Nesta entrevista, o reitor em exercício, professor Américo de Lyra, destaca os ganhos da aprovação do Programa de Acesso à Educação Superior, ocorrida no final de junho, como um instrumento formal na promoção do acesso ao ensino superior aos estrangeiros, por meio de processo seletivo com vistas a aproveitar as vagas ociosas deixadas por candidatos brasileiros.
Com a aprovação do Programa de Acesso à Educação Superior que destina vagas ociosas nos cursos de graduação aos refugiados e imigrantes em situação e vulnerabilidade, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE/UFRR) permite com que a universidade cumpra sua função social, na condição de agente do estado brasileiro na promoção da educação comprometida com a realidade social do seu entorno.
As vagas remanescentes de processos seletivos de segunda graduação e transferência da UFRR serão consideradas pela Comissão Permanente de Vestibular (CPV/UFRR) que vai conduzir o processo de seleção com fases classificatórias e eliminatórias composta por duas provas: redação em língua portuguesa (para avaliar a capacidade de comunicação no nosso idioma) e uma avaliação de conhecimentos específicos levando em consideração o curso escolhido.
A resolução aprovada prevê ainda que, após matriculados, os estudantes selecionados deverão cursar uma disciplina de português instrumental (ou equivalente) por no mínimo um semestre. Para participar, o candidato deve apresentar comprovante da condição de refúgio expedido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Para a matrícula, os aprovados devem apresentar protocolo de refúgio.
Confira a entrevista do professor Américo de Lyra, que está no exercício da reitoria da UFRR, concedida às equipes da Coordenadoria de Comunicação (Coordcom) e TV Universitária (TVU). Professor Américo é graduado em filosofia, mestre e doutor em história pela Universidade de Brasília (UnB) e é pós-doutor em Relações Internacionais (UnB).
Professor, qual a importância do recém aprovado Programa de Acesso à Educação Superior na UFRR?
Américo de Lyra - Este é um programa muito avançado no sentido de cumprir com uma das demandas do estado nacional brasileiro, com políticas de refúgio e direitos humanos. A universidade se projeta positivamente dada a situação adversa que nós temos com o país vizinho. Mas é importante deixar claro: esta política não é exclusiva para venezuelanos. É uma política para estrangeiros refugiados. É um processo maior. É algo muito bom para a universidade. Em que sentido?
As vagas que a serem ofertadas são vagas ‘ociosas’. O que são vagas ociosas? Digamos que você tenha 40 vagas no curso ‘X’. Desta 40, por meio de vestibular e ENEM, vamos supor que 25 tenham sido ocupadas. Por transferências, mudanças de curso ou segunda graduação, digamos que mais cinco foram ocupadas e ficaram dez ociosas que nenhum brasileiro quer. Elas estão ali. E acabam gerando no MEC a ideia de que: “poxa, eles não estão precisando mais destas dez vagas”. Então eles podem nos tirar estas dez da UFRR. Evidentemente que quando são tiradas, a universidade perde dinheiro e investimentos.
O que nós estamos fazendo? Pegando estas vagas ociosas que nenhum brasileiro quis e permitindo com que um refugiado, por meio de um processo seletivo no qual ele pode até ser eliminado, ocupe a vaga. Isso é bom! Primeiro, porque não vamos perder as dez vagas. Segundo, porque vamos cumprir uma função social, uma das tantas que universidade tem que cumprir. A UFRR é um agente do estado nacional.
Essa decisão da comunidade acadêmica, que eu tive a felicidade de acompanhar na reunião, foi um dos grandes passos da história da instituição. Agora é importante frisar: não é algo feito exclusivamente para os venezuelanos: é também para eles! Podemos ter neste processo, haitianos, cubanos, árabes, etc.
As situações adversas, como catástrofes, desastres, crises econômicas ou conflitos podem acontecer amanhã em qualquer lugar. Pode ser que o Brasil entre uma situação de vulnerabilidade. Ninguém pensa nisso. Nós não queremos pensar nisso. Buscamos caminhos para manter uma institucionalidade no País. Mas esse é um risco que pode acontecer.
Alguns anos atrás, ninguém imaginava que a Venezuela iria entrar em um processo de crise como está tendo agora. Alguns anos atrás, ninguém imaginaria que a Síria teria o problema que está enfrentando. Porque não podemos ser precavidos e pensar que amanhã nós brasileiros também podemos ter estes problemas?
Os estudantes brasileiros, em geral, são bem recebidos no exterior, por meio de programas de internacionalização e convênios desenvolvidos para atender o público brasileiro e vice-versa. De que forma o senhor resumiria o processo de elaboração deste programa pela UFRR, sintonizado com uma política de acolhimento já desenvolvida na instituição em outras instâncias?
AL - Vejo como uma prova de maturidade muito grande da instituição. Se pensarmos a internacionalização em uma perspectiva histórica na universidade, ela já acontecia. Mas acontecia, sobretudo, por meio de programas do estado nacional, como o PEC-G (programa de estudantes-convênio de graduação), que é um programa destinado a estudantes de graduação. Com ele o Brasil coloca-se como agente de formação de países em desenvolvimento, primeiro foi com os nossos irmãos latinos-americanos e hoje mais fortemente com os africanos.
A ideia é formar mão de obra para contribuir com o desenvolvimento dos países nas diversas áreas de atuação e saber. A partir daí a UFRR conseguiu institucionalizar a Coordenadoria de Relações Internacionais (CRINT) e, por meio de sua criação, conseguimos dar força para as ações mais individuais, conduzidas por professores e demandas por alunos e com isso criar políticas da própria universidade, como o pós-médio e o pré-PEC-G, que acontece envolvendo o Colégio de Aplicação (CAP/UFRR), e outras ações de professores junto com a sociedade civil, fato que é maravilhoso!
A universidade dialoga com a sociedade civil. Nós não somos um ente alheio a nossa realidade. Ao contrário, nós somos um ator de importância dentro do estado, nós conseguimos não só refletir o estado, como conseguimos desenvolver políticas de atuação dentro dos nossos limites evidente, que contribuem para a melhora da nossa gente. No entanto, hoje é preciso ter clareza disso: a vida é globalizada!
Nós estamos distantes daquela década de 70 e 80 em que tínhamos as coisas fechadas. Hoje as fronteiras são permeáveis, são muito permeáveis. E esta maturidade da UFRR se dá quando ela consegue ter uma discussão interna provocada por todo este acúmulo de conhecimento e erros também. Nós também cometemos erros. Não aquele erro de querer prejudicar alguém! Mas aquele de tentar fazer, mas não sabíamos e tivemos que aprender.
Eu sou professor e acho que o erro é fundamental para aprendermos. Temos que ter humildade de reconhecer estes erros e procurar os acertos. Vejo como prova de maturidade da instituição. Uma maturidade de uma instituição que não tem 30 anos ainda, mas que apesar disso, sabe lidar com desenvoltura e responsabilidade em relação ao diferente. Se eu pudesse resumir este processo, diria em poucas palavras que temos alcançado maturidade humanitária, acadêmica e científica também.
UFRR
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