sábado, 18 de novembro de 2017

Carta aberta sobre o processo de participação social na regulamentação da Lei 13.455/17 e pontos preocupantes na minuta do decreto da nova Lei de Migração


Fotografia Miguel Ahumada


Resultado da reunião pública realizada em 15 de novembro de 2017, no auditório da Missão Paz, a carta encontra-se aberta para adesões de instituições que nos apoiam neste manifesto.

A integra da carta

Nós, organizações da sociedade civil, organismos internacionais, acadêmicos, imigrantes e refugiados presentes na reunião pública sobre a regulamentação da nova Lei de Migração, realizada em 15 de novembro de 2017, no auditório da Missão Paz, em São Paulo, participamos e contribuímos desde o ano de 2014 no processo de construção desta Lei sancionada pelo Presidente da República em 24 de maio de 2017.

A Lei 13.445/2017 é uma conquista fruto de anos de trabalho e articulação das organizações da sociedade civil e coletivos de migrantes no Brasil, com a academia, organismos internacionais, órgãos governamentais e parlamentares. Inspirada nas reformas pioneiras como a da Argentina, desenha uma política de Estado para as migrações que abandona o paradigma da segurança nacional e promove uma série de princípios de direitos humanos adequando-se à Constituição Federal de 1988, orientando-se pelo princípio da igualdade e não discriminação. Tal caráter é essencial para a salvaguarda dos direitos humanos, patamar básico para o respeito à dignidade de toda a pessoa humana.


Ao longo da tramitação legislativa, as observações feitas por entidades da sociedade civil foram tratadas de modo respeitoso e a incorporação de sugestões feitas pelas instituições demonstra que é valioso o resultado do diálogo aberto entre os diversos atores (governamentais e sociais), que têm vínculo relevante com o tema das migrações.
Frustrou esse processo os 30 vetos feitos no texto da lei pela Presidência da República quando de sua sanção.


Considerando essencial que a discussão pública das normativas de migrações fosse realizada de maneira qualificada, em 24 de abril de 2017, este grupo, acrescido de outros signatários, protocolou um ofício junto ao Ministério da Justiça solicitando ampla transparência e participação social no processo de discussão sobre a regulamentação da lei, como por exemplo, a expansão do Grupo de Trabalho destinado à elaboração da minuta de Decreto, com vistas à inclusão de representantes de organizações da sociedade civil, bem como a de outras esferas do poder público com atuação relevante no tema: Defensoria Pública da União (DPU) e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC-MPF). Solicitou-se também, na ocasião, a realização de Consultas Públicas (virtuais e/ou presenciais) para permitir a participação dos diversos setores afetados e interessados.


Com o decorrer dos meses outras tentativas de participação foram pleiteadas por diversas organizações, porém sem sucesso. Uma atividade presencial foi realizada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), no dia 04 de agosto de 2017, em São Paulo, no âmbito do Fórum de Participação Social, porém apenas o aspecto da migração laboral teve a oportunidade de ser debatida. A minuta foi disponibilizada à sociedade civil apenas

um mês antes da entrada em vigor da lei, o que tornou o processo de participação exíguo e insuficiente de proporcionar uma discussão ampla e estruturada que contemplasse plenamente a participação de migrantes, refugiados e atores relevantes e interessados no tema.

O processo de consulta pública on-line teve duração de apenas 13 dias, de 01 a 13 de novembro. Uma reunião pública foi realizada em Brasília no dia 13 de novembro de 2017, contou com pouquíssima representação, devido à distância dos grandes centros de chegada de população imigrante e também ao alto custo de deslocamento.


Assim, mais uma vez, tendo em vista garantir a participação dos principais atores atuantes e residentes em São Paulo e região, em 08 de novembro de 2017, um grupo de 39 organizações e entidades protocolou, junto aos gabinetes dos Ministérios competentes (Casa Civil, Polícia Federal (PF) e para os Ministérios da Justiça, Trabalho e Emprego e das Relações Exteriores), um ofício convidando representantes encarregados do tema para uma reunião pública a ser realizada em 15 de novembro de 2017, em São Paulo.


Após contato telefônico de um agente administrativo do CNIg e da secretária da Divisão de Agenda do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, confirmando a presença de representantes, os subscritos ao ofício mobilizaram-se para comparecer na data, hora e local marcados. Entretanto, nenhum representante compareceu. Assim, apesar da decepção, optou-se por manter a reunião e levantar os pontos de maior preocupação entre os presentes. Cumpre ressaltar que justificativas contribuições e propostas foram, dentro dos esforços possíveis, encaminhadas através de notas técnicas e inseridas em forma de comentários pela consulta on-line. Esperamos que possamos nos fazer ouvir e que nossas preocupações sejam consideradas.


Indicamos a seguir alguns pontos centrais de preocupação com relação à minuta do decreto da nova Lei de Migração:

● Apresenta sérias lacunas postergando, para “atos ministeriais futuros”, critérios e condições para acesso a direitos;
● Mantém possibilidades de arbitrariedades e discricionariedades ao não disciplinar e definir termos amplos previstos em lei, como “atos contrários aos princípios e objetivos constitucionais”;
● Mantém a confusão entre justiça criminal e migração quando condiciona o acesso ao direito de migrar à ausência de antecedentes penais e condenação penal, concretizando uma dupla penalização;
● Mantém a pessoa aguardando expulsão no Brasil sem a possibilidade de regularização migratória;
● A minuta contradiz a Lei, que garante a não criminalização de migrantes por sua condição migratória, e prevê a prisão de migrantes devido à sua condição migratória;
● Inclui previsão de prisão para fins administrativos, prática vedada pela Constituição Federal;
● Dificulta ou restringe as possibilidades de reunião familiar;
● Reduz de 90 para 30 dias o prazo para que o migrante se apresente à Polícia Federal após publicação no D.O.U., em vista de regularizar documentos/residência permanente;
● Não estabelece parâmetros sobre as condições, prazos e requisitos para a emissão do visto humanitário, uma vez que se trata de um dos temas mais emblemáticos do novo conjunto normativo sobre Migrações no Brasil;
● Cria um sistema complexo e intrincado de tipologias de vistos e residências, atrelando o acesso a documentos às motivações, ocupações e condições limitadas e provisórias;
● Restringe a obtenção de visto de trabalho e não esclarece o que quer dizer com prioridade para "mão-de-obra estratégica", mantendo a lógica seletiva do Estatuto do Estrangeiro;
● Mantém a atual prática do uso do “protocolo” que restringe o acesso a direitos já garantidos;
● Ao detalhar apenas alguns motivos (“por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”) que determinam a “não devolução”, reduz o conceito de refúgio, na medida em que essas não são as únicas razões que ameaçam a vida das pessoas;
● Dá poder a PF para disciplinar via portaria sobre matérias centrais (como deportação, expulsão e repatriação). A PF, no entanto, é um ente subordinado que aplica as normativas e não pode regulá-las ou ser discricionário na matéria. É aplicador da normativa e não formulador das regras;
● Não há prazos previstos para edições dos atos complementares, tampouco a previsão de participação social em suas elaborações.

As organizações consideraram, pelas razões acima expostas, que caso aprovada sem alterações substanciais a minuta não cumprirá com a sua finalidade de detalhar e tornar efetiva a mudança do paradigma em prol da garantia dos direitos humanos proposta pela Lei n° 13,445/17. Mas, legislará sobre a questão migratória em sentido contrário ao espírito da lei e em desacordo com a Constituição Federal de 1988, o que dará ensejo às medidas judiciais cabíveis.

Missão Paz

www.miguelimigrante.blogspot.com

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