sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Venezuelanos chegam ao Rio em busca de proteção e melhores condições de vida

Rafael* tem 39 anos e é formado em Direito, Filosofia e Computação. Proveniente de San Cristóbal, cidade localizada perto da fronteira com a Colômbia, tornou-se crítico do governo venezuelano e, nos últimos anos, passou a ser perseguido por defender opositores nos tribunais. Suas posições políticas também fizeram com que não encontrasse trabalho.
Carmen, de 37, é professora, casada com o administrador de alfândega Francisco, de 27. Os dois têm uma filha de 4 anos, Victoria. Recentemente, passaram a ter dificuldades para comprar alimentos em Caracas, onde viviam. O custo de vida aumentou exponencialmente, situação agravada pelo fato de que Carmen não estava recebendo salário da escola em que trabalhava.
As histórias de Rafael, Carmen e Francisco assemelham-se às de cerca de 30 mil venezuelanos que, segundo estimativas das autoridades estaduais de Roraima e da Polícia Federal (PF), entraram no país em busca de proteção ou de melhores condições de vida diante da crise política e econômica na Venezuela. Segundo dados da PF fornecidos à Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), 16 mil pessoas pediram refúgio, concedido a quem sofre perseguições ou ameaças.
Estudo recente apoiado pelo ACNUR mostrou que a maioria dos venezuelanos não indígenas que estão em Roraima — estado que faz fronteira com a Venezuela e que tem recebido o maior número de refugiados e migrantes — é jovem (72% têm entre 20 e 39 anos) e possui boa escolaridade (78% têm nível médio e 32%, superior ou pós-graduação).

Primeiramente, esperamos ter os papéis
para poder trabalhar. Pouco a pouco,
também estudar, para melhorar as condições de trabalho.

Alguns conseguem viajar ao Rio de Janeiro e a São Paulo, onde esperam ter mais oportunidades de trabalho. De acordo com o levantamento, parcela significativa (58%) dos venezuelanos que estão em Roraima tem amigos ou familiares que já residem no Brasil.
“Conheci uns advogados brasileiros quando estava passando férias em Cúcuta, na Colômbia”, contou Rafael em entrevista ao Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). “Trocamos muitas ideias, e eles me convidaram para vir ao Rio em dezembro do ano passado. Fiquei um mês, mas voltei para a Venezuela. Depois, tive um problema, fui ameaçado. Falei com eles e me convidaram para vir definitivamente em julho. E eu vim”.
“Na Venezuela, a Justiça está muito parcializada. O que acontece é que se você não é simpatizante do governo, não pode exercer livremente a profissão de advogado”, declarou. “O trabalho para nós caiu consideravelmente, além de sermos perseguidos”.
Desde que chegou ao Rio, Rafael mora no centro da cidade, na casa dos amigos brasileiros, e trabalha como auxiliar em um escritório de advocacia. Como não pode exercer sua profissão no Brasil, realiza atividades como digitalizações e cópias, recebendo um salário bem menor que o de um advogado e com um contrato informal, sem direitos trabalhistas.
Mesmo assim, ele não tem reclamações. “Eles estão me ajudando, e eu estou enviando dinheiro para a minha família”, disse. Tanto sua filha, de 16 anos, como sua mãe ainda vivem na Venezuela. Ele espera agora receber autorização de residência e se estabilizar financeiramente. Para isso, está aprendendo português na Cáritas e fazendo curso de barbeiro.
O desejo de dar um futuro melhor para a filha foi o que moveu Carmen e Francisco a deixar Caracas em meados de setembro. O caminho da família até o Rio incluiu três cidades, trajeto que até Boa Vista foi feito por terra.
“Saímos porque a situação lá está muito ruim, em todos os aspectos, não tem medicamentos, comida. O custo de vida está muito caro, a economia, a inflação”, disse Carmen. “Tenho primos aqui no Rio. Meu pai é brasileiro, mas vivia lá na Venezuela e veio para cá faz dois meses”, contou ela em português com forte sotaque.
Há pouco mais de uma semana no país, o casal vive com familiares na Ilha do Governador, na zona norte. “Primeiramente, esperamos ter os papéis para poder trabalhar. Pouco a pouco, também estudar para melhorar as condições de trabalho”, afirmou Carmen.

Situação de vulnerabilidade

A Cáritas Arquidiocesana tem verificado desde 2014 um aumento do fluxo de venezuelanos que chegam à região Sudeste, especialmente ao Rio de Janeiro, afirmou Fabrício Toledo, advogado da instituição.
“A gente atende pelo menos quatro ou cinco pessoas por dia em busca de algum tipo de ajuda. E pelo menos quatro por semana buscando refúgio ou regularização de residência”, declarou.
Houve uma mudança no perfil dos recém-chegados, segundo ele. Enquanto três anos atrás se tratava principalmente de pessoas de classe média ou média alta, desde o ano passado há um fluxo mais heterogêneo, com aumento de migrantes e refugiados de classes mais baixas.
Toledo alerta para o fato de muitos deles estarem sendo submetidos a condições precárias e de superexploração no trabalho, casos que estão sendo denunciados pela Cáritas ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
“O MPT tem feito fiscalização por conta das denúncias que temos recebido de venezuelanos que estão trabalhando 12 horas sem descanso, sem almoço, sem direitos trabalhistas, sem registro na carteira”, disse Toledo, lembrando que os casos ocorrem principalmente no comércio.
“Eles se veem tendo que trabalhar para subsistir, e ocupam as vagas que estão à disposição. Isso acontece mesmo com aqueles que têm qualificação, advogados, jornalistas”, explicou.
Toledo elogia a Resolução 126, aprovada pelo governo brasileiro em março deste ano e que permitiu aos venezuelanos entrar com pedido de residência temporária no país pelo prazo de até dois anos.
A autorização é concedida aos nacionais de países que fazem fronteira com o Brasil e entram no país por via terrestre. Para se adequar à resolução, os venezuelanos que tiverem solicitado refúgio no Brasil precisam abrir mão desse pedido.

Eles se veem tendo que trabalhar
para subsistir, e ocupam as vagas
que estão à disposição.

“No nosso ponto de vista, essa resolução é boa na medida em que é uma exceção em relação à regra geral, possibilitando a regularização de uma população de migrantes”, disse Toledo.
“Ao mesmo tempo, temos preocupações. Uma delas é que pessoas que têm um perfil clássico de refugiado, ou seja, pessoas que foram perseguidas ou temem perseguição, estão optando pela regularização migratória em vez de pedir refúgio”, declarou, explicando que isso tem ocorrido porque o procedimento pela Resolução 126 é mais rápido.
Rafael é um dos venezuelanos que escolheu retirar o pedido de refúgio e tentar a regularização de residência. “Meus planos para o futuro são me estabelecer no Brasil, poder ser cidadão brasileiro e trazer minha família. Isso é o principal. Até que o governo não mude na Venezuela, não posso voltar”, concluiu.
ACNUR
www.miguelimigrante.blogspot.com

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