quinta-feira, 5 de julho de 2018

"Brasil perde ao dificultar entrada de imigrantes", diz presidente da Emdoc



O empresário paulista João Marques é uma das maiores referências em temas de imigração no Brasil. Desde 1985, ele comanda a Emdoc, consultoria especializada em mobilidade global, com operações em 26 países. Em 2014, Marques criou o Programa de Apoio para Recolocação dos Refugiados (Parr), um banco de dados com mais de 3 mil estrangeiros e com 270 empresas parceiras. Autor de oito livros sobre o tema, Marques viaja o mundo dando palestras para empresas e instituições interessadas em abrir suas portas para imigrantes e refugiados. Para o empresário, o Brasil e suas empresas deveriam ser mais abertos, o que traria benefícios econômicos e sociais ao país.

O Brasil está se abrindo aos imigrantes?

Ainda lentamente. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo. Os números mostram isso. Em 1900, tínhamos 1,1 milhão de estrangeiros e uma população de 17 milhões de pessoas. Hoje, temos 208 milhões de habitantes e 1 milhão de estrangeiros. Ou seja, o Brasil já foi um país aberto a imigrantes, mas acabou se fechando por políticas equivocadas. O Brasil está perdendo uma oportunidade de se aprimorar social e economicamente ao dificultar a aceitação de estrangeiros e a entrada de imigrantes. A grande maioria de nós é descendente de estrangeiros. Somos a segunda ou a terceira geração de povos que deixaram sua terra em busca de oportunidades e uma vida melhor. Hoje, há falta de mistura de cérebros, de culturas, de línguas.

O que os venezuelanos têm a ensinar?

Não estou dizendo que os venezuelanos são melhores que os brasileiros. Eles são diferentes. E isso pode nos ajudar na educação, na tolerância, na diversidade. Nossos estudantes mal falam português direito e poderiam ter em suas escolas professores nativos de espanhol, por exemplo. Se nossos filhos começarem a aprender um segundo idioma, terão maior interesse pelo primeiro. Historicamente, as duas melhores escolas da América Latina foram Chile e Venezuela. A qualidade de ensino nesses países sempre esteve acima da média da América Latina. Hoje, temos cerca de 100 mil venezuelanos vivendo no Brasil e não estamos sabendo aproveitar a qualificação dessa mão de obra. Não digo que todos farão isso. Mas, se mil puderem aportar conhecimento à sociedade brasileira, já é um grande ganho cultural, econômico e social.

A sociedade está preparada para isso?

Sim. Os brasileiros vivem um grau muito elevado de insatisfação, atualmente. Reclamam de fome mesmo quando estão com a barriga cheia. Então, ao colocar dentro de nossa sociedade, dentro das nossas empresas, pessoas que têm outra perspectiva de vida, o que há é valorização e agradecimento. Além disso, transmite-se uma mensagem de responsabilidade social. Tenho uma funcionária paquistanesa na equipe e me impressiono com o engajamento dela, com o empenho e dedicação.

Mas essa política não poderia agravar ainda mais a situação econômica e o mercado de trabalho, que está com uma taxa de desemprego de 13%?

No médio e longo prazo, os estrangeiros ajudam a dinamizar o mercado de trabalho. Se você olhar a lista dos 150 bilionários brasileiros do último século, verá que muitos deles vieram ao Brasil em situação de refúgio ou imigraram porque não tinham condições de viver em seus países de origem. Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, é um dos maiores geradores de emprego da história do Brasil. Miguel Krigsner, do Boticário, o banqueiro Joseph Safra, entre tantos outros, como Silvio Santos, Chaim Zaher e Elie Horn.

A crise econômica ajudou a fechar ainda mais o Brasil?

Com certeza. Mas, embora sejamos um país muito fechado, não temos uma cultura contrária à diversidade. Ou seja, não temos agressividade nem competitividade aparente com os novos trabalhadores. Independentemente de crise, precisamos ter consciência do que é um refugiado. Um refugiado não vem ao Brasil para tirar seu emprego, ele vem para sobreviver. Então, dentro dessa crise humanitária, temos de avaliar o cenário de forma mais coletiva, mais social. Além disso, estamos falando de um contingente minúsculo diante do tamanho do mercado de trabalho no Brasil.

Minúsculo?

Sim. Proporcionalmente, é insignificante. Temos um banco de dados, o Paar, com mais de 3 mil refugiados, principalmente da África, da Síria e da Venezuela, e 270 empresas parceiras. Já enviamos 790 pessoas para empresas brasileiras. Mas, nós não só arrumamos empregos para esses refugiados. Nós preparamos os estrangeiros a se adaptarem à realidade do nosso mercado de trabalho. Boa parte dos refugiados de nosso banco de dados vem da África, onde a mulher não tem o mesmo valor. Então, preparamos esses trabalhadores para, por exemplo, ter uma chefe mulher. Ensinamos que brasileiro adora abraçar, beijar e tocar nas pessoas enquanto conversa. Pelo lado das empresas, explicamos a importância de não entrar em assuntos pessoais. Muitos deles foram abusados, apanharam, perderam os filhos.  

Mas a sociedade brasileira tem evoluído na questão da diversidade, cada vez mais defendendo o direito dos negros, LGBTs, das minorias historicamente excluídas das oportunidades...

A sociedade brasileira defende aquelas minorias que, naturalmente, fazem parte da sua sociedade. Se não há estrangeiros, não tem razão para levantar a bandeira deles. Sou cristão e acredito em uma Bíblia que não aprova algumas coisas que hoje a sociedade aceita. Mesmo assim, a mesma Bíblia diz que não posso julgar para não ser julgado. Então, como não sou juiz, como empresário, tenho quatro funcionários com orientação sexual diversa e admiro o desempenho deles no trabalho. Esse exemplo é para dizer que existem oportunidades no meio empresarial.

A nova lei de imigração, que entrou em vigor em novembro, não está ajudando a criar um ambiente mais favorável aos imigrantes e aos refugiados?

A lei é boa. É inovadora. Tem processos de licença de trabalho que saem em 24 horas. Mas, exige mudanças de postura por parte dos empresários. Antigamente, se você mantivesse um imigrante ilegal na sua empresa, ele poderia pagar uma multa de R$ 800, e a empresa, R$ 4.615. Hoje, a lei prevê uma multa de R$ 10 mil para o estrangeiro, de R$ 5 milhões para o empresário e com prisão do presidente e do diretor de recursos humanos. Quantos empresários sabem disso?

Por que o Brasil tem recebido tantos imigrantes nos últimos anos, principalmente venezuelanos?

O Brasil é uma das opções para a sobrevivência dos venezuelanos, assim como a Colômbia, que já recebeu mais de 1,5 milhão de imigrantes do país vizinho. O Brasil recebeu cerca de 100 mil venezuelanos. Muitos também foram para o Peru. A tendência é se intensificar. Tudo o que se pode imaginar de ruim está acontecendo na Venezuela. Há famílias inteiras caminhando por 200, 300 quilômetros para cruzar as fronteiras do país. Aquilo que a gente costuma ver na televisão na África e áreas de conflito no Oriente Médio está acontecendo aqui do lado.

O governo brasileiro está criando condições para receber esses imigrantes?

O Brasil está demonstrando preocupação com a situação, criou algumas políticas, uma mobilidade na Casa Civil, e está correndo atrás. A recente visita do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, mostra que existe uma preocupação dos americanos com essa situação. Esse assunto esteve na pauta. Trata-se de uma questão humanitária, algo muito grave. De um jeito ou de outro, se não acolher e interiorizar essas famílias, é um crime moral.

Não é contraditório um representante do governo de Donald Trump dar palpites sobre o que se deve fazer com os imigrantes no Brasil, sendo que estão praticando uma política restritiva aos imigrantes?

Eu admiro muito os Estados Unidos, embora não defenda o que eles estão fazendo lá com as famílias latinas. Eles estão errados. Mas, por mais que muitos não queiram admitir, os americanos estão vários anos à frente do restante do mundo. Olhando para o passado, nos últimos 100 anos, desde Albert Einstein, os Estados Unidos foram o país que mais soube aproveitar a janela de oportunidades aberta pela chegada de imigrantes. Depois deles, só o Canadá. O que está acontecendo agora é uma medida adotada a partir de uma decisão pessoal do presidente Trump, com um viés de marketing, mas que não reflete a cultura do país na questão da imigração. Não podemos julgá-los pelo horror que está acontecendo nos últimos meses, pela lambança que o presidente Trump está fazendo.


Essa postura dos Estados Unidos pode criar uma onda de aversão a imigrantes em todo o mundo?

Vejo de outra maneira. No momento em que os Estados Unidos tomam uma postura totalmente inconveniente, e o mundo inteiro contesta a sua postura, há uma onda generalizada de reflexão sobre o assunto. A grande maioria dos países não quer fazer o mesmo. As manifestações contrárias demonstram que o mundo está se abrindo, não se fechando. Esse desserviço de Trump está, na verdade, ajudando, sem querer.  



www.miguelim igrante.blogspot.com

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