O esquerda.net foi entrevistar a nova Presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, que foi eleita em setembro passado. Cyntia é licenciada em Psicologia, tem um mestrado em Psicologia Comunitária e está em Portugal há 8 anos, desde agosto de 2009. Nesta entrevista falámos sobretudo da situação da imigração em Portugal, nomeadamente da imigração brasileira, não deixando de abordar o trabalho da Casa do Brasil, onde fizemos a entrevista. A Casa do Brasil tem sede em Lisboa, na Rua Luz Soriano, 42 , no Bairro Alto. Tem também página no facebook e site na internet, em casadobrasil.info.
Casa do Brasil, uma associação de imigrantes com 25 anos
“A Casa do Brasil é uma associação de imigrantes sem fins lucrativos que existe há 25 anos”, disse-nos Cyntia de Paula, salientando que “sempre trabalhou na área da defesa dos direitos das e dos imigrantes”.
A associação foi fundada em 1992 por “um grupo de brasileiros residente em Portugal e por portugueses e portuguesas amigas do Brasil” e, ao longo dos 25 anos, foi desenvolvendo um trabalho muito próximo das comunidades imigrantes, em particular da comunidade brasileira.
A Casa do Brasil “tem diversos trabalhos de apoio para os e as imigrantes que chegam em Portugal e que aqui residem”, prestando informações, encaminhamentos, apoio ao emprego. “As informações são bastante relacionadas com os acessos no geral, acesso à saúde, acesso à educação e, principalmente, regularização em Portugal”, sublinha a presidente, que aponta ainda que a associação tem “uma vertente cultural bastante forte, com aulas de dança, não só brasileiras, mas também de outras nacionalidades”.
A Casa do Brasil não tem qualquer ligação institucional ou financeira com o Estado brasileiro ou com o Estado português, sendo, no entanto, reconhecida como associação pelo trabalho que desenvolve.
“A regularização afeta diretamente a integração na comunidade portuguesa”
Questionada sobre as questões principais que preocupam a Casa do Brasil, a sua presidente foi perentória: “Pensando nas questões específicas das pessoas que nos procuram todos os dias, sem dúvida, é a grande questão da regularização em Portugal”.
“A regularização afeta diretamente a integração na comunidade portuguesa”, aponta Cyntia de Paula, sublinhando que na associação tentam, “junto das pessoas e do sistema, dos vários sistemas, seja SEF, Segurança Social, entre outros”, desbloquear processos, orientar as pessoas, “ajudar a que tenham mais conhecimento para que possam conseguir a regularização”.
Salientando que as estimativas apontam a que haja em Portugal mais de 30 mil imigrantes sem documentos, Cyntia de Paula diz que uma pessoa imigrante com contrato de trabalho “tem uma média de espera de dois a três anos para ir a uma entrevista” no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), para tentar obter um cartão de residente.
Os atrasos do SEF
A presidente da Casa do Brasil sublinha que, “muito devido aos atrasos do SEF”, o processo de regularização é “moroso”, “demorado” e “injusto”, e salienta que a espera pela regularização prejudica todos os outros acessos.
A falta de regularização e de documentos torna as pessoas mais vulneráveis, “muito mais suscetíveis às explorações laborais”, levando a que tenham de aceitar “trabalhos muito precários de muitas horas” e dias de trabalho. A rotatividade dos trabalhos precários leva mesmo a que haja pessoas que quando são chamadas para a entrevista no SEF, já não estejam nesse trabalho.
“O sistema acaba por prejudicar a vida das pessoas em vários momentos, pela demora. Se fosse um processo muito mais rápido elas já estariam regularizadas e poderiam buscar outras opções melhores de trabalho”, realça a presidente da Casa do Brasil.
Mobilização coletiva com outras associações
Questionada sobre o que fazer perante os entraves colocados à regularização dos e das imigrantes, a presidente da Casa do Brasil destaca o trabalho de mobilização e reivindicação, em conjunto com outras associações, “um coletivo de associações”, realizando “mobilização de rua”, “mobilização dos e das imigrantes”, reuniões com partidos políticos com "ministros e ministras", e "temos, sobretudo, empoderado as pessoas para continuar a exigirem os seus direitos e pressionando o SEF”.
“Um exemplo simples: antes de começarmos a entrevista eu estive uma hora de espera [ao telefone com o SEF] para conseguir fazer uma marcação para um utente nosso”, referiu Cyntia de Paula. “É um sistema que, infelizmente a todo o momento, coloca os e as imigrantes numa situação de muito maior vulnerabilidade”, critica.
“Está a aumentar a imigração de pessoas do Brasil para Portugal”
Questionada sobre a evolução recente da imigração brasileira para Portugal, a presidente da Casa do Brasil diz que está a aumentar e aponta traços desta nova imigração.
“Logo que a crise em Portugal começou a abrandar, 2012-2013, quando o Brasil começa também a entrar numa crise política bastante significativa... começa a haver novamente um fluxo bastante grande da população brasileira em direção a Portugal”, afirma Cyntia de Paula.
“Posso dar exemplos práticos dos nossos atendimentos diários (6 a 8 pessoas), cerca de 80% são pessoas que acabaram de chegar”, diz a presidente da associação, referindo que se trata de pessoas que chegaram há um dia, há uma semana, há dois ou três meses, que vêm como turistas e que se dirigem à Casa do Brasil em busca de informações. Querem saber, “como funciona Portugal”, as questões do trabalho, “como podem conseguir um trabalho” e “as questões da regularização”.
Cyntia refere “uma chegada bastante expressiva de vários tipos de imigrantes, desde estudantes do ensino superior que já vinham vindo desde 2009”, e em que houve um aumento grande, a partir de 2008/2009. Atualmente, a imigração brasileira que chega a Portugal “é muito diversificada”, realça Cyntia de Paula, referindo a vinda de empreendedores/empreendedoras, que “vêm com uma ideia de negócio”. “Não consigo traçar um perfil específico, o que já consigo dizer é: muitas pessoas licenciadas, isso nos chama a atenção”, diz a ativista, salientando que as pessoas se queixam da “dificuldade de exercer a sua atividade profissional em Portugal” e que na associação têm discutido bastante “a questão da desqualificação profissional que vem nessa nova vaga”.
Entrevista conduzida por Carlos Santos, gravação e edição vídeo de Miguel Bordalo.
www.miguelimigrante.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário