quarta-feira, 29 de junho de 2022

Ucraniana vai voltar para Europa por falta de auxílio do governo brasileiro; em 100 dias de guerra, país recebeu 176 refugiados

 

Foram só dois meses e meio no Brasil até a ucraniana Iaroslava Moroz, de 44 anos, e a sua filha de 18 anos decidirem embarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, neste sábado (4) de volta para a Europa, logo após a guerra na Ucrânia completar 100 dias. O destino é a Alemanha, país em que ela acredita que terá mais auxílio como refugiada. Aqui, o visto humanitário foi o máximo que elas conseguiram.

Após o início do conflito, em 24 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou uma ordem executiva permitindo que cidadãos ucranianos e apátridas deslocados pela guerra vivam e trabalhem no país com visto humanitário. Aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) foram enviados para buscar os brasileiros e também ucranianos que desejassem vir para cá.

Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores concedeu apenas 176 vistos temporários para acolhida humanitária de ucranianos.

Já segundo o Ministério da Justiça, foram 194 ucranianos que desembarcaram no país --137 pediram autorizações de residência, 42 de vistos humanitários com autorização de residência e 15 solicitaram refúgio. Do total, 72 foram para o Paraná.

Segundo o Itamaraty, ao menos outros 230 brasileiros conseguiram sair da Ucrânia e ir para países fronteiriços, principalmente a Polônia e a Romênia. Só 55 brasileiros decidiram retornar para o país, tanto nos aviões da FAB quanto em voos comerciais.

A GloboNews conversou com vários dos refugiados. Eles são unânimes em afirmar que não receberam informações suficientes nem nenhum tipo de auxílio do governo federal - nem financeiro, de moradia ou para se recolocar no mercado de trabalho.

Por isso, seguem, após quase três meses, em casas de parentes ou amigos, e parte deles quer retornar aos países europeus, onde esperam receber mais apoio.

"Os refugiados ucranianos chegam no Brasil sem falar português e, muitas vezes, nem inglês, e sentem muita dificuldade com a língua", afirma Anna Smirnova, 42, uma linguista russa que tem ajudado ucranianos em São Paulo, onde criou um curso para ensinar português a nativos do leste europeu.

E emenda: "Alguns são trazidos de maneira centralizada pelas igrejas. Para eles, as igrejas alugam apartamentos e ajudam com toda a burocracia. Mas para quem chega sozinho, não há ajuda do governo brasileiro após receber a autorização de residência. Fazer documentos de acolhida humanitária é rápido, mas depois as pessoas não sabem aonde ir, o que fazer, e a ajuda só vem de outras pessoas ou ONGs".

 Anna que auxiliou Iaroslava a embarcar para a Alemanha, onde a ucraniana afirma que receberá do governo cerca de 400 euros por mês, além de moradia temporária e a chance de fazer parte de um programa de busca por vagas de trabalho.

"Tem uma grande falta de informação, eu não sei aonde ir para me informar sobre emprego, aonde ir para me informar sobre ajuda médica. E não somente eu, todos os ucranianos", diz Iaroslava, que ficou esses dois meses em Curitiba, onde buscava uma psiquiatra para a filha, com depressão após viver os horrores da guerra, e não conseguiu.

"Eu entendo que os refugiados ucranianos não são muitos aqui, e o Brasil não está preparado como outros países, onde tem uma grande quantidade de refugiados e já tem um sistema de apoio que funciona bem", diz ela.

Procurado, os ministérios das Relações Exteriores e da Justiça, responsáveis pelos trâmites de imigração, não responderam às críticas até a última atualização desta reportagem.

Na Ucrânia, Iaroslava e a filha viviam a cerca de 10 quilômetros de Kiev, a capital. Ela era empresária.

"Até o último momento, não acreditávamos que ia ter guerra. Estava todo mundo dormindo, às 4 horas da manhã, quando ouvimos barulhos de aviões e explosões. Ficamos apavorados. Só acreditamos quando chegaram os tanques russos e começaram a atirar contra os prédios. Eles viam que tinham pessoas inocentes dentro dos prédios, mas mesmo assim atiravam", conta ela, emocionada, enquanto mostra os vídeos do fogo e dos escombros.

Antes da guerra, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2021, mais de 3.300 ucranianos registraram residência no país. Quase 2.300 registros de residência foram realizados na região Sudeste, principal destino dos imigrantes ucranianos. Juntamente com os poloneses, os ucranianos compõem o maior contingente de imigrantes eslavos por aqui, segundo o Ministério da Justiça.

"É uma pena deixar o Brasil, que é um país muito bonito. Mas não conseguimos ajuda. Fizemos tudo com a ajuda de voluntários", diz a ucraniana.

Ela e a filha já tentaram embarcar na última semana, mas não conseguiram.

Isso porque, quando vieram, trouxeram os dois gatos da família, com autorizações especiais da embaixada brasileira por causa da situação emergencial. Mas, ao chegar a Guarulhos com os bilhetes para a Alemanha, descobriram que, além de serem vacinados contra a raiva, precisam de um teste que comprova a presença de anticorpos contra a raiva após a vacinação: ele se faz em laboratórios certificados, que são poucos, e demora dois meses para sair o resultado.

Neste sábado (4), as duas e os gatos irão tentar novamente passar pelo embarque, desta vez com um documento especial do consulado da Ucrânia. "Estamos apreensivas, esperamos que dê tudo certo", diz Iaroslava.

G1

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