sexta-feira, 27 de julho de 2018

muitos mitos e pouca realidade

Por Roberto Savio
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Segundo as últimas estatísticas, o fluxo total de imigrantes neste 2018 é de 50 mil pessoas. No ano passado, foram pouco mais de 186 mil. Em 2016, foram 1,2 milhão, menos que em 2015, que registrou 1,3 milhão. Existe uma diferença tão assombrosa entre a realidade e as percepções que, ao averiguar os dados reais, fica claro que estamos diante de uma manipulação notável da história.
Uma recente pesquisa realizada na França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Estados Unidos e Suécia, na qual participaram 23 mil cidadãos, mostrou uma enorme desinformação por parte dos entrevistados. Em cinco desses países, as pessoas acreditam que os imigrantes são três vezes mais numerosos do que são na realidade.
Os italianos pensam que eles são 30% da população quando na verdade são 10%, menos que a média da União Europeia. Os suecos se aproximam mais da realidade: acreditam que os imigrantes são 30%, quando na verdade são 20%.
Os italianos acham que 50% dos imigrantes são muçulmanos, quando de fato são 30%. Aliás, 60% dos imigrantes são cristãos, e os italianos acham que essa porcentagem é de apenas 30%. Em seis 6 países, os cidadãos pensam que os imigrantes são pobres e carecem de educação ou conhecimento, e que representam, portanto, uma pesada carga financeira. Os italianos acreditam que 40% dos imigrantes estão desempregados, mas na verdade esse número não supera os 10%, a mesma porcentagem do restante do país.
Logo, o sétimo informe sobre o impacto econômico da imigração, realizado pela Fundação Leonessa – que baseou sua investigação nos dados do Instituto Italiano de Estatísticas – apresentou alguns fatos totalmente ignorados. Os 2,4 milhões de imigrantes na Itália produzem 130 bilhões de euros, ou seja, 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB): montante maior que o PIB de países como Hungria, Eslováquia e Croácia.
Nos últimos 5 anos, as empresas fundadas por imigrantes passaram superaram as 570 mil.000, ou 9,4% do total. O diretor do sistema de pensões italiano, Tito Boeri, disse no Parlamento que as contribuições dos imigrantes chegam a acumular 11,500 bilhões de euros, mais do que custam. Também insistiu em que a Itália está vivendo uma cries demográfica, com sete nascimentos para cada 11 mortos.
Matteo Salvini, o emergente líder italiano que costuma basear o seu sucesso político no discurso de transformar os imigrantes na maior ameaça que o país enfrenta, respondeu os dados de Boeri através do seu twitter, dizendo que o economista “vive em Marte”. Para mais de 50% dos italianos, o tuíte de Salvini foi mais efetivo que as estatísticas reais apresentadas.
O mesmo ocorreu com o ex-diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), William Swing, que citou um estudo realizado por essa agência das Nações Unidas e o McKinley Global Institute, o qual indica que só 3,5% da população mundial são migrantes, que produzem 9% da riqueza global, medida em termos de PIB, e isso significa uma produção 4% maior do que se tivesse ficado em seus países natais. Isso não teve nenhum impacto nos eleitores de Trump, os colarinhos brancos, rurais e vermelhos continuam convencidos de que a imigração é uma ameaça para o país, mesmo sendo um país onde todos são imigrantes.
Em outras palavras, os fatos são irrelevantes. As percepções subjetivas pesam mais.
Consideremos o caso da Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel se perdendo apoio político por causa da forma como lida com o tema da imigração, controlando até mesmo uma rebelião do seu Ministro do Interior, Horst Seehofer, líder da União Social Cristã (CSU) da Baviera, partido-irmão da União Democrata Cristão (CDU) de Merkel.
O tímido e coibido Trump se mostrou feliz ao poder ajudar Seehofer, tuitando que o povo alemão está se “voltando contra” o seu governo por causa do tema da imigração, o que teria levado – segundo o mandatário estadunidense – a um aumento da criminalidade. O fato de que a Alemanha tenha registrado uma forte diminuição dos delitos, segundo cifras comprovadas, certamente não tem nenhuma importância para alguém que já escreveu mais de 3,7 mil declarações falsas entre seus 38 mil tuítes, que são seguidos por mais de 53 milhões de pessoas.
A circulação total, dos 1,3 mil diários dos Estados Unidos é de aproximadamente 62 milhões de exemplares, mas a tiragem total dos 100 diários mais importantes está abaixo das 10 milhões de cópias. Portanto, tudo o que escrevem é sumariamente fustigado pelos tuítes de Trump.
O presidente estadunidense não está sozinho nessa campanha. Tem aliados como o colega húngaro Viktor Orbán, o italiano Matteo Salvini, o polaco Jaroslaw Kazynscky, o austríaco Sebastián Kurz, o eslovaco Peter Pellegrini e o tcheco Milos Zeman, todos no poder. Logo, entre as figuras influentes com aspirações de poder, temos Marine Le Pen na Francia, Nigel Farage no Reino Unido, entre outros – e quase todos em países europeus, com exceção de Espanha e Portugal. Todos juntos, utilizam a imigração, o nacionalismo e a xenofobia como ferramenta.
Voltamos ao caso da Alemanha. A Baviera, que ameaça o governo de Berlim, é o Estado mais rico do país, com uma população de 12,2 milhões de pessoas. Sua capital é nada menos que Munique, com 1,4 milhões de habitantes, a terceira mais populosa do país, depois de Berlim e Hamburgo, além de ser a segunda maior geradora de empregos, o que torna um lugar atraente para os imigrantes, embora eles não haja sequer 200 mil na cidade. O diário local Suddeutsche Zeitung estima que somente os muçulmanos devem constituir cerda de 32 mil residentes.
O partido Alternativa para Alemanha (AfD, em sua sigla em alemão), é a agrupação de extrema direita que obteve 13% dos votos nas últimas eleições, ocupando 92 vagas no parlamento. Seu discurso se baseia, essencialmente, numa plataforma anti imigrante. Em pesquisa realizada em março, o AfD superou levemente os socialdemocratas (SPD) de centro-esquerda. A medição foi solicitada pelo periódico Bild e realizada pelo instituto de pesquisas INSA. Os resultados indicaram um apoio de 16% ao AfD, superando os 15,5% do SPD, uma nova queda de patamar para o que era considerado, tradicionalmente, um dos partidos mais importantes da Alemanha.
Em outras pesquisas, o AfD mostrar que também poderia superar a CSU nas eleições regionais da Baviera, onde os imigrantes muçulmanos são poucos. Entretanto, a base principal do AfD se encontra na antiga Alemanha Oriental, onde os imigrantes representam um quarto dos residentes no antigo lado ocidental. Portanto, não existe um vínculo racional entre reagir à presença de imigrantes e o sufrágio. O AfD consegue mais votos justamente onde há menos imigrantes.
Talvez por isso, a CDU começa a se deslocar agitadamente a posições mais xenófobas e de extrema direita, para não perder eleitores com respeito ao AfD. Provavelmente, perderá do mesmo jeito, já que a história mostra que os eleitores sempre preferem o original e não as cópias. Ainda assim, se acredita que os alemães e os bávaros são pessoas racionais.
As estatísticas são claras. A cada ano, há cerca de 300 mil trabalhadores menos. Dos 80,6 milhões de alemães, somente 61% está em idade ativa. Em 2050, esse número se reduzirá a 51%, e os maiores de 65 aumentarão de 21% a 33%. A taxa de natalidade no país é de 1,5 filho por mulher, e seria necessária uma taxa de 2,1 filhos por mulher, para que a população não diminua. A grande afluência de imigrantes aumenta a taxa de natalidade a um modesto 1,59. Os imigrantes tendem a imitar as tendências locais, e tampouco querem ter muitos filhos.
Portanto, está claro para todos que dentro de duas décadas a produtividade diminuirá drasticamente – alguns sustentam que em até 30% – devido à menor quantidade de pessoas trabalhando, e não haverá suficientes contribuintes para manter funcionando os sistemas de pensões e de segurança social. Será o fim da locomotiva alemã.
A mesma consideração se aplica a toda a Europa, que tem uma taxa de natalidade de 1,6 filhos por mulher, o que significa que a população diminuirá em aproximadamente um milhão de personas cada ano. A Divisão de População da ONU considera que a Europa deveria ter uma afluência de 20 milhões de imigrantes somente para manter sua população e sua economia. Isso é claramente impossível no sistema político de hoje.
Em uma mui correta observação, a filósofa espanhola Adela Cortina notou que os jogadores de futebol, os artistas e os ricos – inclusive os muçulmanos, como os príncipes árabes –, são sempre bem-vindos à Europa. No caso dos jogadores, são aceitos até nas seleções que representam esses países. Os que não são bem-vindos são os pobres. Ela escreveu um livro sobre porque não nos enfrentamos à xenofobia real. O que enfrentamos, segundo ela, é a aporofobia, um termo que ela criou usando a palavra “apora”, o vocábulo grego que significa “pobre”. Aliás, essa defesa da civilização europeia é uma versão atualizada do colonialismo.
Contamos com muitos dados sobre o impacto positivo da imigração. O último é um estudo muito complexo que contempla mais de 30 anos de imigração, realizado pelo respeitado Centro Nacional Francês de Investigação Científica (CNRS, por sua sigla em francês) e publicado pelo periódico Science Advances. Contempla os 15 países europeus que receberam 89% das solicitações de asilo em 2015, o ano da grande afluência de imigrantes da Síria, Iraque e Afeganistão.
Depois de quatro anos, em parte devido à duração do processo burocrático, o PIB desses países aumentou em 0,32%. Os impactos no sistema fiscal também são relevantes. O professor Hippolyte D’Albis, um dos autores do estudo, observa que, inicialmente, os imigrantes são um custo, mas que depois esse gasto público se reinveste na sociedade, e nos dez anos seguintes ao da chegada, eles passam a produzir mais riqueza que a população local. Logo, nos dez anos posteriores, eles passam a se adaptar as estatísticas gerais, sendo tão produtivos quanto os locais.
É óbvio que o sonho das pessoas que vêm à Europa para escapar da fome ou da guerra é encontrar um trabalho o antes possível, pagar impostos e contribuições, trabalhar duro para garantir sua estabilidade e futuro. Ao menos por uma década.
É interessante ver a diferença entre a nova e a velha direita. A velha direita não era contra os imigrantes, entre outras coisas, porque proporcionavam mão de obra barata. Era ligeiramente nacionalista, mas nunca foi xenófoba (exceto com os judeus). A nova direita alternativa não está interessada nas estatísticas nem na economia. Solo se preocupa em fomentar o medo para chegar ao poder, e sustenta que a realidade é uma noticia falsa fabricada. Trump afirma que os 250 mil manifestantes contrários à sua visita à Grã-Bretanha, que o mantiveram fora do centro de Londres, eram seus partidários. Não basta ser um narcisista, é preciso brigar com a realidade.
Portanto devemos nos perguntar: o que aconteceu com as pessoas? Em outros tempos, o fato de que Trump tergiverse a intenção de 250 mil manifestantes teria caído rapidamente no ridículo. Mas não: para os seguidores de Trump, seus tuítes são uma verdade indiscutível.
Sua reunião com o líder norte-coreano Kim Jong-un trouxe resultados nada concretos. A saída estadunidense do acordo com o Irã, que tinha várias páginas de concordância, se baseou numa alegação de que ele não abordava os problemas. Na cúpula da OTAN, ele atacou todos os demais membros, e logo disse que todos se haviam comprometido a aumentar seu orçamento militar a 4% (Estados Unidos se situa em 3,6%). Em sua visita ao Reino Unido, repreendeu a pressionada primeira-ministra Theresa May, defendeu um Brexit rígido e fez um gesto de apoio ao duro ex-ministro de Relações Exteriores Boris Johnson – que foi recentemente demitido justamente por ser favorável a um Brexit mais duro, em desacordo com May, mas em sintonia com Trump. Na reunião com May, o estadunidense disse que não havia vindo para negociar, e sim para obter o que queria.
Após a reunião com o presidente russo Vladimir Putin, disse que os Estados Unidos era o responsável pelas más relações entre ambos os países, que acreditava em Putin quando este assegurou que não houve intromissão russa nas eleições estadunidenses de 2016 e que as agências de inteligência e o Departamento de Justiça, com a investigação dessas eleições por parte do assessor especial Robert Mueller, foram uma desgraça para os Estados Unidos.
Analisando a história dos Estados Unidos, quando houve um presidente que fustiga seus aliados e afaga seus inimigos, e que isso sequer cause uma mínima desconfiança por parte do eleitorado republicano (que agora é trumpiano, antes de qualquer outra coisa)?
Como indica uma pesquisa publicada em junho do ano passado pela organização Varieties of Democracy (V-Dem), o conceito de democracia está em perigo, e situações como essa provavelmente tem muito a ver com isso.
A pesquisa solicitou a mais de 3 mil acadêmicos e especialistas nacionais que avaliassem cada um dos 178 países sobre a qualidade das características principais da democracia. No final de 2016, a maioria das pessoas vivia em democracias. Desde então, um terço da população mundial, 2,5 milhões de pessoas, passaram por uma “autocratização”, na qual um líder ou grupo de líderes começa a limitar os atributos democráticos e a governar de maneira mais unilateral.
Quatro dos países mais povoados do mundo (Índia, Rússia, Brasil e Estados Unidos), foram afetados pela “autocratização” nos últimos 10 anos. Outros países grandes em declínio democrático são Congo, Turquia, Ucrânia e Polônia.
Os Estados Unidos caíram do 7º ao 31º lugar em somente dois anos. O Congresso do país evita colocar rédeas no presidente, o partido opositor parece não ter nenhuma influência sobre o partido governante e o Poder Judiciário está se tornando muito mais proselitista que equilibrado. A Corte Suprema estadunidense parecia um contrapeso ao Executivo, mas agora sua classificação descendeu ao 48º lugar.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto McKinley descobriu que, na atualidade, 41% dos estadunidenses dizem que não se importariam em não viver numa democracia se o líder que gostam ficasse no poder mais tempos que o estabelecido pelo prazo constitucional.
É fato que as pessoas elegem a aqueles políticos que elas gostam. Portanto, qualquer país tem o líder que foi o escolhido pela maioria dos seus eleitores, seja ele Putin, Erdogan, Orbán, Trump… e antes deles, há quase um século atrás, Mussolini e Hitler. Podem escutar os salvadores enviados por Deus, que não se importam com a realidade, e estão em seu direito. Só podemos deplorar o crescente sonambulismo das personas.
O problema grave é que esta visão do mundo desatará um desastre num futuro não muito distante. É realmente urgente, por exemplo, criar uma política de imigração, estabelecer critérios para aqueles que os países industrializados necessitam para poder permanecer na disputa global.
Isso não sucederá, já que todos os imigrantes são apresentados como uma ameaça, para responder ao desejo inconsequente pelo poder de quem sustenta esse discurso, independentemente da realidade. A população da África se duplicará nas próximas décadas. A Nigéria alcançará os 400 milhões. Ademais, 60% dos habitantes da África agora tem menos de 25 anos, em comparação com 32% nos Estados Unidos e 27% na Europa.
Os europeus vão massacrar os imigrantes, como alguns xenófobos estão pedindo, e se tornarão, nas próximas décadas, uma região de anciãos, com pouca ou nenhuma pensão e um sistema social inexistente? A Europa está disposta a perder sua identidade original e seus valores consagrados não só na constituição europeia como também nas constituições nacionais?
O parlamento francês eliminou o termo “raça” da sua constituição, e o governo lusitano outorgará cidadania aos imigrantes que tenham um trabalho estável depois de um ano.
Por sua vez, o governo dos Países Baixos, com o apoio do parlamento, decidiu negar a permissão de regresso a crianças nascidas de pais holandeses inscritos no Estado Islâmico, com o argumento de que essas crianças foram geradas e criadas em um clima de ódio e violência. Portanto, constituiriam um perigo para a sociedade.
A Holanda era vista, em outros tempos, como um país símbolo de tolerância, e durante séculos foi lugar de asilo para refugiados que fugiam de conflitos religiosos ou políticos. Hoje em dia, tem uma população de 17,2 milhões de pessoas, com um alto nível de vida. Quantas dessas crianças do Estado Islâmico existem? O número é assombroso: 145!
Não seria possível encontrar 145 famílias para essas crianças, que não têm a culpa pela situação em que se encontram, para que possam se esquecer dos horrores que atravessaram, e desfrutar dos benefícios de sua nacionalidade, que, segundo o direito internacional, se considera um direito irrevogável?
Enquanto isso, os Estados Unidos separam mais de 5 mil crianças de seus pais imigrantes.
Carta Maior 
www.miguelimigrante.blogspot.com

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