A Itália celebrou nesta segunda-feira, 3 de outubro, a
primeira Jornada Nacional de Memória e Acolhimento. A data recorda 3 de Outubro
de 2013, dia em ocorreu o terrível naufrágio de uma barco de migrantes ao largo
da pequena ilha de Lampedusa (em frente da ilha da Sicília) e que custou a vida
a 366 migrantes, na sua maioria do corno da África, isto é Eritreia, Etiópia,
Somália…
Recorde-se,
o Papa Francisco tinha-se deslocado a Lampedusa alguns meses antes (sua
primeira viagem pontifícia para rezar pelos migrantes e enaltecer o espírito de
acolhimento dos lampedusanos e mais tarde recebeu no Vaticano, alguns
sobreviventes dessa tragédia.
P. Mimmo Zambito,
Desde há três anos pároco de Lampedusa sublinha em entrevista
à Rádio Vaticano que os lampedusanos têm a consciência de viver numa ilha
remota nos confins entre dois mundos e quando vêem chegar homens, mulheres e
crianças, são particularmente sensíveis, pois que sabem o que significa ir e
vir desta ilha e compreendem que é certamente por motivos muito graves que
essas pessoas fogem das suas terras e passam por Lampedusa à procura de um
projecto de vida.
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P. Mimmo, como vivem os lampedusanos estes dias da Memória,
Este
dias são terríveis, na memória e na recordação, mas, por mais paradoxal que
pareça, são também dias de muita alegria, pois muitas famílias acolheram
sobreviventes nos dias sucessivos ao 3 de outubro de 2013. São também jornadas
de empenho porque a paróquia promove um encontro, não só da necessária oração,
mas também de empenho a fim de que Deus inspira a realização de corredores
humanitários aos governos da nossa Europa.
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Corredores humanitários por um lado e, por outro, o muro de Calais: para que
pode servir, a seu ver, esse muro?
Tivemos
precisamente aqui o bispo de Calais e com absoluta profundidade e simplicidade
recordou os valores constitutivos da República, isto é a fraternidade, e como
bispo, recordou, obviamente, o valor universal que tem a fé na unidade de todo
o género humano. Tivemos essa relação tão particular precisamente para indicar
que a Terra pertence a todos e que construir muros ou outras formas de barreira
não é uma solução. Isto penaliza a sobrevivência destes nossos amigos, mas
também a nossa: isto é a negação do direito do outro arrasta consigo o direito
de quem oprime. Na realidade trata-se de homens, de mulheres e de crianças que
fogem de situações terríveis.
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Não basta comover-se, não é?
O
Papa Francisco nos ensina que não podemos parar-nos só quando advertimos a
espada no coração: é preciso que essa comoção nos leve a uma relação viva,
real, tomar consciência da realidade desta tragedia e agir olhos nos olhos,
mãos nas mãos, agir a fim de que não só não voltem a acontecer tragédias como
esta, mas também a fim de que essas pessoas possam atingir a meta da sua
viagem.
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Como vê o papel de Lampedusa nesta indizível crise migratória?
Creio
que a função fundamental de Lampedusa é uma espécie de reconciliação à vida, de
nascimento à vida, à dignidade, à liberdade, como adultos. O valor de Lampedusa
para estes nossos amigos é marcado sobretudo por aquilo que passaram nos países
de origem, por aquilo que passaram ao atravessar o deserto, os entes queridos
que perderam, as tragédias, as humiliações… E não falemos do que sofrem na
Líbia!: são reclusos, oprimidos, violentados, derrubados e mortos…. E depois
uma ulterior tragédia, o atravessar o mar naquelas condições em que outros mais
perdem a vida ou passam por violações de toda a espécie. Quando chegam a
Lampedusa ninguém lhes bate, ninguém os humilha, mas com muita simplicidade
alguém lhes sorria e lhes oferece um copo de chá, lhes dá as boas-vindas à
Itália, à Europa. É este o valor de Lampedusa. Mas depois esta fileira de dignidade,
de liberdade precisa de continuidade noutras etapas…
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Como deve agir a Itália, a Europa para que haja uma solução mais humana à
questão das migrações?
Trata-se
duma fileira de dignidade que a Europa no papel, e a Itália, obviamente,
declara. A Itália está a desempenhar esta função de salvamento e é preciso
reconhecer o mérito das acções de salvamento aos Operadores da Guarda Costeira,
ao nosso governo a fim de que não pese sobre os italianos a vergonha de ver
morrer pessoas devido à nossa falta de acção para os socorrer. Esta fileira de
cidadania europeia – que deve ir constituindo-se com a Declaração dos Direitos
dos Refugiados e dos Requerentes Asilo – precisa de outras acções que não são
desenvolvidas em Lampedusa ou desempenhadas pelos lampedusanos. Nós temos a
consciência de fazer parte de uma fileira de dignidade e de caridade, de
solidariedade, que se esbate pela Europa e que encontra oposição e negação um
pouco por todo o lado.
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O
drama dos migrantes que perdem a vida no Mar Mediterrâneo está sempre sob os
nossos olhos. A Guarda
Costeira italiana faz tudo o que pode para salvar vidas
humanas. De 1991 a hoje já salvou mais de 700 mil migrantes. Uma acção corajosa
de marinheiras e marinheiros que o Corpo
Diplomático Africano em Roma quis homenagear no âmbito do
Dia da África, em Maio passado.
Nessa
ocasião, uma placa alusiva a esse reconhecimento foi entregue, num acto
solene e comovente, ao Comandante Geral da Guarda Costeira italiana,
Almirante Melone, na presença do Ministro Italiano dos Transportes, Graziano
del Rio.
Em
entrevista, nessa ocasião, à Rádio Vaticano, o Embaixador de Cabo Verde, Manuel
Amante, que é também Presidente do Comité dos Embaixadores para a Imigração,
falara da comoção que o acto suscitou nos presentes, nomeadamente a projecção
de um breve filme sobre as acções de salvamento e em que são evocadas também as
palavras do Papa Francisco aquando da sua visita a Lampedusa em Julho de
2013.
(DA)
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