sexta-feira, 18 de maio de 2018

Imigrantes se multiplicam em favelas e ocupações no centro e periferia de SP

A reportagem da CBN entrou em um hotel na Zona Norte de São Paulo ocupado por imigrantes de dez países. A ocupação é chefiada pelos mesmos coordenadores daquela que desabou no Largo do Paiçandu. A presença cada vez mais constante dos estrangeiros também vem mudando a cara de favelas paulistanas.

Imigrante haitiano mora em uma pensão dentro de uma favela na Zona Leste de São Paulo (Crédito: Guilherme Balza/CBN)
Imigrante haitiano mora em uma pensão dentro de uma favela na Zona Leste de São Paulo
Crédito: Guilherme Balza/CBN
Por Guilherme Balza

Quatro e meia da tarde de uma terça-feira. Dezenas de crianças negras desembarcam de peruas escolares. As meninas usam trancinhas enfeitadas. Os pais as aguardam em frente a um hotel em estilo neoclássico inacabado, próximo à rodoviária do Tietê, na Zona Norte de São Paulo.

O hotel é, na verdade, uma ocupação, formada por imigrantes de ao menos dez nacionalidades.

Uma Torre de Babel do terceiro mundo.

Não há elevadores. O movimento nas escadas é constante. No quinto andar, ficam os nigerianos. No quarto, mulheres filipinas, que trabalham como empregadas domésticas. Algumas já foram flagradas em trabalhos análogos à escravidão.

Também há moradores de Angola, Haiti, Congo, Senegal, Tanzânia, Bolívia, Peru e do Brasil, quase todos de origem nordestina.

Cada família paga R$ 260 por mês aos coordenadores, os mesmos da ocupação que desabou no Largo do Paiçandu. O hotel é avaliado em R$ 9 milhões, mas só a dívida com o IPTU ultrapassa R$ 11 milhões.

A assistente social Monica Quenca trabalha na Missão Paz, uma ação da Igreja Católica de acolhimento a imigrantes. Ela diz que as ocupações são a única alternativa para o imigrante que quer escapar do pior: morar na rua.

"Com essa crise econômica e política que a gente está, alguns que já estavam trabalhando há três, quatro anos, na mesma empresa, perderam seus empregos. Ninguém tem poupança, ninguém guardou nada. Por mais que ele esteja ganhando bem e não tenha gastos, ele manda o dinheiro pra família. Depois disso, ele já tá aqui no Brasil, já tem a documentação, já fala português, ele não tem mais porque chegar num serviço como o nosso. Ele vai ficar na rua. Infelizmente isso tem sido comum. Isso começa a mexer psicologicamente com eles. A gente tem tido um agravamento nessa história de saúde mental", explica a assistente social.

Os estrangeiros são cada vez mais numerosos nas ocupações no Centro. Uma delas, inclusive, batizada de Leila Khaled, começou com refugiados sírios e palestinos. Mas eles também estão mudando a cara de favelas e ocupações na periferia.

Se os imigrantes do início do século passado moravam perto da linha de bonde, os recém-emigrados se concentram em comunidades próximas à linha de trem que parte do Brás, região onde muitos trabalham informalmente.

A angolana Maria Maleka morou sete meses na ocupação do hotel da Zona Norte. Ela fugiu da perseguição dos próprios familiares que disputavam a herança dos pais dela, mortos num acidente. Sem dinheiro, se mudou para uma favela na Zona Leste, com o marido e dois filhos pequenos.

"Meu marido recebe R$ 800 de salário. Eu tô batalhando, procurando emprego. Saio de manhã, deixo ele com as crianças e vou procurar", diz a angolana. "Ah, tenho saudade [de Angola], mas... Não dá pra voltar. Eu tenho muita saudade do meu irmão. Se ele puder vir [ao Brasil], eu fico melhor."

A comunidade Chaparral, na Penha, Zona Leste, surgiu há cinco anos e tem imigrantes do Peru, Bolívia, Angola e Haiti. A boliviana Gabriela Chambi passava sempre por ali ao lado quando levava o filho à escola. Ela pagava mais de R$ 1.000 de aluguel e estava endividada. Decidiu vender quatro máquinas de costura para pagar R$ 400 no lote e começar a construir uma casa de dois cômodos. Gabriela ganha um real por peça costurada, mas agora tem dificuldade para receber encomendas.

"Eu sofro um pouco de preconceito. Porque quando eu faço currículo e falo que moro na comunidade as pessoas desconfiam de mim. Não sei por quê. Aqui ninguém quer deixar serviço pra mim porque dizem que é perigoso. Antes era melhor. Agora, pouco a pouco, com a crise no Brasil, pra nós já não tem trabalho. Sinto muita falta [da Bolívia], muita saudade, muita... Da minha família, dos meus costumes, as comidas... Tudo", conta a imigrante.

Na favela do Jardim Piratininga, no Cangaíba, também na Zona Leste, moram cerca de 150 famílias de imigrantes. A jornalista Peggy Ndona vive ali com o marido e dois filhos pequenos. Ela deixou o Congo há dois anos após ter sido espancada e estuprada por policiais do governo que a perseguiam politicamente. Chegou no Brasil grávida, com o filho de dois anos. O marido só veio depois. Pra piorar, o agenciador brasileiro furtou os documentos e US$ 5 mil dela.

"Aqueles brutos me agrediram grávida (...) Financeiramente eu tinha uma vida boa no Congo. Ganhava bem. Minha casa era muito grande, tinha carro, tinha tudo. E aqui no Brasil... (risos). É difícil, viu... Cheguei aqui, morava num abrigo. Quando cheguei, fui roubada, perdi meus documentos, perdi tudo. Estava grávida. Faltou pouco pra eu ficar louca", conta a jornalista.

Peggy hoje trabalha como auxiliar de cozinha e ganha R$ 1.200. Gasta metade do salário com o aluguel. A mãe dela, que mora no Congo, ainda não se acostumou com a filha morando em uma comunidade.

"'Estou vendo na TV pessoas mortas! Estão matando as pessoas, estão agredindo as meninas!'. Ela fala tudo de ruim. Eu digo 'mãe, onde eu moro não vejo isso. Eu vejo só na TV também'. A gente tem um preconceito enorme das comunidades", lamenta Peggy.

A três quadras da casa de Peggy, há uma espécie de pensão, bem ao lado da linha de trem, habitada por haitianos e angolanos. São 46 apartamentos de dois cômodos, alugados por R$ 500. As histórias dos haitianos são sempre muito parecidas. Com a crise, muitos perderam emprego e passaram a viver de bico. Não conseguem mandar dinheiro pra família, nem viajar de volta ao Haiti.

É o caso do Franz Pierre, que mora na pensão com a mulher e o filho bebê:

"No Brasil se tem 50 haitianos, 40 não tem trabalho (...) O dono da casa é gente boa. Tô devendo cinco meses [de aluguel] pra ele.

- E ele tá deixando você ficar?

É, porque eu tenho um bebezinho de 11 meses. (...) A gente tem que ficar aqui. Aqui é melhor que lá. Lá é pior ainda. Eu tenho que mandar dinheiro pra ajudá-los [no Haiti]. Eles estão chorando por nós, não por eles. Eles perguntam 'O que você comeu? Você está fazendo o que pra pagar aluguel?'. É isso. Mas a gente não pode falar todas as coisas pra eles pra não fazê-los chorar. Mas eu vou arrumar emprego, com certeza. Eu tenho fé em Deus."

*Com colaboração de Natália Mota
CBN
www.miguelimigrante.blogspot.com

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