Foram só dois meses e meio no Brasil até a ucraniana
Iaroslava Moroz, de 44 anos, e a sua filha de 18 anos decidirem embarcar no
Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, neste sábado (4) de volta
para a Europa, logo após a guerra na Ucrânia completar 100 dias. O destino é a
Alemanha, país em que ela acredita que terá mais auxílio como refugiada. Aqui,
o visto humanitário foi o máximo que elas conseguiram.
Após o início do conflito, em 24 de fevereiro, o presidente
Jair Bolsonaro (PL) assinou uma ordem executiva permitindo que cidadãos
ucranianos e apátridas deslocados pela guerra vivam e trabalhem no país com
visto humanitário. Aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) foram enviados para
buscar os brasileiros e também ucranianos que desejassem vir para cá.
Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores concedeu
apenas 176 vistos temporários para acolhida humanitária de ucranianos.
Já segundo o Ministério da Justiça, foram 194 ucranianos que
desembarcaram no país --137 pediram autorizações de residência, 42 de vistos
humanitários com autorização de residência e 15 solicitaram refúgio. Do total,
72 foram para o Paraná.
Segundo o Itamaraty, ao menos outros 230 brasileiros
conseguiram sair da Ucrânia e ir para países fronteiriços, principalmente a
Polônia e a Romênia. Só 55 brasileiros decidiram retornar para o país, tanto
nos aviões da FAB quanto em voos comerciais.
A GloboNews conversou com vários dos refugiados. Eles são
unânimes em afirmar que não receberam informações suficientes nem nenhum tipo
de auxílio do governo federal - nem financeiro, de moradia ou para se recolocar
no mercado de trabalho.
Por isso, seguem, após quase três meses, em casas de
parentes ou amigos, e parte deles quer retornar aos países europeus, onde
esperam receber mais apoio.
"Os refugiados ucranianos chegam no Brasil sem falar
português e, muitas vezes, nem inglês, e sentem muita dificuldade com a
língua", afirma Anna Smirnova, 42, uma linguista russa que tem ajudado
ucranianos em São Paulo, onde criou um curso para ensinar português a nativos
do leste europeu.
E emenda: "Alguns são trazidos de maneira centralizada
pelas igrejas. Para eles, as igrejas alugam apartamentos e ajudam com toda a
burocracia. Mas para quem chega sozinho, não há ajuda do governo brasileiro
após receber a autorização de residência. Fazer documentos de acolhida
humanitária é rápido, mas depois as pessoas não sabem aonde ir, o que fazer, e
a ajuda só vem de outras pessoas ou ONGs".
Anna que auxiliou
Iaroslava a embarcar para a Alemanha, onde a ucraniana afirma que receberá do
governo cerca de 400 euros por mês, além de moradia temporária e a chance de
fazer parte de um programa de busca por vagas de trabalho.
"Tem uma grande falta de informação, eu não sei aonde
ir para me informar sobre emprego, aonde ir para me informar sobre ajuda
médica. E não somente eu, todos os ucranianos", diz Iaroslava, que ficou
esses dois meses em Curitiba, onde buscava uma psiquiatra para a filha, com
depressão após viver os horrores da guerra, e não conseguiu.
"Eu entendo que os refugiados ucranianos não são muitos
aqui, e o Brasil não está preparado como outros países, onde tem uma grande
quantidade de refugiados e já tem um sistema de apoio que funciona bem",
diz ela.
Procurado, os ministérios das Relações Exteriores e da
Justiça, responsáveis pelos trâmites de imigração, não responderam às críticas
até a última atualização desta reportagem.
Na Ucrânia, Iaroslava e a filha viviam a cerca de 10
quilômetros de Kiev, a capital. Ela era empresária.
"Até o último momento, não acreditávamos que ia ter
guerra. Estava todo mundo dormindo, às 4 horas da manhã, quando ouvimos
barulhos de aviões e explosões. Ficamos apavorados. Só acreditamos quando
chegaram os tanques russos e começaram a atirar contra os prédios. Eles viam
que tinham pessoas inocentes dentro dos prédios, mas mesmo assim
atiravam", conta ela, emocionada, enquanto mostra os vídeos do fogo e dos
escombros.
Antes da guerra, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2021,
mais de 3.300 ucranianos registraram residência no país. Quase 2.300 registros
de residência foram realizados na região Sudeste, principal destino dos
imigrantes ucranianos. Juntamente com os poloneses, os ucranianos compõem o
maior contingente de imigrantes eslavos por aqui, segundo o Ministério da
Justiça.
"É uma pena deixar o Brasil, que é um país muito
bonito. Mas não conseguimos ajuda. Fizemos tudo com a ajuda de voluntários",
diz a ucraniana.
Ela e a filha já tentaram embarcar na última semana, mas não
conseguiram.
Isso porque, quando vieram, trouxeram os dois gatos da
família, com autorizações especiais da embaixada brasileira por causa da
situação emergencial. Mas, ao chegar a Guarulhos com os bilhetes para a
Alemanha, descobriram que, além de serem vacinados contra a raiva, precisam de
um teste que comprova a presença de anticorpos contra a raiva após a vacinação:
ele se faz em laboratórios certificados, que são poucos, e demora dois meses
para sair o resultado.
Neste sábado (4), as duas e os gatos irão tentar novamente
passar pelo embarque, desta vez com um documento especial do consulado da
Ucrânia. "Estamos apreensivas, esperamos que dê tudo certo", diz
Iaroslava.
G1
www.miguelimigrante.blogspot.com
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