do século mantêm tradição
Belo Horizonte sempre teve vocação para o comércio, segundo o presidente da CDL/BH, Bruno Falci. E muitos descendentes de imigrantes, que abriram lojas no início do século passado, mantêm a tradição.
O bisavô de Bruno abriu a empresa de material de construção América, que hoje funciona como Casa Falci na Rua Rio Grande do Sul, no Centro. O bisavô de Bruno veio da Itália primeiro e depois chegou o avô.
Para Bruno, atualmente a presença mais marcante de estrangeiros em BH é de chineses. “Nos últimos anos, a China teve um boom de produtos mais baratos, que concorrem com produtos talvez melhores e mais caros. Então, abriu-se um espaço e a China passou a incentivar a exportação. E nada melhor do que ter o chinês em outros países para importar os produtos do país”, explica.
COLÔNIAS
Bruno lembra do antigo comércio da Rua Caetés, no Centro, dominado principalmente por turcos, libaneses e italianos. “Gostavam de se agrupar para conservar. Eles formavam pequenas colônias de estrangeiros. Vinham realmente com o espírito de ganhar a vida”, conta.
Há 21 anos, o diretor da CDL Savassi, Alessandro Runcini, trocou a crítica de arte na Itália para se dedicar ao comércio em BH. “Vim com a cara e a coragem e abri uma loja de roupas, onde permaneço até hoje”, disse Runcini, referindo-se à L’Uomo, especializada em roupas e acessórios masculinos italianos.
“Nos últimos 30 anos, o Brasil voltou a ser a terra de oportunidades para imigrantes italianos de nível cultural diferenciado em busca de empreendedorismo. Montaram lojas, empresas e indústrias”, disse.
A instalação da Fiat Automóveis em Betim, na Grande BH, ajudou a atrair italianos para o setor gastronômico, segundo Runcini.
Dono da marca Klus de roupas masculinas, Salvador Ohana conheceu a Caetés como “Rua do Oriente Médio”, na década de 70.
“Era dominada por imigrantes de Israel, do Líbano e da Síria”, recorda Salvador, que seguiu os passos do pai que deixou Israel em 1949 para montar alfaiataria na Caetés. O filho começou a fazer roupas sob medida aos 17 anos, na garagem da casa do pai, na Rua Aimorés. Hoje, a rede conta com 10 unidades, a maioria em shoppings.

A Associação Comercial de Minas (ACMinas) informou que está atenta aos comércios abertos em BH por pessoas de outras nacionalidades. “A ACMinas é contrária a qualquer atividade que represente concorrência desleal, sonegação fiscal ou outro tipo de prática ilegal”.



ALÉM DISSO
Em 1975, a família do chinês Roberto Lam Chong abriu um restaurante na Avenida do Contorno com Rua Leopoldina, no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e ajudou a popularizar os molhos adocicados, o rolinho primavera, o arroz chau-chau, feito com camarão, lombo e ovo, e outras especialidades da comida oriental, até então exóticas para muitos mineiros.
Roberto, os pais e os irmãos haviam passado uma temporada trabalhando em restaurante de Moçambique, na África, e vieram tentar a sorte no Rio de Janeiro, onde permaneceram por seis meses, mas acabaram escolhendo a capital mineira para abrir o negócio, por ser mais tranquila e ter agradado mais a mãe dele.
Em BH, eles compraram um restaurante já montado, de um outro chinês e deram o nome de Macau. Os pais trabalhavam na cozinha e Roberto e os irmãos, no salão.
Em 1980, o Macau foi transferido para a Avenida Olegário Maciel, no Bairro Lourdes, onde permanece até hoje sob o comando de Roberto.
“Fui bem recebido pelos mineiros”, disse o chinês, que se casou com uma chinesa na capital e teve quatro filhos. “A maior dificuldade no início foi conquistar o paladar do mineiro. A comida chinesa era muito pouco conhecida, assim como a japonesa. Eram poucos restaurantes. BH só tinha churrascaria e pizzaria”, recorda Roberto.
Hoje em Dia
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