A promessa do eldorado brasileiro, que atraiu milhares de haitianos,ganeses e senegaleses para Santa
Catarina nos últimos anos,
foi ceifada pela alta do dólar e pelo desemprego. Sem perspectivas de melhorar
as condições de vida a curto prazo e sem dinheiro para enviar à família que
ficou no país de origem, muitos imigrantes decidiram seguir viagem nos últimos
meses. Não há estatísticas oficiais – a Polícia Federal (PF) não fornece o controle de saídas
por nacionalidade –, mas os embarques de imigrantes no Estado, de ônibus ou
avião, são diários. O principal destino é o Chile ou os Estados Unidos.
A saída é feita em grandes grupos. Hoje, 100 haitianos que viviam
em Balneário
Camboriú embarcam no
Aeroporto de Navegantes, rumo a São Paulo. Na próxima terça, outro grupo também
partirá. Da capital paulista, irão até o Acre, onde se dividem. Há os que
voltam para casa, os que tentam a sorte em países da América Central e os que
arriscam uma longa e perigosa viagem até os Estados Unidos, que pode levar até
dois meses.
– Eles pouco falam sobre
essa travessia, têm medo. Mas sabemos que chegam a usar os serviços de coiotes
(pessoas que levam imigrantes ilegais para os Estados Unidos) e que passam dias
caminhando pela floresta amazônica – diz o agente de viagens Geneci Moschen, de
Itajaí.
Metade das passagens
emitidas pela empresa dele neste ano foi para haitianos que estavam deixando o
país pelo Acre. A partida dos imigrantes fica evidente no Bairro dos
Municípios, em Balneário Camboriú, que chegou a ter quase 2 mil haitianos no
auge da imigração, segundo a associação que reúne os estrangeiros na cidade.
Hoje, não passam de 400.
Sem emprego, muitos se
reúnem durante o dia em locais como o comércio de Osnel Jules, haitiano que
mora em Balneário Camboriú há três anos. Num só espaço ele montou lan house,
salão de cabeleireiro e loja de roupas. A oferta de produtos já foi maior, hoje
são apenas algumas calças e camisas em um varal. Falta dinheiro para aumentar o
estoque.
– Não tem mais haitiano
para comprar – lamenta Jules.
Até o início do ano
havia pelo menos cinco estabelecimentos tocados por haitianos no Bairro dos
Municípios. Sobraram dois. Jules afirma que, se pudesse, iria para os Estados
Unidos. Não vai porque tem uma filha nascida no Brasil.
Com português difícil,
Jean Lys Timéus, cabeleireiro que trabalha no salão, atende quase que
exclusivamente os conterrâneos do Haiti e cobra de R$ 10 a R$ 12 para cortar
cabelos. Com o movimento reduzido, ele pensa que, se não conseguir meios de se
manter, terá que ir embora.
SC tem o segundo maior fluxo migratório do país
Os dados oficiais do
fluxo de entrada e saída dos imigrantes país são imprecisos. Em 2015, segundo a
PF, 14 mil haitianos entraram no Brasil – três vezes mais do que em 2012. Desse
total, 16% teriam vindo para Santa Catarina, o segundo maior fluxo migratório
do país, atrás apenas de São Paulo. Até o ano passado, a PF tinha registro de
3,5 mil haitianos vivendo no Estado – mas o número real era muito maior, já que,
embora tenham direito ao visto ao entrar no país, nem todos os imigrantes foram
legalizados.
Em Joinville, a
prefeitura estima que até 4 mil haitianos tenham vivido na cidade. Hoje há
apenas 500 no Cadastro Único, que dá direito a benefícios como redução na
tarifa de luz. E 90% deles estão sem emprego.
Em todo o Estado, a
situação se repete. Só em Criciúma, a Casa de Passagem, que acolhia os
imigrantes e ajudava com a documentação, estima que o número de estrangeiros
tenha chegado a 3 mil, a maioria vindos de Gana. Hoje, a comunidade reduziu
60%, cerca de 900. Grande parte dos ganeses, que integravam a maior comunidade
estrangeira local, foi ilegalmente para os Estados Unidos e outros voltaram
para a África.
Órgão regulariza passaportes
Órgão regulariza passaportes
A decisão de imigrantes
haitianos de deixar o país fez crescer a procura por renovações de passaporte
no Escritório de Relações Internacionais (ERI) da Univali, em Balneário
Camboriú. Neste ano, de 262 atendimentos, 150 foram para regularizar a
documentação.
O ERI é um dos únicos
órgãos no país a ter acordo de cooperação com a embaixada do Haiti, o que
permite que faça a coleta de documentos e recebam o passaporte para entregar ao
dono. O serviço é feito para imigrantes de todo o Estado.
Giselda Cherem,
professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais que coordena o
departamento, diz que recentemente o escritório passou a receber, também,
consultas de haitianos interessados em sair do Brasil.
– Já nos consultaram
sobre México, França e Canadá. Nós buscamos informações sobre o visto para o
haitiano nesses países e repassamos ao interessado – explica a advogada.
Nem sempre a resposta é
positiva. Com exceção do Chile, que facilitou a entrada para os haitianos assim
como o Brasil, os demais países consultados não aplicam a eles as mesmas
condições.Entre os que escolhem permanecer no país, é grande a procura por
reunião familiar – meios legais de trazer os filhos do Haiti, sem passar pelos
riscos dos atravessadores.
Recentemente o ERI pediu
auxílio ao Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em
Santa Catarina (Eresc) para obter do governo haitiano informações sobre o
encaminhamento dos processos. Uma das barreiras ao atendimento dos imigrantes
no Brasil, porém, é a falta de dados concretos sobre o que fazem no país e do
que precisam.
– Não há políticas
públicas voltadas para os haitianos, apenas ações aleatórias nos municípios. Os
imigrantes ficam vulneráveis e correm risco de marginalização – afirma Giselda.
Ontem, membros da
Comissão de Direitos Humanos da OAB em Itajaí apresentaram a lideranças das
comunidades haitiana e senegalesa um projeto de oficinas de direitos para os
imigrantes, em especial direitos trabalhistas. Desde que dois haitianos
sofreram um acidente de trabalho em Itajaí, no mês passado, que resultou na
morte de um deles, o órgão passou a receber informações sobre abusos nas
relações de trabalho, como o não pagamento de horas extras, falta de registro
em carteira de trabalho e carga horária maior do que a permitida.
A Fundação de Amparo à
Pesquisa e Inovação no Estado (Fapesc), em parceria com a Univali, está
levantando o perfil sócio-econômico dos imigrantes em Santa Catarina. A ideia é
que o documento auxilie na criação de políticas públicas voltadas para o grupo
DC
Dagmara Spautz
www.miguelimigrante.blogspot.com
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