O Ministério da Justiça apresentou
ontem projeto de lei que cria o processo de determinação da condição de
apátrida no Brasil, estabelecendo direitos e obrigações para estas pessoas. O
texto, anunciado pelo Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, é resultado
de um trabalho conjunto com o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR) e deverá ser enviado ao Congresso Nacional no próximo ano.
Segundo as convenções da ONU, os
apátridas são as pessoas que não possuem vínculo de nacionalidade com qualquer
país. A ONU estima que existam cerca de 10 milhões de apátridas em todo o
mundo.
De acordo com o texto apresentado
pela Secretaria Nacional de Justiça, o Brasil reconhecerá como apátrida
qualquer pessoa que “não seja considerado como nacional ou cidadão por nenhum
Estado”, como também quem não puder comprovar sua nacionalidade “por
circunstâncias alheias à sua vontade”.
Uma vez determinada a situação de
apatridia, o apátrida reconhecido pelo Brasil poderá adquirir a nacionalidade
brasileira, extensível aos seus dependentes e integrantes do seu núcleo
familiar. O projeto de lei determina que o Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE) será o órgão competente para processar o reconhecimento da condição de
apatridia, sendo renomeado como Comitê Nacional para Apátridas e Refugiados.
Para Paulo Abrão, o projeto de lei
incorpora à legislação brasileira as convenções internacionais das quais o
Brasil é signatário. “Devemos proteger os que não têm pátria”, disse o
secretário, lembrando que o projeto de lei é resultado de um compromisso
assumido pelo Brasil junto à ONU e ao ACNUR. “Este é um passo muito importante
que suprimirá uma lacuna jurídica história sobre definição, competências,
procedimentos, direitos e deveres em relação aos apátridas”, afirmou.
“O Brasil é, infelizmente, um dos
poucos países signatários das Convenções de 1954 e 1961”, afirma o
representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, se referindo à Convenção
sobre o Estatuto dos Apátridas (1954) e à Convenção para a Redução dos Casos de
Apatridia (1961).
O anúncio do projeto foi feito
durante o seminário “A Erradicação da Apatridia nas Américas: O Papel de
Liderança do Brasil”, que contou com conferência do advogado e especialista
em Direitos Humanos, Juan Ignacio Mondelli, Oficial Regional de Proteção do
Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) para o tema da apatridia nas
Américas.
“A melhor solução para a apatridia é
a prevenção”, disse Mondelli, que considerou o projeto de lei do governo
brasileiro “essencial”. Ele lembrou que o Brasil já possui mecanismos de
prevenção de apatridia para os filhos de brasileiros nascidos no exterior, pois
a legislação nacional reconhece estas crianças como brasileiras. A medida veio
por meio de uma emenda constitucional de 1994, regulamentado por um decreto-lei
de 2002 – quando cerca de 200 mil crianças filhas de brasileiros nascidos
no exterior corriam o risco de se tornar apátridas.
Mondelli destacou a importância do
projeto de lei no contexto latino-americano, região na qual apenas o México
regulamentou o estatuto do apátrida. Segundo ele, os outros países devem seguir
o exemplo brasileiro, como ocorreu com a da Lei do Refúgio (1997), em que o
Brasil foi pioneiro na região e impulsionou os países vizinhos a adotar
legislação semelhante. Mondelli também ressaltou a possibilidade, prevista no
projeto de lei, de que o apátrida reconhecido pelo Brasil possa adquirir a
nacionalidade brasileira.
O enfrentamento à apatridia é uma das
pautas da conferência Cartagena+30, que em dezembro deste ano reunirá em
Brasília representantes dos governos da América Latina e do Caribe para
consolidar e ampliar as conquistas da Declaração de Cartagena, um marco para a
proteção de refugiados, apátridas e deslocados internos na região. Espera-se
que os países se comprometam, durante o encontro, a aderir às convenções
internacionais sobre apatridia, criar leis nacionais e lançar medidas efetivas
para erradicar a apatridia nas Américas durante a próxima década.
“No ano do aniversário dos 60 anos da
Convenção da ONU de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas, a iniciativa
brasileira é o primeiro passo para que nas Américas se inicie um compromisso
com a erradicação da apatridia nos próximos dez anos”, afirma o representante
do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez.
Por Mariana Hollanda, de
Brasília
Por: ACNUR
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