Na quinta-feira (24), o Brasil reabriu a fronteira com a Venezuela, que estava mais de um ano fechada. Porém, essa reabertura terá algumas limitações, contando com o número de apenas 50 pessoas por dia que poderão passar do país venezuelano para o brasileiro, segundo a Folha de São Paulo.
De acordo com o texto da portaria de número 655, publicado nesta quarta-feira (23), a reabertura da fronteira visa a receber "pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária", e que agora poderão receber assistência emergencial de acolhimento e regularização migratória.
Na visão de Rafael Araujo, professor de História da América da UERJ e organizador do livro "A Era Chávez e a Venezuela no Tempo Presente", a medida do governo foi acertada, pois a Venezuela vive uma grave crise humanitária em consequência da crise econômica instalada no país desde 2015, e que mesmo que o Brasil também esteja enfrentando dificuldades sanitárias e econômicas, Brasília ainda se encontra em melhor condições do que Caracas.
Araujo caracteriza que o migrante venezuelano que chega ao Brasil origina de uma parcela da população mais vulnerável, mais pobre, que em razão da desesperança vivida em seu país, optam por tentar melhor qualidade de vida em outros territórios. De acordo com o professor, quando a fronteira estava aberta em 2020, em torno de 1.000 venezuelanos entravam por dia no Brasil.
Sobre o número de venezuelanos que já atravessaram a fronteira, o especialista cita dados do projeto do governo Acolhida, que foi responsável pela interiorização de aproximadamente 51 mil venezuelanos em 675 municípios brasileiros. Por conta do programa, de 360 famílias interiorizadas, 77% já conseguiram emprego e melhores condições de viver no país.
Porém, o professor salienta que esses são os números de migrantes agraciados pelo projeto, pois, atualmente, cerca de 260 mil refugiados e migrantes venezuelanos vivem no Brasil.
Isso se evidenciaria, novamente, nos números, já que cerca de 5,4 milhões de venezuelanos, ou seja, um sexto da população, migraram ou buscaram abrigo em outros países,
"Embora, nesse momento, haja uma tentativa de mínima cooperação entre o governo de Nicolás Maduro e alguns setores de oposição, a invisibilidade de uma solução rápida para crise política serve como mais um elemento que desgasta o venezuelano. [...] Se eu fosse colocar como fator mais relevante para migração seriam esses: a crise política, a impossibilidade de solução a curto prazo e a precária situação socioeconômica", disse o professor em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.
Entretanto, Araujo enfatiza que, como qualquer migrante que opta por sair de seu próprio país, não por querer, mas por se ver em um contexto incerto e precário, os migrantes venezuelanos também enfrentam problemas nos países a que chegam, incluindo o Brasil.
Apesar do projeto Acolhida, muitos migrantes não são abarcados pelo programa, o que faz com que sua vivência no Brasil aconteça nas bordas, sem uma assistência, o que dificulta o acesso ao trabalho, à moradia, à educação, e consequentemente, até à alimentação.
E essa questão não conta só com o migrante venezuelano, o professor também cita os bolivianos e haitianos que chegam ao país e são explorados em seus trabalhos por estarem vivendo nessa margem. A diferença de língua também é um ponto de dificuldade levantado pelo especialista.
O professor conta que existe um mito na elite brasileira de que os hispano-americanos seriam atrasados, e assim, o brasileiro não se vê englobado nessa cultura.
"Com a redemocratização na década de 1980 e a criação do Mercosul em 1991, o Brasil tem virado mais seu olhar para América Latina, porém, ainda está muito longe para o brasileiro se sentir latino-americano. Eu acho que a migração dos venezuelanos pode contribuir para que a gente veja a América Latina de uma forma mais integrada ao trocar mais intensamente aspectos culturais. Talvez isso desperte esse novo olhar no brasileiro", explica o professor.
Em relação a essa visão, Araujo diz que não é que exista uma importância particular atribuída às pessoas que vêm da Venezuela, mas que a magnitude da migração venezuelana em razão dos motivos citados anteriormente faz com que ela se torne uma crise humanitária de ordem global.
No caso, os venezuelanos compõem um dos grupos de refugiados e migrantes que mais demandam atenção nesse momento por sua grandeza. Portanto, não é que tenha um enfoque especial do governo brasileiro nesse grupo, mas a proximidade dos territórios e o intenso fluxo oriundo de Caracas faz com que seja obrigatório esse olhar mais próximo aos venezuelanos.
"Embora o governo Bolsonaro, com todo negacionismo e com todo o atraso que representa, não veja o Brasil como um líder da América do Sul e tenha tornado o país um anão diplomático, de certa forma, quando você tem um problema dessa magnitude, que é o caso dos venezuelanos, isso demanda uma atenção maior, queira o governo atual olhar para isso ou não", explicou Araujo.
Para o especialista, o Brasil é uma nação líder na região, então o enfoque do país nesse problema origina também de uma própria liderança que o Brasil representa.
Além de governos antagônicos, segundo o especialista, o Brasil ainda vive o retrocesso diplomático realizado pelo ex-chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, pois sua gestão deixou consequências negativas na diplomacia brasileira.
"Temos o problema hoje do trânsito fronteiriço, da migração, da pandemia, há vários elementos catalizadores de tensões entre Brasil e Venezuela, e enquanto tivermos os dois representantes [tão diferentes] as tensões não vão diminuir, pode até dar uma acalmada, mas algo próximo de uma relação cordial, solidária e em prol do desenvolvimento dos dois países ainda é algo distante a curto prazo."
Araujo conta que, de certa forma, as três últimas gestões brasileiras na presidência fizeram o Brasil perder a relação próxima que tinha aos venezuelanos, e não necessariamente por questões políticas e ideológicas, mas por uma desatenção que o governo deu ao país.
Adicionalmente, o professor enfatiza que não seria com o atual governo que essa reaproximação poderia acontecer, pois a gestão "é inepta para pensar um palmo à frente do nariz em relação à América do Sul", o que é lamentável, pois o Brasil teria condições de liderar esse movimento "para Venezuela sair da crise econômica e política e seguir uma retomada de um desenvolvimento socioeconômico que estancasse essa sangria da crise".
"Acho pouco provável que o atual governo tenha a mínima capacidade de fazer isso. Não pelo Itamaraty, o Itamaraty teria, mas por razões que fogem de qualquer racionalidade, que englobam o próprio fato da negação do coronavírus e da negação da ciência", completou o professor.
Na quinta-feira (24), o Brasil reabriu a fronteira com a Venezuela após mais de um ano com a mesma fechada. Porém, essa abertura terá algumas limitações contando com o número de 50 pessoas por dia que poderão passar do país venezuelano para o brasileiro.
O objetivo da abertura também seria o de "desestimular a entrada ilegal no país" e reforçar a repressão a coiotes (intermediários que cobram para levar os migrantes de forma irregular).
Entretanto, João Chaves, coordenador de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União em São Paulo, disse, citado pela Folha de São Paulo, que "haverá dificuldade para atender toda a demanda reprimida de migrantes em Roraima. O limite de 50 pessoas é insuficiente". (com agência Sputnik Brasil)
jb.com.br
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