São conhecidos como "chiletianos", e vieram do Haiti ao Chile
em várias levas, a princípio fugindo das consequências do terremoto de 2010 e
da pobreza. Alguns já tiveram filhos aqui. No início, não eram muitos os que
faziam o trajeto, em geral em avião, via República Dominicana. E instalar-se no
Chile, se traziam algo de dinheiro, era relativamente fácil, devido à
flexibilidade das leis migratórias.
"Cheguei no fim de 2015 com meu irmão. Nós não sabíamos falar
espanhol e foi justo no meio do inverno. Tomei um susto com o frio, jamais
tinha visto um cachecol na vida, pensei que não ia aguentar", conta à
Folha, rindo, Baptiste Jeanot, 28, morador do bairro de Quilicura. De uns anos
para cá, o lugar se encheu tanto de novos moradores vindos do Haiti que passou
a ser conhecido como "Haitícura".
"Naquela época, logo depois da destruição de nosso país, os
haitianos preferiam ir para os EUA ou a França, mas era mais caro e foi ficando
mais difícil. Começou-se a falar do Chile, alguns vieram, familiares e amigos
os seguiram, e formou-se essa onda", relata Jeanot. "Nós tivemos
sorte, porque viemos no começo e não demorou para conseguirmos emprego num
salão de beleza (os dois são cabeleireiros, hoje especializados em penteados
afro)", completa.
Pela lei
chilena, quando o imigrante consegue um contrato de trabalho, pode pedir um
visto de residência temporária, mesmo tendo entrado inicialmente como turista.
Essa facilidade,
porém, começou a rarear a partir do momento em que a imigração haitiana começou
a crescer. Se em 2015, foram 9 mil os que deram entrada no país, em 2016, esse
número saltou para 43.898. Em 2017, só até julho já haviam entrado 44.289
haitianos, segundo a última contabilidade do ministério de Relações Exteriores.
A primeira
dificuldade é que já não há tantos postos de trabalho disponíveis, e a disputa
passou a ser mais acirrada. "Estou trabalhando como gari, mas estudando
para ser eletricista", contou Henri Jufré, que no último sábado (18),
varria uma rua no bairro nobre de Las Condes.
Segundo,
porque empregadores e uma verdadeira máfia de vendedores de contratos de
trabalho resolveram ganhar dinheiro com a necessidade burocrática dos
haitianos. Segundo a Folha apurou com distintos imigrantes, estes documentos
podem hoje custar de 120 a 500 dólares, dependendo do empregador ou do vendedor
de contratos. "Eu não tinha esse dinheiro, então pedi um adiantamento para
o sujeito que ia me contratar e agora estou pagando com horas extra", diz
Felice Santout, 32, empregada de uma casa noturna em Quilicura.
A terceira
dificuldade passou a ser a moradia. Os haitianos buscam bairros humildes, onde
já se instalaram conhecidos. Em geral, estão em Quilicura, Independencia e
Estación Central. Neste último, a reportagem visitou uma casa em que várias
famílias dividem os quartos. Em alguns moram casais ou pessoas sozinhas, mas,
em outros, há famílias inteiras. O banheiro é pago à parte. Quem não tem para
cobrir esse custo, usa baldes, depois descarregados num córrego. "Não é o
ideal, mas estamos guardando dinheiro e sei que vamos conseguir algo melhor
logo", diz Louis Michel, 42.
A quarta
dificuldade é o preconceito, que vem crescendo com o aumento da chegada dos
imigrantes. "Pedi emprego em vários escritórios, quero um estágio para ser
secretária, achei que saber falar francês ajudaria. Mas o chileno não está
acostumado com gente de fora, especialmente com gente de cor. Até agora não
consegui", diz Jamile Placide, 27.
"Não
somos uma sociedade racista, ao contrário, queremos ajudar, quando vemos as
imagens do Haiti, quem não se comove?", diz a chilena Angela Urrua, 53,
que fazia compras num mercado na região. "O problema é que você não sabe
que doenças eles trazem, se vieram com delinquentes. O receio existe."
GASTRONOMIA E
FUTEBOL
Apesar das
dificuldades, o clima nas comunidades de haitianos é alegre. Há música em alto
volume nas casas, e nas ruas de comércio da Estación Central vende-se uma
mescla de gastronomias."Fazemos cazuela com plátano e frango, ou empanada
chilena mas mais apimentada, a ideia é misturar mesmo", diz Juana
Petersen, uma chilena casada há dez meses com um imigrante haitiano que tem um
concorrido estande ali.
Já as
crianças e adolescentes tem seu ídolo local, o jogador da seleção chilena Jean
Beausejour, filho de pai haitiano e mãe chilena, descendente de indígenas
mapuche.
ELEIÇÕES
Como o número
de haitianos que chega só cresce e, desde 2010, apenas 6% dos que entraram
deixaram o país, o assunto virou uma questão política.
Durante o
governo de Michelle Bachelet, a chegada dos haitianos foi virando um assunto de
Estado. Entre as promessas da mandatária que não terminaram de se concretizar
estava a de tornar mais ágil a entrada dos haitianos, além de ações para que
sua inserção na sociedade e no mercado de trabalho fossem mais fáceis.
Durante a
campanha eleitoral, porém, esse foi um tema marginal. Para o favorito nas
pesquisas, o centro-direitista Sebastián Piñera, a imigração pode continuar,
mas deve haver mais controle na aceitação de imigrantes. "Já fazemos isso
entre os países da Aliança do Pacífico, trocamos inteligência sobre quem cruza
nossas fronteiras, é só ampliar essa investigação de antecedentes penais,
usando dados da Interpol. Não sou anti-imigração, mas devemos escolher quem
deixar entrar", disse em comício recente.
Já Guillier
afirma que seguirá a política de Bachelet, ou seja, o país seguirá aberto, mas
propõe que se combata a burocracia dos trâmites e de quem se favorece deles.
Com informações da Folhapress.
Folhapress
www.miguelimigrante.blogspot.com
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