Os dados são intrigantes. A Suíça é um dos países mais estáveis economicamente do mundo, mas esconde algumas idiossincrasias. O jornal do grupo varejista Coop trouxe, na edição de 21 de março deste ano, reportagem mostrando que 60% dos suíços não enviaram qualquer currículo nos últimos cinco anos. Isso significa que esse grupo já estava empregado e não necessitava procurar uma vaga de trabalho. Cerca de 14% enviaram até dois currículos e 13% entre três a dez. A pesquisa não fala quantas pessoas foram entrevistadas. Mesmo com índices dos sonhos, os suíços carregam o peso do medo de perder o posto de trabalho. De acordo com o Barômetro do Humor, realizado pelo Instituto de Pesquisa gfs Bern, de Berna, 46% responderam que temem ficar desempregados.
Os números se chocam com a realidade dos migrantes que nunca conseguiram entrar no mercado e, dessa forma, parecem não ser contabilizados. Estudo da professora de economia da Universidade de Warwick no Reino Unido, Sascha O. Becker, mostra que jovens com antecedentes de migração são menos bem-sucedidos quando se trata de candidatar-se a empregos. "As taxas são muito menores para os cidadãos suíços em geral. Parece ser mais difícil para os estrangeiros encontrar um emprego", diz Becker.
O estudo de 2006 envolveu o envio de currículos fictícios de pessoas igualmente qualificadas de diferentes origens étnicas em resposta a anúncios de emprego. Enquanto os portugueses na Suíça francófona sofreram um baixo nível de discriminação, os iugoslavos de língua albanesa foram discriminados em 59 por cento dos casos na parte alemã da Suíça.
Ignorados pelas estatísticas, já que nunca trabalharam e dessa forma não constam na lista dos desempregados, muitos estrangeiros de diferentes partes do mundo enviam até 300 cartas de motivação e currículos por ano e nem assim tem sucesso na busca. Esse público é formado por cidadãos do mundo inteiro, inclusive Europa, e tem como característica principal o fato de serem acompanhantes de expatriados, além dos imigrantes que chegam à Suíça por meio de uma união estável ou matrimônio. Como 49% dos casamentos no país suíços são bi nacionais, a consequência é um grande número de imigrantes na busca de uma colocação profissional. A situação torna-se delicada especialmente para mulheres com alta qualificação.
A inglesa Myriam Lewis*, que é professora de inglês, formada em Germanística e com experiência internacional, já tentou mais de 70 vagas de trabalho somente esse ano. Casada com um suíço, Myriam já trabalhou inclusive no Brasil, mas não consegue ensinar inglês na Suíça, chegando a perder nas candidaturas até mesmo para competidores que não têm o idioma como língua materna. A médica Neurologista inglesa Ann Carter* tampouco consegue trabalhar em sua profissão. Embora o país necessite de médicos especialistas, os entrevistadores alegam que seu domínio da língua alemã não é suficiente e que ela teria que fazer um curso de mais dois anos para validar um diploma que foi tirado com mérito na Grã-Bretanha.
Casos como os das duas inglesas acontecem muito frequentemente na comunidade de língua portuguesa. São advogadas, vendedoras, dentistas, uma infinidade de profissionais que não conseguem se reposicionar desde que chegam ao país.
Segundo as duas aconselhadoras de Transição de Carreira e de Mercado de Trabalho Angela Weinberger e Christine Groell, com experiência em recolocação profissional de expatriados na Suíça, existem algumas razões para que estrangeiros sofram maiores dificuldades para conquistar o emprego dos sonhos:
Alta expectativa – Muitos acreditam que vão encontrar facilmente uma vaga devido ao baixo índice de desemprego do país. Só que acabam por esbarrar na barreira do idioma.
Domínio da língua – Como a Suíça tem um considerável mercado internacional, esse grupo acha que pode facilmente trabalhar em inglês. A crença não é infundada, mas como as vagas para língua inglesa são limitadas, a concorrência aumenta. De acordo com Christine Groell, o país é formado por empresas pequenas e de médio porte, onde o pré-requisito é o idioma local. As grandes multinacionais, onde o inglês é a língua corporativa, são apenas uma pequena parte das companhias que empregam no país. Além disso, não só os estrangeiros da Suíça buscam uma colocação nessas empresas, mas pessoas do mundo inteiro que se encantam com a prosperidade do país.
Experts – O mercado espera profissionais que sejam profundos conhecedores em suas áreas. As escolas Norte e Sul Americanas têm uma formação mais generalista. As de linha germânica - as suíças estão nessa categoria – são mais dirigidas à especialização profissional. Ao contrário das sociedades brasileira e americana, não são voltadas para a universidade, mas para os cursos profissionalizantes e específicos de cada profissão. De acordo com o engenheiro alemão Rudolf Schwarz*, especializado em distribuição de energia, no Brasil, contrata-se primeiro e depois adapta-se o funcionário ao cargo. “Na Suíça, espera-se um profissional pronto e muito especializado”, explica Schwarz, que já trabalhou no México, Brasil e Estados Unidos.
Diplomas – A começar pelo sistema de ensino, que é diferente, o recrutador suíço tem dúvidas quanto à autenticidade de um diploma advindo de países em desenvolvimento ou de lugares nos quais os currículos sejam complicados de entender. Algumas profissões precisam validar diplomas.
Mulheres – Muitas esposas de expatriados se veem surpresas com a falta de creches e serviços de babás onde possam colocar seus filhos enquanto trabalham. Como não encontram, desistem do sonho da recolocação profissional.
Ferramentas de busca – Muitos candidatos que procuram emprego não estão cientes das especificidades do mercado suíço, como funciona a maneira diferente de elaborar um currículo, como se faz uma carta de motivação ou até mesmo sobre como driblar os robôs que fazem a primeira triagem dos currículos em um grande sistema de dados. Uma boa ideia é contar com a ajuda de um profissional, como o coach ou aconselhador de carreiras, por exemplo, ou o aconselhamento profissional suíço.
Natureza da profissão – Profissões técnicas têm mais aceitação que as da área de humanas e de línguas. De acordo com Christine Groell, professores em geral por exemplo, provavelmente só conseguirão uma vaga na Suíça se falarem um alemão de níveis C1 ou C2, mais um diploma local. Profissionais da área de comunicação, mesmo que com experiência em outro país, provavelmente terão dificuldades, já que nesse tipo de profissão, é necessário ter um conhecimento profundo da cultura suíça. “Vai além da proficiência no idioma, é necessário decifrar os códigos, os sinais e linguagem corporal”, explica.
Necessidade do mercado – A Suíça necessita de trabalhadores ditos braçais, como para a área de limpeza, ou técnicos como eletricistas ou mecânicos, além de engenheiros, profissionais de Tecnologia da Informação.
Dicas – Invista no aprendizado da língua local e no networking. Tenha sempre seu cartão de visitas em mãos e comente sempre com sua rede de relacionamentos que está buscando uma posição. Além disso, vá em frente e não desista de buscar uma colocação profissional. “E mais que tudo, acredite em você”, finaliza Groell.
SWI
www.miguelimigrante.blogspot.com
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