quinta-feira, 9 de junho de 2022

Estudantes da UPF ajudam migrantes a se regularizarem e acessarem serviços no Brasil

 Partir do seu país de origem e chegar a um lugar novo para fazer a vida pode ser assustador – nessas horas, um turbilhão de perguntas surge na cabeça sobre como migrar regularmente, acessar empregos e serviços de saúde, educação e moradia. Na Região Norte do Rio Grande do Sul, os migrantes têm importantes aliados: os estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), que ajudam, por meio do Balcão do Migrante e Refugiado (Balcão Migra), a regularizar a permanência no Brasil e poder usufruir de tudo o que o país oferece.

Iniciado em 2019, o serviço aos migrantes atende cerca de 30 pessoas por dia. O atendimento ocorre presencialmente, de segunda a quarta-feira, das 14h às 17h30, por ordem de chegada, em um espaço localizado dentro do prédio da Faculdade de Direito, pelo WhatsApp (54) 99191-7776 e pelo e-mail balcaomigra@upf.br. O balcão ajuda a solucionar a dificuldade de acesso dos estrangeiros a uma vida regularizada como cidadão brasileiro.

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No dia em que a reportagem de GZH esteve na UPF, cerca de 15 pessoas aguardavam atendimento no corredor da instituição. A maioria era de venezuelanos. Douglas Pagola, 24 anos, estava com a esposa, Mauli Zapata, 25, e a filha, Juliannis Zapata, cinco, buscando renovar seu visto de permanência no Brasil.

— Tiramos o primeiro documento lá no Amazonas, onde moramos por um ano e pouco. O documento venceu durante a pandemia e agora nós viemos renovar — explica Douglas.

Em Manaus, capital do Amazonas, a família obteve um visto de refúgio com duração de dois anos. Agora, solicitou uma autorização de residência com validade de nove anos. O trio mora em Tapejara, que fica a 50 quilômetros de Passo Fundo, onde o jovem trabalha em um frigorífico.

— Estamos gostando de morar aqui, e o salário dá pra viver. Tem que pagar aluguel, água, luz, mas dá pra viver — conclui Douglas.

Também venezuelano, Bryan Lara, 19 anos, migrou em 2019, com sua família, devido às dificuldades financeiras pelas quais passavam em Anaco, município localizado ao norte da Venezuela. Chegou a dormir na rua por três meses com sua mãe, em Roraima, até ser recebido em um abrigo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). De lá, viajaram a Porto Alegre, onde um parente já morava. Sem trabalho, o jovem acabou se mudando para Panambi, onde conseguiu uma vaga na área de construção civil. No entanto, se sentiu solitário e resolveu mudar de cidade novamente, desta vez para Carazinho, onde sua irmã e sua madrasta moram.

— Cheguei ontem (10 de maio) e estou aqui porque os meus documentos caducaram. Quero arrumar um trabalho e erguer a minha vida — resume Bryan.

Depois de conseguir um emprego, o jovem já tem muitos planos. Primeiro, quer se formar no colégio, que abandonou quando estava no segundo ano do Ensino Médio. Assim que obtiver o diploma, quer partir para a faculdade:

— Falta pouco pra eu terminar a escola e escolher uma carreira profissional. Acho bom o direito. De repente, posso até trabalhar aqui — comenta Bryan.

Parcerias

Mesmo recente, o serviço já se tornou referência na região, para onde muitos migram, devido à grande oferta de vagas de trabalho. Hoje, o Balcão Migra é uma das 31 universidades brasileiras que integram a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, iniciativa do Acnur que visa criar uma rede de defesa e garantia dos direitos de refugiados no país.

A UPF também conta com uma parceria inédita junto à Polícia Federal, que garante que 50% dos horários para atender a demanda de confecção de passaportes para estrangeiros sejam ocupados com encaminhamentos do Balcão Migra.

— Dos 12 atendimentos de migrantes por dia, nós temos seis. Esse convênio permitiu que a gente conseguisse compreender um pouco mais a dinâmica da Polícia Federal da região, que tem uma circunscrição gigante, de 123 municípios. É a maior do Brasil — destaca a coordenadora Balcão Migra, professora Patrícia Noschang.

Os venezuelanos são os que mais procuram o serviço, seguidos pelos haitianos e pelos senegaleses. A maioria é formada por homens com 22 anos ou mais. Atualmente, a principal demanda é por renovação de autorização de refúgio ou de residência, já que, durante a pandemia, muitas delegacias se mantiveram fechadas e não era possível renovar o documento. Também há muita busca por solicitação de residência e de refúgio.

Normalmente, o migrante que ingressa no Brasil sem os documentos necessários passa, na fronteira, por um atendimento preliminar da Polícia Federal. Lá, recebem uma autorização de permanência por 60 dias, para que, nesse período, possam se regularizar. Dentro desse prazo, precisam decidir se solicitação refúgio ou autorização de residência. Essa regularização pode ser feita no serviço da UPF e encaminhada para a Polícia Federal. Depois disso, em até 90 dias, recebem uma espécie de carteira de identidade.

Devido à demanda represada durante a pandemia, atualmente há uma fila de espera de mil pessoas na região de Passo Fundo aguardando atendimento pela Polícia Federal. Municípios têm se organizado para realizar um mutirão de regularização dos migrantes, como o que está sendo feito em Caxias do Sul.

Partindo para a prática

Além de Patrícia, a professora Micheli Piucco também atua junto ao Balcão Migra. Elas contam com quatro bolsistas remunerados que cursam graduação em Direito, uma bolsista de Ensino Médio e outros bolsistas voluntários. São eles que realizam os atendimentos, sob a supervisão das docentes.

— Eles aprendem a teoria na sala de aula e depois têm a prática aqui. É riquíssima essa experiência para eles — ressalta Micheli.

Para Patrícia, o que os alunos mais ganham com a experiência é humanidade.

— Quem está aqui é porque realmente tem um coração grande e se importa com questões humanitárias, consegue perceber que vai fazer diferença pra alguém. A gente procura no estudante que vai fazer parte dessa equipe que ele tenha essa preocupação social, que vá além — pontua a coordenadora.

Segundo Micheli, para além do conhecimento sobre a regularização documental e o funcionamento das leis migratórias no Brasil, os acadêmicos aprendem a escutar as dores daqueles que são atendidos.

— Ouvimos a dor de quem veio e deixou alguém, a dor de quem vem e não se sente acolhido. A gente sempre fala aqui que precisamos informar os migrantes do básico e defender eles do básico também. São atos de humanidade, porque às vezes ligamos para um empregador, conversamos com o RH, ligamos para uma agência bancária que não quer abrir uma conta. Acho que é isso que torna o Balcão Migra tão grandioso e especial — analisa a professora.

O estudante Giorgio Moro Pacheco, 20 anos, está no quinto semestre da graduação em Direito e desde o início participa do Balcão Migra. Se interessou pelo assunto quando fez intercâmbio, em 2019, e resolveu se voluntariar no projeto, que, na época, era integrado ao serviço de assessoria jurídica da universidade.

— Comecei com quatro horas semanais e, hoje, estou a semana inteira aqui. Sempre gostei de ler, estudar e essa área internacional sempre me chamou a atenção. Vi aqui no balcão uma forma de melhorar o conhecimento que eu já tinha sobre os processos de direito e de política internacional — avalia Giorgio.

O universitário vê a experiência no balcão como proveitosa também no âmbito pessoal. Para ele, o contato com os migrantes envolve uma troca rica e valiosa, que permite uma visão de mundo que, sem ela, não se tem.

gauchazh.

www.miguelimigrante.blogspot.com

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