Uma pequena volta ao mundo por meio da visão, da audição, do olfato e, sobretudo, do paladar. Essa é a experiência proporcionada pela feira cultural “Chega Junto”, que desde o ano passado reúne refugiados e migrantes residentes do Rio de Janeiro para apresentar aos brasileiros um pouco da comida, da arte e da moda típicas de diversos países. O relato foi feito pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Uma pequena volta ao mundo por meio da visão, da audição, do olfato e, sobretudo, do paladar. Essa é a experiência proporcionada pela feira cultural “Chega Junto”, que desde o ano passado reúne refugiados e imigrantes residentes no Rio de Janeiro para apresentar aos brasileiros um pouco da comida, da arte e da moda típicas de diversos países.
Nesse espaço de integração e troca cultural, línguas, sabores e aromas se misturam, mas o clima é de confraternização. Foi assim na mais recente edição do evento, realizada no último fim de semana nos jardins da Christ Church Rio, igreja anglicana localizada no bairro de Botafogo e parceira do projeto.
Um dos feirantes é o engenheiro sírio Anas Rjab, que chegou ao Rio de Janeiro em 2015 e viu na gastronomia uma oportunidade de ganhar a vida no Brasil. Com a ajuda de brasileiros, ele criou o Simsim, serviço de comida que já teve endereço fixo na zona sul carioca, mas hoje é itinerante. O nome significa “gergelim” em árabe.
“Eles nos deram uma chance de trabalhar e crescer. É maravilhoso”, celebrou o sírio. Desta vez, sua refinada culinária deu destaque ao fatteh, prato típico de Damasco, que inclui berinjela assada, limão, carne moída e molho de iogurte com tahine (pasta à base de sementes de gergelim).
“O público está cada vez maior, porque nossa feira já tem uma identidade, relacionada à comida internacional”, comentou o refugiado, feliz por estar se integrando no Brasil.
Essa foi a quarta edição da feira multicultural, que ganhou as ruas como resultado de uma parceria iniciada em 2015 entre a Cáritas do Rio de Janeiro e a Junta Local, um coletivo de pequenos agricultores e produtores artesanais.
Após um ano de “estágio” nas feiras organizadas pela Junta, que abriu espaço gratuito para refugiados com talentos culinários, estes participantes ganharam uma feira exclusiva, organizada sempre no último sábado de cada mês.
Atualmente, a feira “Chega Junto” reúne 18 famílias de refugiados e migrantes vindos de Angola, Argentina, Colômbia, Haiti, Índia, Japão, Nigéria, Paquistão, Peru, República Democrática do Congo, Síria, Togo, Uruguai e Venezuela. A cada edição, novos países são convidados a participar. Além das barracas com comida, os eventos sempre contam com música ao vivo e até mesmo pequenas oficinas (a última foi sobre como preparar uma autêntica roda de mate uruguaio).
“A meta de fazer uma feira exclusiva para refugiados e migrantes existe desde que o projeto nasceu, em 2015”, explica Luciara Mota, coordenadora da “Chega Junto”.
“As três principais vertentes do projeto são inclusão social, convívio e geração de renda. Todas as famílias participantes têm demonstrado grande alegria e uma relação sólida de vínculo e confiança, reforçados pela união entre os membros e organizadores e pela construção coletiva do projeto.”
“As três principais vertentes do projeto são inclusão social, convívio e geração de renda. Todas as famílias participantes têm demonstrado grande alegria e uma relação sólida de vínculo e confiança, reforçados pela união entre os membros e organizadores e pela construção coletiva do projeto.”
Em outra barraca da feira, o casal Boris Laguado e Rebeca Mirabal vendia bebidas à base de leite de coco típicas das praias venezuelanas. “Os brasileiros gostam porque também são amantes do coco”, disse o refugiado de 32 anos, que vê na feira uma oportunidade para o “intercâmbio de culturas e de conhecimentos”. “As pessoas fazem muitas perguntas. Querem saber de onde vem o produto, qual é a história dele, por que estamos vendendo isso e não outra coisa. A recepção é muito positiva”.
Tão positiva que despertou a solidariedade de uma senhora de 85 anos, moradora do prédio localizado em frente à igreja que acolhe a feira. Mas não era qualquer senhora. Nascida na Rússia, Lidia Secci chegou ao Brasil como refugiada pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Ela estava na “Chega Junto” para oferecer “a uma família refugiada” um aluguel a preço abaixo do mercado do apartamento que possui na zona sul do Rio.
“Sei que os refugiados passam por muitas dificuldades quando chegam, porque já passei por isso”, explicou a idosa. “Minha infância foi um paraíso. Tínhamos uma linda casa com jardim na Rússia. Então veio a guerra, e tudo que era bom virou um inferno. Eu e minha família fomos levados para a Alemanha para fazer trabalhos forçados. Quando a guerra terminou, meus pais preferiram ir embora da Europa a voltar para a Rússia. Eles fizeram de tudo para que a guerra não atrapalhasse minha vida. Foram pais excepcionais.”
Nem mesmo a ameaça de chuva e o feriadão prolongado foram capazes de esvaziar a última edição da “Chega Junto”, que atraiu centenas de pessoas. Muitas estavam de volta pela segunda ou terceira vez, enquanto outras chegavam curiosas — e famintas — após terem visto o anúncio do evento nas redes sociais.
E ainda havia quem tivesse sido pega de surpresa, como a publicitária mineira Viviane Polizzi. “Duas amigas da minha pós-graduação me disseram que haveria uma feira de comida paraense, mas quando cheguei aqui descobri outra coisa e fiquei fascinada”, contou Viviane, que havia acabado de comer um prato nigeriano, com feijão fradinho, banana frita e pimenta.
“Senti uma explosão de sabores! E teve também o rapaz haitiano que me vendeu um doce parecido com um pé-de-moleque mineiro.”
Enquanto histórias do passado e do presente corriam pelos corredores da feira, a tarde foi caindo, o céu foi escurecendo e os refugiados e migrantes foram encerrando mais um intenso dia de vendas e intercâmbio. A pequena volta ao mundo terminava ali. A próxima está marcada para 27 de maio.
Acnur
www.miguelimigrante.blogspot.com
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