Com a pressão crescente
sobre os políticos para resolver a crise dos refugiados na Alemanha, despontam
propostas de efetividade discutível, como proibir o véu islâmico. DW convida
sociólogo e autor a analisar o tema.
Quem observa o debate
sobre como acolher e integrar os refugiados que vêm à Alemanha tem a impressão
de que, nos últimos 12 meses, houve uma guinada de 180 graus: da "cultura
das boas-vindas", receptiva e sem fronteiras, a uma política do rechaço,
com crescentes restrições burocráticas e outros mecanismos de dissuasão.
Entre os capítulos mais
recentes dessa tortuosa progressão constam tanto a discussão sobre uma proibição
da burca, o véu islâmico feminino de corpo inteiro, quanto sobre o fim da
possibilidade de os filhos de imigrantes terem dupla cidadania até se tornarem
adultos.
O professor de
sociologia Ludger Pries, da Universidade do Ruhr, em Bochum, é vice-presidente
do Conselho de Peritos das Fundações Alemãs para Integração e Migração. Ele
acaba de lançar o livro Migration und Ankommen (Migração e chegada), em que
propõe alternativas para a problemática dos refugiados, defendendo a
necessidade de os migrantes "chegarem" ao novo país antes de serem
integrados.
A DW o entrevistou sobre
os erros e perspectivas da atual abordagem do tema na política e na sociedade
alemãs.
DW: Nos últimos tempos
tem-se escrito muito sobre o tema integração. Que ponto de vista defende seu
livro Migration und Ankommen?
Ludger Pries: No debate
das últimas décadas sobre refugiados e migração consideramos de forma
insuficiente um aspecto importante: que estão chegando aqui pessoas com suas
próprias experiências biográficas e seu histórico cultural. Nós esperávamos que
todos fossem se assimilar o mais rápido possível, sem quase nos interessarmos
pela experiência de vida deles até então.
Essa é uma constante na
história da imigração [na Alemanha], desde os desterrados e refugiados depois
da Segunda Guerra Mundial até os gastarbeiter["trabalhadores
convidados" do milagre econômico alemão das décadas de 1960 e 1970] e os
spätaussiedler [alemães e seus descendentes antes residentes em Estados
comunistas].
Como isso influencia a
forma de lidar com os mais de 1 milhão de refugiados que agora chegaram à
Alemanha?
Devemos
proporcionar-lhes, no diálogo, uma chegada não só física, mas também pessoal,
sociocultural. Nesse processo também podem contribuir, com suas vivências de
chegar, muitos dos que já vivem aqui há muito tempo, ou há gerações. Assim,
também este podem participar mais. Por exemplo, os de origem turca e os de fé
muçulmana, ou a segunda geração dos spätaussiedler. A necessidade de mais
diálogo e intercâmbio é grande.
Como isso pode se
realizar, concretamente?
Muitos refugiados estão
traumatizados, e é difícil iniciar uma conversa com eles. Organizando-se
círculos de diálogo no nível do bairro ou do município é mais simples conseguir
que falem. Também faz parte disso reuni-los com gente que teve experiências
semelhantes de fuga ou de chegada.
O que acontece se isso
der errado? No seu livro, o senhor fala do perigo de excessos de violência e de
atentados terroristas.
Organizar a chegada é o
meio mais sustentável para manter baixa essa probabilidade. A cultura das
boas-vindas precisa possibilitar a chegada. E em seguida deve vir a integração,
com chances de participação no mercado e aulas de língua alemã.
Os alemães estão
preocupados que os atentados de fundo islâmico possam se repetir. Quão provável
considera que isso seja?
A maioria dos refugiados
que chegaram aqui no ano passado teve experiências traumáticas. Em certos
indivíduos isso pode aumentar a probabilidade de se lançarem em atos de
violência ou terrorismo. Mas essa probabilidade também se eleva entre os não
refugiados com problemas psíquicos específicos, como sabemos dos diversos
ataques e tiroteios a esmo em outros países.
Mais uma vez: a
integração tem que passar pelo processo de chegar e pela aceitação. Se
examinarmos todos os casos de ataques terroristas das últimas quatro semanas na
Alemanha, vemos de forma bem clara que precisamente isso foi central para o
fracasso pessoal dos agressores.
Nesse contexto, como
avalia a atual discussão na Alemanha sobre uma possível proibição da burca e a
reivindicação de se abolir a dupla cidadania?
Os políticos se
encontram sob enorme pressão para fazer algo. Isso resulta muitas vezes em
decisões que não contribuem para a meta final. É o que vejo na discussão sobre
a proibição da burca e a questão da dupla cidadania. Esta última é essencial,
pois muitos se sentem parte de vários círculos culturais.
Os autores dos atentados
de Paris ou Bruxelas não tinham dupla cidadania, mas eles não haviam sido
integrados e aceitos. Por isso, abolir a dupla cidadania não vai resolver os
problemas que se apresentam. Talvez o debate do terceiro trimestre de 2015
sobre as boas-vindas tenha transcorrido de forma um tanto ingênua. Mas agora
não podemos cair no extremo oposto, fazendo exigências que definitivamente não
vão resolver os nossos problemas.
Como os refugiados que
agora querem chegar à Alemanha percebem essa discussão?
É justamente essa a
questão. Durante 30 anos nós afirmamos aos "trabalhadores
convidados": "Na verdade, vocês só são hóspedes, e não precisamos de
medidas de integração." Estaríamos emitindo agora os mesmos sinais
equivocados, de outra forma, ao recusar a dupla cidadania.
No tocante à proibição
da burca, consta que o exercício da religião tem um valor alto neste país. É
preciso discutir com muito discernimento os limites para o porte de símbolos
religiosos em público, em ações jurídicas no tribunal ou em escolas. Ver algum
tipo de solução numa proibição generalizada da burca é totalmente equivocado.
Tais discussões
bloqueiam a integração. No fim das contas, elas desviam do problema em si, ou
seja, das tarefas de chegada e de integração que a sociedade como um todo tem
que cumprir.
O senhor não teme uma
recaída na discussão de décadas passadas, que já acreditávamos ter superado?
Temos que aceitar que
cada geração necessita rediscutir a questão do que é próprio e do que é
estrangeiro e decidi-la para si. Em relação à expulsão e fuga, a Alemanha tem
um potencial próprio de vivência e aceitação, o qual pode ser mobilizado na
troca de experiências de chegada.
Não devemos nos ver
apenas como campeões mundiais da globalização econômica, mas também como o país
que arca com a responsabilidade global, tendo como pano de fundo sua própria
história. Não podemos pegar para nós só as pérolas da globalização e deixar o
resto para as nações da África.
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