sábado, 27 de agosto de 2022

Cartilha explica audiência de custódia a migrantes e refugiados

 A cartilha Migrantes, Refugiados e Audiência de Custódia foi lançada nesta sexta-feira (26/8) em cerimônia que teve a presença do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, autor do texto de introdução. A população migrante e refugiada no país soma 1 milhão de pessoas, de acordo com dados do Ministério da Justiça. No mundo todo, há cerca de 100 milhões de pessoas em deslocamento forçado. E o objetivo da publicação é oferecer orientações básicas àquelas acusadas de cometer um crime no Brasil sobre esse encontro obrigatório com o juiz. Será distribuída em português, espanhol, inglês e francês.

É uma produção do Instituto Pro Bono junto ao escritório Tauil & Chequer, da Cyrus R. Vance Center for International Justice, Bar Association de Nova York e BNY Mellon, com apoio do Chubb Rule of Law Fund. E teve apoio da Faap, que promoveu o evento de lançamento.

A população carcerária no Brasil passa de 800 mil pessoas — 300 mil a mais do que comporta o sistema de prisões — e coloca o país em terceiro lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. “30 a 40% desses presos poderiam estar na rua”, afirmou o ministro Lewandowski ao apontar o índice de presos provisórios no Brasil, muitos deles acusados de pequenos furtos. Cada preso custa em média R$ 2.200 por mês, um custo mensal para o Estado de R$ 1,7 bilhão.

As audiências de custódia, nesse contexto, têm o importante papel de identificar casos em que prender não é a melhor solução, além de constatar abusos por parte de autoridades do Estado, como a tortura. Dados levantados pelo ministro corroboram essa impressão: 40% das pessoas que passam por uma audiência de custódia são colocadas em liberdade provisória; 6%, encaminhadas para assistência social; em 4% dos casos os juízes flagram a prática de tortura.

A Constituição Federal garante direito e proteção aos estrangeiros, disse o ministro Ricardo LewandowskiConJur

"O artigo 5º da Constituição Federal garante direitos e proteção do Estado brasileiro também aos estrangeiros”, declarou Lewandowski. De acordo com a Constituição: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

“Se os brasileiros não sabem como devem ser tratados, imaginem os estrangeiros”, disse Marcos Fuchs, diretor do Instituto Pro BonoConJur

Marcos Fuchs, diretor executivo do Instituto Pro Bono, contou que a cartilha é um dos frutos do trabalho que começou há alguns anos, lado a lado com a Defensoria Pública e advogados que voluntariamente participam de audiências de custódia. Entre as constatações desse trabalho, a de que os próprios brasileiros não entendem como funciona a audiência de custódia. "Se os brasileiros não sabem como devem ser tratados, imaginem os estrangeiros", disse.

Outra, não menos importante, é de que há pessoas que ficam mais de 24 horas sem comer desde a prisão até a audiência. E

Coordenadora do projeto, a advogada Ana Luiza Martins convoca a sociedade para concretizar direitos.ConJur

essa constatação levou a Justiça, em 2020, a determinar que o estado ofereça alimentação e água a presos em trânsito ou que estejam aguardando a audiência. A ação civil pública foi proposta pela Defensoria Pública de São Paulo em parceria com o instituto.

O Pro Bono defende ainda que todas as audiências sejam feitas presencialmente, já que muitas vezes o acusado está rodeado de policiais durante a audiência online e se sente intimidado.

A advogada Ana Luiza Martins, que coordenou o trabalho por dois anos ao lado do ex-advogado-geral da União Luís Adams, lembrou ainda da falta de intérpretes durante as audiências de custódia. “Não basta a existência de direitos. A comunidade deve estar comprometida em concretizá-los”, afirmou.

Trabalhamos com pessoas invisíveis, diz o defensor público João Chaves, sobre estrangeiros que não falam português e não conhecem as leis brasileirasConJur

O defensor público da União em São Paulo, João Chaves, disse que a instituição se compromete a inserir a cartilha na sua rotina de trabalho. "Há 12 anos a DPU tem um grupo de trabalho voltado a imigrantes em conflitos com a lei. Trabalhamos com pessoas invisíveis. Imagine o trauma de ser preso fora do país. As audiências de custódia são um espaço privilegiado, onde o estrangeiro tem, por exemplo, o direito de solicitar refúgio, de falar sobre tráfico de pessoas. A Resolução 405/2021 do CNJ é uma grande vitória nesse sentido porque consagra direitos. E a cartilha é um presente", declarou.

A criação das audiências de custódia
O instituto nasceu em 2015, quando dados do Departamento Penitenciário (Depen) indicavam a existência de 600 mil pessoas presas no país, 41% delas em prisão provisória.

Diante desse número e do fato de o Brasil ser signatário, desde 1992, de tratados internacionais segundo os quais o preso deve ser conduzido sem demora ao juiz, o ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, se debruçou a questão carcerária no país.

Com base na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (artigo 7º, item 5), conhecida como Pacto San José da Costa Rica, e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 9º, item 3), fez um acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo para testar essas audiências.

Viajou pelo país para tratar do assunto com os presidentes do Tribunais de Justiça e, em artigo publicado no final de 2015 na ConJur, o ministro comemorava o sucesso da iniciativa que “desde a implantação da experiência piloto, a nova rotina procedimental foi ganhando, um a um, a adesão de todos os demais entes federativos, dos Tribunais de Justiça Estaduais e Federais ao Termo de Cooperação Técnica 007/2015, firmado entre o CNJ, o Ministério da Justiça e o Instituto de Defesa de Direito de Defesa (IDDD). Nesse instrumento está consignada a "conjugação de esforços" de todos os atores do sistema de justiça criminal brasileiro pela implantação de audiência de custódia em todo o país”.

A resistência às audiências de custódia foi grande no país, mas já em 2015 dois marcos jurídicos contribuíram para a consolidação do instituto. O primeiro foi a ADI 5.240, que questionava no STF a norma que do TJ-SP que disciplinava as audiências de custódia. Sob a relatoria do ministro Luiz Fux, a corte decidiu, por maioria, pela constitucionalidade do ato normativo "indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por todos os tribunais do país".

Em setembro do mesmo ano, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o STF deu 90 dias para que os tribunais viabilizassem o comparecimento do preso perante um juiz em até 24 horas. Foi nesta ação que se reconheceu o "estado de coisas inconstitucional" do sistema penitenciário brasileiro e a audiência de custódia como política crucial para o enfrentamento dessa situação.

Em 2019, o instrumento passou a ter previsão no artigo 310 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019.

Conjur

www.miguelimigrante.blogspot.com

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