Ao longo da história europeia de que
ficaram crónicas, os movimentos de populações tiveram uma pluralidade de
causas, até que se tornaram marcantes divisões territoriais tendentes a ganhar
uma identidade cultural e étnica, acrescendo a sacralização das fronteiras e as
responsabilidades de segurança e defesa, demorando algum tempo o propósito das
expansões já com sentido político articulado; os movimentos grego, da Roma que
se dividiria em dois impérios, são exemplo.
Há uma história rica do que orientou o caminho que levou à
situação presente, que nunca eliminou a prática das migrações, tendo a dos
invasores vindos do Norte contribuído para se formar a unidade dos europeus,
mas que os muçulmanos atuais não parecem ter esquecido os séculos em que
dominaram grandes espaços do que viria a ser a Europa. Relembram, hoje, depois
de expulsos há séculos, os ataques e submissões que viriam a sofrer pelo
colonialismo ocidental, não podendo estar-se seguro de que não existam
correntes que atuam porque não esquecem, e demonstram não pôr de lado a vontade
de retaliação. Por isso, talvez, surge, no seio da própria União Europeia, o já
chamado "desafio identitário", que membros da União publicamente
assumem ao nível dos governos, fazendo perigar a unidade da União em favor das
identidades históricas que criaram, mantendo a ambição de salvaguardarem a
relação de nação-Estado, e por isso ressuscitando incompatibilidades culturais,
étnicas, ou religiosas, todas legitimadas pelo passado, não longínquo, que o
presente migratório em seu parecer agride, impedindo conceder nem acolhimento
nem solidariedade.
Uma das questões que funcionaram como fator destas atitudes
defensivas é seguramente a relação sentida entre emigrações e terrorismo, este
tendo assumido valores religiosos no seu conceito estratégico, o que agrava a
situação. Mas, admitindo abstrair deste conflito terrorista, uma das grandes
dificuldades que estão visíveis encontra-se no facto da defensiva não encontrar
obstáculos numa inexistente memória de apoio comum proveitoso. Pelo que o
fenómeno migratório, mesmo pacífico, mas contagiado pela imagem da agressão
criminosa, intencional, e sem objetivo eticamente justificável, não se afigura
facilmente livre dos receios. Pelo contrário, o que cresce é a lembrança da
perdida ou profundamente afetada "vida habitual" das sociedades atacadas,
fazendo do receio um fator das próprias escolhas políticas, como se passa na
Polónia, onde como que se estruturou, para hoje, um discurso na linha da cólera
causada pelos crimes punidos depois da última Guerra Mundial, por os atuais
atos terroristas serem com razão considerados contra a humanidade; também na
Hungria encontraram em Viktor Orbán um líder ganhador contra o cumprimento dos
deveres humanitários adotados pelos europeus, esquecidos da fuga em massa para
o Ocidente quando da revolução de 1956, enfim, fazendo renascer, contra o
pregado multiculturalismo, a igual incompatibilidade que levou ao sacrifício
dos milhares de judeus nos campos de concentração, e a frequente
incompatibilidade entre o islão e os povos de formação cristã, ainda quando os
praticantes estão em processo de diminuição.
Tem de se assumir que um dos efeitos não previstos da ofensiva
terrorista, articulada nos factos com o descontrolo das migrações seja afetar a
solidariedade dos Estados europeus, que esquecem, para apoiar a determinação
pregada pelos governos no sentido de salvaguardar o ideal que os orientou, que
não haveria continente americano de padrões europeus, com destaque histórico
dos EUA, sem os cus os humanos da liquidação de
povos como aconteceu aos iroqueses, ou do repovoamento pelos milhões de
europeus emigrados em busca de melhor futuro. Resistindo assim à pregação
daqueles que hoje agrupamos na Escola Ibérica da Paz, cuja doutrina ainda não foi
completamente acatada pelos procedimentos em curso: sobretudo o confronto entre
o islão e a laicidade para a qual os europeus foram conduzidos, mas sem
esquecer as declarações de direitos, que em todo o caso ainda não permitiram a
aprovação da declaração de deveres, há anos elaborada e em espera. A paz,
dificílima e em risco grave não dispensa, para ser recuperável nos termos
abrangentes dos teóricos ibéricos da "paz da humanidade", a igualdade
sem diferenças de crenças, etnias, e culturas, e sem que se respeitem os
pressupostos das declarações de direitos. Pelo contrário, parece ganhar força a
resposta proposta na Holanda, por um partido, já em 2004, no sentido de dizer
aos emigrantes: "Se não está preparado para se conformar com os nossos
valores e obedecer às nossas leis, procure um país onde se sinta em casa."
Se não conseguimos encontrar uma solução para o convívio cooperante das
diferenças, objetivo que presidiu à fundação da UNESCO, agravaremos seguramente
a insegurança, e retrocederemos em busca da eficácia repressiva de modelos que
supúnhamos definitivamente esquecidos. Retirar-se da UNESCO, como anunciam os
EUA, não é aceitável.
Adriano MoreiraDN
www.miguelimigrante.blogspot.com
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