Recentemente tivemos dois importantes eventos sobre a atual crise
humanitária internacional, na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova
York. Na Cúpula de Chefes de Estado sobre Migrantes e Refugiados e na abertura
da Assembleia Geral da ONU, o tema dos deslocamentos de pessoas foi dominante.
É explicável pois desde a Segunda Guerra Mundial não se via volume tão grande
de deslocamentos e fugas em massa.
Ao todo, mais de 65 milhões de pessoas deixaram
seus lares em virtude de conflitos, guerras e perseguições, e esse número não
deve diminuir nos próximos anos. Desse total, 20 milhões de pessoas foram para
outros países tentando se salvar de perseguições e de graves violações de
direitos humanos e são consideradas refugiadas pelo Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Em Nova York, representantes dos Estados discutiram como compartilhar
responsabilidades sobre os fluxos migratórios mundiais e sobre como garantir
padrões mínimos de proteção às pessoas para evitar as cenas trágicas de
naufrágios, afogamentos e inúmeras violações de direitos que vitimam migrantes
e refugiados. As principais vítimas do sofrimento são as crianças, as mulheres
e as pessoas mais velhas. Uma declaração política foi assinada, pela qual os
países se comprometem a pactuar até 2018 normas e formas de tratamento
humanizado e equilibrado para os fluxos de pessoas no mundo.
O prospecto das reuniões desta semana mostra que ações concretas parecem
ainda distantes. O tema é complexo porque depende do movimento coordenado entre
os principais países que recebem migrantes e refugiados no mundo, e dos que,
por sua ação direta participando ou financiando guerras, geram esses
movimentos. E porque a estratégia de tentar controlar os fluxos com barreiras,
criminalização e entregando às polícias e forças de segurança ainda é popular
entre os Estados, apesar de resultar dolorosa e ineficiente.
O Brasil pode jogar um papel fundamental neste momento. Mas no
noticiário brasileiro, infelizmente o tema ganhou visibilidade pela polêmica
relativa aos dados utilizados na fala do Presidente Michel Temer nesse forum
internacional. Em síntese, ao citar que o Brasil recebeu 95 mil pessoas
refugiadas, considerou cerca de 85 mil detentores de residência com base
humanitária provenientes do Haiti nessa conta.
Oficialmente hoje o Estado brasileiro
reconhece cerca de 9 mil pessoas como refugiadas seguindo as causas previstas
na legislação do
Refugio. Falando ao Estado de S. Paulo, o atual Ministro da Justiça declarou que o
Brasil iria solicitar a ampliação do conceito de refugiado a fim de abranger
pessoas deslocadas por desastres ambientais.
A primeira delas é a proporção.
Considerem-se 9 mil refugiados ou 100 mil pessoas protegidas por algum status
humanitário no Brasil, isso ainda revela um percentual ínfimo da proteção sobre
o total da demanda. Especialmente tomando-se as características brasileiras, um
país que está entre os dez maiores Produtos Internos Brutos do mundo e uma das
maiores populações.
Não se trata de fazer apenas uma comparação com países mais ricos, mas
com países em desenvolvimento, que são os que efetivamente concentram a maior
parte dos refugiados e deslocados. Segundo o ACNUR, dos 20 milhões de
refugiados no mundo, quase 40% estão no Oriente Médio (são cerca de 8 milhões
de pessoas) e 30% (ou 6 milhões de pessoas) estão na África.
A Europa responde por apenas 1,2
milhões dos refúgios, o que representa metade dos refugiados existentes nas
Américas. No continente americano, há pelo menos 2,4 milhões de refugiados. E
relembrando: o Brasil possui cerca de 9 mil refugiados. Mesmo se tomarmos o
número mais amplo da proteção humanitária no país e arredondando a conta para
cima - 100 mil pessoas - o Brasil participaria com aproximadamente 4% dos refugiados
do continente, ou 0,5% do total mundial.
A segunda questão ofuscada é de discurso.
O sentido de abertura e de receptividade às pessoas migrantes e refugiadas, e o
compromisso com sua integração é feito em falas presidenciais sobre o tema na
ONU há anos, e precisa ser tomado a sério. Em 2015, a Presidenta Dilma
Rousseff, na Assembleia Geral da ONU deu destaque com a afirmativa "o Brasil está de braços
abertos", reconhecendo o país como multiétnico e pontuando o
absurdo de impedir o fluxo livre de pessoas, além de ter se expressado em
termos semelhantes em artigos na imprensa defendendo a recepção de migrantes
e refugiados. Nesta semana, perante a mesma Assembleia Geral, o
Presidente Temer também repudiou o racismo, a xenofobia e outras formas de
intolerância e pontuou"o Brasil é obra de
imigrantes". Na Reunião de Cúpula na véspera dessa fala,
detalhou ainda uma posição de abertura, de não criminalização da migração e
do refúgio e de uma perspectiva de integração social plena.
A terceira questão é de estratégia.
Como passar dos discursos a mecanismos efetivos para recepção de migrantes e
refugiados e sua inclusão sustentável e rápida.
Em falas perante a própria ONU, o Brasil mapeou anteriormente algumas tarefas que precisam ser cumpridas. Em outubro de 2013, no mesmo dia do naufrágio em Lampedusa, costa da Itália, que deixou mais de 360 mortos entre migrantes e refugiados que tentava chegar à Europa, ocorria, também em Nova York, uma Reunião de Alto Nível sobre Migrações.
Em falas perante a própria ONU, o Brasil mapeou anteriormente algumas tarefas que precisam ser cumpridas. Em outubro de 2013, no mesmo dia do naufrágio em Lampedusa, costa da Itália, que deixou mais de 360 mortos entre migrantes e refugiados que tentava chegar à Europa, ocorria, também em Nova York, uma Reunião de Alto Nível sobre Migrações.
Já naquele ano, a posição brasileira
colocava os desafios: Modernizar a
legislação, trocando o Estatuto do Estrangeiro dos anos 1980 e que dificulta a
regularização migratória e o desenvolvimento de ações de inclusão; criar mecanismos
de participação, diálogo e supervisão social para envolver migrantes e
nacionais em processos colaborativos de integração; e Criar instituições
especializadas no tema, de caráter não-policial e com poderes e expertise para
buscar soluções adequadas ao contexto brasileiro, fomentando redes de
articulação com poderes locais que afetam a integração de grupos migrantes e
refugiados.
Existem portanto, alguns caminhos a monitorar no governo vigente, dos
quais seleciono 4 itens que são atuais e que passam por momentos decisivos para
acompanhamento:
1. A manutenção do tema migrações e refúgio dentro da órbita de
políticas sociais, de integração e proteção, e a manutenção de esforços contra
as tendências de criminalização da imigração - como não-detenção de migrantes
em nenhuma hipótese, o repudio a deportações coletivas e sumárias, bem como a
manutenção dos canais humanitários existentes, como o que protege haitianos,
sem redução de seu volume;
2. Monitorar o andamento da Reforma Migratória, que
está no Congresso Nacional, sob a forma do Projeto de Lei 2.516/2015, pronto
para ser votado em plenário, o Projeto contem várias disposições sobre
não-criminalização importantes, e que prevê um amplo processo de documentação
migratória que é fundamental;
4. A propositura de uma agência
especializada no tema das migrações e refúgio, civil, não-policial e
profissionalizada, responsável por articular e induzir a ação dos demais órgãos
governamentais entidades não-governamentais, e poderes locais para efetivar
integração social de pessoas migrantes e refugiadas. Um modelo interessante foi
proposto por uma Comissão de Especialistas em 2014, que pode ser visto aqui.
A atual crise humanitária internacional não dá sinais de retração. Os
dados do ACNUR também mostram que as pessoas deslocadas não conseguem mais
voltar a seus locais de origem e os fatores de deslocamento, como guerras e
conflitos não dão sinal de diminuição. É preciso perceber o papel do Braisl neste
quadro. É um papel histórico, de receber e de se deixar formar pela diversidade
propiciada pelos diferentes fluxos humanos. Só para lembrar, voltando aos
números, em relação à própria população brasileira, hoje o número de pessoas
para quem o Brasil oferece proteção humanitária, incluindo refugio e o programa
de migração humanitária, não passa de 0,05% da população (considerando
o número de 100 mil pessoas que sabemos arredondado para cima). Se o Brasil
recebesse outras 100 mil pessoas por mecanismos humanitários em sentido amplo,
ou através do reassentamento de refugiados, essa população seria de 0,1%
da população. Seria uma pequena contribuição, ínfima, poderia se dizer,
porém inestimável para as pessoas e para o próprio País.
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