Realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ, e por seu Grupo de Trabalho (GT) de Fluxos Migratórios e Meio Ambiente, o I Seminário sobre Refúgio, Migração, Apatridia e Direitos Humanos reuniu palestrantes no Plenário Evandro Lins e Silva, na sede da Seccional, no fim da tarde de sexta-feira, dia 14, e debateu o papel do Brasil no cenário das migrações internacionais. Comandado pela coordenadora do GT, Cristina Gomes da Luz, o evento contou com abertura do secretário-geral da CDHAJ, Ítalo Pires Aguiar, e da vice-coordenadora do GT, Aline Hamdan.
Compuseram a mesa principal do evento o advogado e mestrando em Relações Internacionais pela Uerj, Jhonathan Mattos; a integrante da CDHAJ, Dianduala Nguidi; o advogado e mestrando em Direitos Humanos pela Unijui/RS, Rodrigo Puzine; o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Alexandre Cabral, e o coordenador-executivo de Direitos Humanos da Prefeitura RJ, Matheus Andrade.
Filha de imigrantes angolanos, Dianduala deu início às palestras falando sobre a chegada de seus pais ao Rio de Janeiro, e relembrando o assassinato do imigrante congolês Moïse Kabagambe, na praia da Barra da Tijuca, em janeiro.
"Sempre ouvimos que o Brasil é um país extremamente acolhedor, como uma mãe", afirmou a advogada. "Mas, na verdade, o Brasil é uma mãe seletiva, com filhos prediletos, abraçando alguns e esquecendo-se de outros, como aconteceu com a família do Moïse. Em entrevistas, imigrantes ucranianos contam como se sentem seguros no Brasil e como foram bem acolhidos, mas isso não acontece com imigrantes de outras partes do mundo".
Jhonathan Mattos apresentou dados sobre a migração e o acolhimento de refugiados no país e ecoou o discurso de Dianduala sobre a incorporação dos migrantes à sociedade.
"De 2001 a 2020 temos o aceleramento das políticas de recebimento de refugiados, e entre 2009 e 2017 temos praticamente uma resolução do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) por ano tratando do tema. Entre 2001 e 2017 tínhamos cerca de 20 mil refugiados, vindos principalmente de Cuba, Síria, Congo e Haiti. Em 2017, essa curva pula para 67 mil, com mais de 70% desses imigrantes vindo da Venezuela para a Região Norte do Brasil. Lá, há um aumento da chegada de refugiados e, ao mesmo tempo, o menor grau de absorção dessa população pelo mercado de trabalho. Uma vez no nosso território, o refugiado deveria ter todos os direitos de um cidadão, exceto o direito de votar, mas o Brasil nega direitos a esse imigrantes. Somos uma pátria que recebe e acolhe essas pessoas, mas uma vez aqui, elas não contam com uma política de Estado contínua que garanta e aprofunde esses direitos".
Apresentando os dramas dos refugiados ambientais, Rodrigo Puzine chamou atenção para a questão que muitas vezes esbarra na falta de consenso sobre terminologias e tem como consequência o descaso em relação aos dramas enfrentados por populações deslocadas em virtude de tragédias ambientais.
"A terminologia 'refugiado ambiental' praticamente não encontra qualquer visibilidade, mas eles existem e não há uma proteção efetiva para esse grupo, seja no Brasil ou no exterior, ainda que esse seja o grupo de refugiados mais antigo da Humanidade", afirmou Puzine.
"Casos como os de Mariana, Brumadinho ou as enchentes de Petrópolis geraram uma população que perdeu tudo e que se viu obrigada a migrar. Embora casos assim aconteçam em todo o mundo, muitos países rejeitam essa terminologia por acreditar que ela enfraquece o conceito do refugiado clássico ou por enxergar que uma vez que os eventos e migrações acontecem em um mesmo país sem efeito internacional".
Os esforços realizados pela Prefeitura do Rio de Janeiro no acolhimento e abrigo foram tema da manifestação de Matheus Andrade, que destacou em sua fala, as diversas políticas públicas implementadas e parcerias firmadas no apoio à população de refugiados na cidade.
"Nosso maior sonho é conseguir lançar, em parceria com a organização norte-americana Cultural Orientation Resource Exchange (CORE), o Abrigo e Centro de Referência de Atendimento a Imigrantes (Crai), e estamos bastante próximos de concretizá-lo. A proposta veio da organização, que construiria o abrigo em um prédio da Prefeitura, próximo à Central do Brasil, e iria comandá-lo por seis meses, antes de devolvê-lo. Ou seja, seria uma obra construída com custos baixíssimos, e que ofereceria orientação jurídica, aulas de português e apoio à empregabilidade, fazendo com que refugiados passassem a trabalhar na estrutura atendendo futuros refugiados em sua língua natal".
Professor da Uerj, Alexandre Cabral destacou a necessidade de entender e colocar em prática a diversidade e a pluralidade na formação da sociedade brasileira.
"Há um texto de Freud , de 1919, chamado 'Das umheilich', que pode ser traduzido como 'o estranho' ou 'o infamiliar', que fala da ideia de não se sentir em casa", afirmou Cabral.
"Esse conceito mostra que somos desterrados e desterradas, algo que Hannah Arendt abordou no fim da Segunda Guerra Mundial em seu texto 'Nós, os refugiados', quando falou da busca por identidade dos judeus que partiam para novos países. A construção do país em que vivemos é o quê? Um genocídio dos que chamamos de indígenas, mesmo sem que eles tivessem nada a ver com a Índia, ou seja, em um processo que já começa a partir da violência semântica. E logo depois, as populações que chegam ao Brasil vêm da África Negra, através da escravidão. O pronome 'nós' não consegue acolher mais de 70% da população que vive nessa terra. Que nossa apatridia nos faça refletir que é pelo pronome 'nós' pelo qual precisamos lutar".
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